"Achava 'Globeleza' horrível, hoje é minha 'Conceição'", diz Jorge Aragão

"Na tela da TV, no meio desse povo, a gente vai se ver na Globo". O tema do Carnaval da emissora, repetido à exaustão há 25 anos, marcou a carreira de seu compositor, Jorge Aragão. Escolhida em um concurso, a música escrita pelo cantor consagrado ao lado do sambista José Franco Lattari (morto em 2008) embala a cobertura da folia pelo Brasil e a ginga da musa Globeleza.

Aragão, aliás, torceu o nariz para o nome da garota do Carnaval da Globo e relutou em topar o convite do amigo para compor o tema. "Globeleza" foi criação do compositor Aldir Blanc, que perdeu o concurso da emissora. Mas o então vice-presidente de Operações da emissora, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Boni, gostou da expressão e negociou os direitos.

"A música foi uma surpresa para mim. Quase briguei com o Franco porque não queria fazer de jeito nenhum. Para mim, era uma forçação de barra tão grande, em termos de vinheta, e eu falava com ele: 'Não tem nada a ver uma empresa como a Globo misturar a palavra 'Globeleza', que troço mais feio! Que troço horrível! Globeleza era uma das piores coisas do mundo que ouvi! Não quero fazer não'. Ele quase chorava perto de mim: 'Parceiro, vamos fazer, vai dar um dinheirinho'", relembra ao UOL.

O sambista, enfim, concordou com o amigo e compôs a música. Mas Boni mexeu na letra original. O verso "Eu tô no ar, ai que beleza" virou "Eu tô no ar, tô Globeleza". Atualmente, Jorge Aragão se orgulha de ter escrito um dos temas mais famosos da TV.

"Pediram para a gente colocar o 'Globeleza' dentro do samba. Relutei para caramba e está tocando aí. Hoje estou em paz. É como se fosse a 'Conceição', do Cauby Peixoto [1931-2016]. Para mim, ficou natural. Canto em qualquer lugar", conta. O músico, porém, evita interpretar "Globeleza" em outras emissoras.

Globo já tentou comprar "Globeleza" de Jorge Aragão

Jorge Aragão gravou "Globeleza" pela primeira vez para o disco lançado em 1993, em um pot-pourri com dois de seus maiores sucessos, "Vou Festejar" e "Coisinha do Pai". Todos os anos, a Globo pede autorização para usar a música e paga uma quantia dividida entre a família de José Franco Lattari, a gravadora e ele. Há sete anos, porém, a emissora tentou ser única dona da canção.

"Alguém cismou de comprar a música para não pedir todo ano e ficar com eles mesmos. Eu não entendi. Falei: 'Vender por quê? Todo ano eu não dou autorização há mais de 20 anos?'. Responderam que alguém poderia gravar, mas não fazia nem sentido. Eu daria uma música que tem 'Globeleza' para outra empresa?", contesta.

Aragão também nunca participou da vinheta da Globo, que prefere chamar intérpretes de escolas de samba (o atual é Neguinho da Beija-Flor). Contudo, ele não sente falta de cantar sua composição na vinheta famosa, pois raramente vê TV. É como o sambista de 69 anos e 17 stents nos vasos sanguíneos (os últimos implantados em abril de 2017, após passar mal) mantém a saúde.

"Não vi. Sinceramente, é tanta maldade e crueldade que não consigo mais ver televisão. Vejo tênis, alguns jogos da NBA e Olimpíada de Inverno pelas paisagens maravilhosas. Mas já fechei os olhos e tapei os ouvidos para não ver notícia ruim", critica.