Topo

Rico Vasconcelos

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Entenda por que pessoas que vivem com HIV serão priorizadas na vacinação

Preparação para aplicação de dose de vacina contra a covid-19 no Espírito Santo - Governo do Espírito Santo
Preparação para aplicação de dose de vacina contra a covid-19 no Espírito Santo Imagem: Governo do Espírito Santo

Colunista do UOL

02/04/2021 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Em nota técnica publicada no último dia 29 de março, o Ministério da Saúde atualizou as recomendações de vacinação contra a covid-19 para pessoas que vivem com HIV, passando agora a incluir no grupo prioritário todas essas pessoas de 18 a 59 anos de idade.

No documento anterior, seriam priorizados apenas os indivíduos que tivessem o exame laboratorial de contagem de linfócitos CD4 menor que 350 células/mm3, nível abaixo do qual a imunidade uo pode começar a ficar enfraquecida. Aqueles com mais de 60 anos já seriam priorizados somente por sua idade, independentemente da imunidade.

A notícia foi recebida com alegria pelas ONGs e por pessoas que vivem com HIV/Aids. E acho que no meio de uma sequência de notícias ruins, as boas devem ser realmente comemoradas.

Como médico infectologista e pesquisador do tema HIV, confesso que o trecho da Nota Técnica que mais me alegrou foi o primeiro parágrafo, que transcrevo abaixo:

Considerando que a pandemia de COVID-19 apresenta caráter dinâmico, assim como a produção científica sobre o tema, com novas evidências sendo divulgadas semanalmente, esta nota técnica tem como objetivo atualizar as orientações sobre a vacinação contra a COVID-19 de pessoas vivendo com HIV.

Em 2020, quando a pandemia era uma novidade, era frequente não sabermos todas as respostas para as dúvidas sobre o Sars-CoV-2. Depois de mais de um ano, podemos dizer que aprendemos bastante sobre ele e a doença que pode causar.

No entanto, as pesquisas científicas podem, num primeiro momento, encontrar resultados discrepantes ou até mesmo paradoxais, mas quando uma maior quantidade de evidências científicas é acumulada é possível determinar para qual direção existe maior chance de estar a resposta verdadeira para uma determinada questão de saúde.

Foi assim com a coinfecção HIV e coronavírus. Desde o início da pandemia já foram publicados diversos estudos que procuraram avaliar de que forma o diagnóstico prévio de uma infecção por HIV poderia influenciar no risco de infecção e na evolução da covid-19.

Alguns trabalhos relataram que pessoas com o HIV sob tratamento adequado teriam menor risco de adoecer com formas graves de covid-19, outros encontraram riscos semelhantes aos da população geral e outros, ainda, uma mortalidade aumentada.

Em uma grande metanálise publicada há duas semanas na seção Scientific Reports da renomada revista Nature, as dúvidas sobre HIV e coronavírus começaram a ser mais bem compreendidas. Ela agregou em sua análise os dados de 22 estudos diferentes que compararam os casos de covid-19 entre pessoas com e sem HIV, somando um total de quase 21 milhões de pacientes acompanhados na América do Norte, África, Europa e Ásia.

Os resultados encontrados pela metanálise mostraram que as pessoas que vivem com HIV são 24% mais susceptíveis à infecção pelo Sars-CoV-2 e têm uma mortalidade em decorrência da covid-19 78% maior, quando comparadas com pessoas do mesmo sexo e idade sem HIV. Não foi possível concluir com os dados se o uso do antirretroviral para o tratamento do HIV teve alguma influência no curso da infecção pelo coronavírus.

Os autores do estudo, no entanto, ponderam que houve grande variabilidade entre os trabalhos incluídos na metanálise, o que pode enviesar as suas conclusões. E alertam ainda que, por falta de detalhes de todos os pacientes incluídos, como o valor de CD4, da carga viral, o esquema antirretroviral utilizado e informações sobre suas comorbidades, não é possível excluir completamente os fatores de confusão.

Estudos anteriores já tinham demonstrado que condições como diabetes, hipertensão arterial e tabagismo são mais prevalentes entre pessoas que vivem com HIV. Dessa maneira, elas que poderiam ser as causas dos riscos aumentados encontrados pela metanálise.

De qualquer maneira, algo que já é consenso na literatura é o benefício trazido pela vacinação contra a covid-19. Por isso, vamos comemorar a priorização de todas as pessoas que vivem com HIV e a lucidez do Ministério da Saúde de se embasar no conhecimento científico mais atualizado para determinar as suas ações na saúde pública brasileira.

Vamos torcer agora para que esse padrão se mantenha em todos os demais assuntos relacionados com o HIV/Aids e ISTs (infecções sexualmente transmissíveis).

A vacinação das pessoas que vivem com HIV de 18 a 59 anos se iniciará logo após o término da etapa das pessoas com 60 anos ou mais, e a comprovação da indicação de prioridade poderá ser feita por meio de um relatório médico, exame laboratorial, receita de antirretrovirais ou de cadastro no sistema de controle logístico de medicamentos (SICLOM).

Fique em casa e atento à ordem de vacinação, pois a sua vez pode estar chegando.