Animais de estimação podem ser como a família humana? Ciência diz que sim

Apesar de ter tido outros cachorros, a relação da terapeuta holística Lucimara Ramos, 57, com animais de estimação alcançou um novo patamar com a chegada de Dulce. A cachorrinha, que era conhecida por todos como Dulce Maria Ramos, foi a última de sua ninhada a ser adotada porque era "desprovida de beleza", como costuma dizer a terapeuta.

Por 11 anos, Dulce ofereceu muito sem exigir quase nada, e mesmo quando perdeu um quintal grande com jardim, ela se mostrou resignada. "Foi uma mudança brusca e eu sofri muito, mas vendo que ela tinha se adaptado, eu também resolvi seguir em frente", diz a terapeuta. Porém, a cachorra ficou doente e os veterinários estimaram sua expectativa de vida em apenas oito meses.

"Foi um desafio, mas não desisti e aprendi a administrar a insulina", conta Lucimara, que às vezes precisava deixar lugares mais cedo para realizar a aplicação da injeção em Dulce. A cachorra também recebia tratamentos alternativos como homeopatia e sessões de reiki.

Apesar de às vezes receber comentários desagradáveis sobre os gastos e o cuidado dedicado ao bicho, Lucimara nunca se importou. "As pessoas estão acostumadas a agradar o animal quando ele é bonitinho e saudável, mas eu fazia de tudo para não vê-la sofrer", explica.

Dulce trouxe alegrias por mais quatro anos após o diagnóstico. "Me despedi dela com o coração tranquilo por ter retribuído tudo o que ela foi para mim", conta a dona.

A cachorrinha de Lucimara tinha até nome completo: Dulce Maria Ramos
A cachorrinha de Lucimara tinha até nome completo: Dulce Maria Ramos Imagem: Arquivo pessoal

Assim como a terapeuta, há um número crescente de pessoas que dedicam cuidado e afeto aos seus animais de estimação como fariam por um membro da família. De acordo com o sociólogo Wlaumir Souza, isso se deve ao fato de que os animais preenchem as lacunas afetivas das pessoas.

"Tudo que eu aspiro de amor, eu vejo no olhar do animal. Por vezes, ele pode até mesmo assumir a posição de um terapeuta, que ouve e que, aparentemente, nos compreende", reflete Souza, que é doutor em sociologia pela Unesp (Universidade Estadual Paulista).

Do ponto da ciência, a conexão emocional entre tutores e seus animais de estimação pode sim ser tão profunda quanto a de sangue. Uma pesquisa revelou, inclusive, que áreas cerebrais responsáveis por emoção e afiliação foram ativadas de maneira similar. Isso ocorreu tanto em mães que interagiam com seus filhos quanto em mulheres que interagiam com seus cachorros.

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"O animal de estimação inspira cuidados, te faz modificar a casa e os planos, te faz sair e também te faz ficar em casa. Então, o amor que o animal gera em nós pode ser o mesmo daquele que sentimos por um filho e isso só tem a enriquecer qualquer que seja o contexto", explica Ivana dos Santos Teixeira, que é doutora em antropologia social pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Segundo os especialistas consultados por VivaBem, a centralidade dos animais em nossas vidas também é atribuída ao contexto contemporâneo, marcado por famílias cada vez menores e um envelhecimento populacional, fatores que contribuem para posicionar o Brasil como o terceiro país do mundo em termos de número de animais de estimação, conforme dados da Abinpet (Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação).

Mas para compor essa família multiespécie, os animais —tal como filhos— recebem ensinamentos sobre como devem se comportar. Há uma gama cada vez maior de serviços que oferecem tratamentos e atividades para os pets: escolinhas, adestradores, dogwalkers, entre outros, que moldam aspectos que não são bem recebidos pelo núcleo familiar, como excesso de latidos, agressividade, hiperatividade, excreção em lugares inapropriados etc.

Assim, não só a família se adapta ao novo membro, como também os animais são moldados e passam a se familiarizar com as rotinas, hábitos e até mesmo expressões faciais de seus donos, ajustando-se às deles em resposta. Não à toa, o animal resmunga quando o dono está prestes a sair de casa ou fica à espreita na porta o aguardando voltar do trabalho.

Benefícios de ter um pet

Do aumento da atividade física à redução do estresse e da solidão, os benefícios de ter um animal de estimação são vastos e respaldados por evidências científicas.

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Fiel, o cachorrinho da arquiteta e paisagista Marina Pini, 38, é a prova disso. Graças ao bicho, ela se recuperou emocionalmente depois de um divórcio.

"Ele me ajudou a não entrar numa depressão, pois me motivava a sair, já que precisava levá-lo para passear três vezes ao dia. Com isso, eu caminhava, via pessoas e conhecia diversas praças da cidade. Ele me ajudou e eu o levava para todo lugar que ia", conta Marina.

Por outro lado, a psicóloga Suzy Rocha ressalta que os tutores precisam se preparar emocionalmente, já que o tempo de convivência com o animal de estimação costuma ser relativamente curto, devido a menor expectativa de vida.

"É preciso saber ressignificar o sofrimento, que muitas vezes se assemelha à perda de um ente querido", analisa Rocha, que é mestre em ciências da saúde pela UnB (Universidade de Brasília).

Quando o gato Gaudí morreu, em dezembro de 2020, seis meses depois de ter sido diagnosticado com uma doença renal, a analista de comunicação Ana Paula Menicucci, 35, conta que sofreu um baque. "Ainda choro nas datas do aniversário de morte dele", comenta.

De acordo com ela, há ainda quem acredite que o animal possa ser facilmente substituído, sugerindo que basta adotar outro para resolver o problema. "Cada ser é único, e mesmo que eu adote dez gatos, isso não preencherá o vazio deixado pelo amor e pela saudade do Gaudí", afirma.

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Ana Paula Menicucci sente falta de seu gatinho, o Gaudí, até hoje
Ana Paula Menicucci sente falta de seu gatinho, o Gaudí, até hoje Imagem: Arquivo pessoal

Como os animais de estimação ajudam sua saúde:

Redução do estresse: estudos têm demonstrado que interagir com animais, seja brincando ou acariciando, pode reduzir o estresse ao liberar serotonina, dopamina e ocitocina, hormônios associados ao bem-estar. Isso se manifesta na redução da pressão arterial, diminuição da frequência cardíaca, regularização da respiração e relaxamento da tensão muscular.

Ansiedade e depressão: o vínculo emocional com o animal de estimação ameniza o sofrimento, o sentimento de desconexão social, além de oferecer um senso de pertencimento. Quando os donos veem, tocam, ouvem ou conversam com seus animais de companhia, isso traz uma sensação de felicidade. Além disso, ao cuidar do pet, há uma conexão com o tempo presente e nos distraímos de preocupações. "Essa atenção plena que o pet exige ajuda muito quem tem ansiedade a se desvincular de pensamentos ruins", esclarece a psicóloga Tânia Aosani, mestra em ciências da saúde pela Unochapecó (Universidade Comunitária da Região de Chapecó).

Ajuda você a ser mais ativo: a responsabilidade de levar o cãozinho para gastar energia acaba nos envolvendo em rotinas de caminhada, corrida ou brincadeiras ao ar livre que beneficiam não apenas nossos amigos caninos, mas também nossa própria saúde.

Habilidades emocionais e sociais: cuidar de um animal de estimação ensina responsabilidade, empatia e compaixão, especialmente para crianças, que podem desenvolver habilidades de comunicação e interação social através da interação com seus animais de estimação.

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