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Como o mel pode ajudar a salvar vida de uma criança que engoliu bateria

Mel não impede o desenvolvimento de lesões causadas por bateria, mas pode retardá-las - iStock
Mel não impede o desenvolvimento de lesões causadas por bateria, mas pode retardá-las Imagem: iStock

Do VivaBem, em São Paulo

03/03/2023 04h00

"Meu filho engoliu uma bateria redonda. O que eu faço?" é uma das perguntas que a toxicologista Eliane Gil e seus colegas médicos e farmacêuticos do Ceatox (Centro de Assistência Toxicológica) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP mais recebem pelo telefone de emergência.

Quase sempre os adultos demonstram pela voz tensão e nervosismo. Mas é preciso manter a calma, dizem os especialistas do outro lado da linha, acostumados a orientarem a população em casos de intoxicação. "E procurar um serviço médico imediatamente para que a peça seja removida do organismo da criança".

Outra recomendação que também pode surgir na conversa, porém, é menos óbvia e começa com uma pergunta: "Você tem mel em casa?".

Se a resposta for sim e a criança que engoliu o dispositivo tiver 1 ano de idade ou mais, é possível que os pais sejam orientados a dar pequenas quantidades do doce alimento das abelhas enquanto levam o filho para o hospital. Isso porque:

  • Considerada tóxica para o ser humano, a bateria de lítio, também conhecida como "bateria redonda" ou "pilha-botão", pode causar queimaduras graves no esôfago em menos de duas horas após a ingestão, além de asfixia e complicações graves, com risco de morte;
  • O mel não impede o desenvolvimento dessas lesões, mas pode retardar o seu avanço e, consequentemente, diminuir o risco de morte até que a criança chegue ao serviço médico.

Quando há disponibilidade do mel, para as crianças maiores de 1 ano, podemos sugerir o uso como medida paliativa no trajeto até o hospital. Mas isso não deve ser motivo para retardar o atendimento médico, com os pais saindo de casa para comprar mel, por exemplo, pois o mais importante é que a bateria seja removida pela endoscopia. Eliane Gil, toxicologista.

Por que o mel?

As orientações adotadas pelo centro são baseadas nas diretrizes e literatura internacional.

O papel protetor do mel nesses casos foi indicado por um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade da Filadélfia, e que se tornou referência para que centros de intoxicação mundo afora recomendassem o uso do doce nessas situações, incluindo o National Capital Poison Center, nos EUA. A pesquisa foi publicada em 2018 no periódico Laryngoscope.

Entenda o estudo:

  • O intervalo entre a ingestão e a remoção da bateria do organismo é um momento crítico para agir.
  • Por isso, os cientistas testaram o efeito protetor de uma variedade de líquidos comuns encontrados em casa, incluindo suco de laranja, isotônicos e mel.
  • Ao final dos experimentos, que foram feitos no esôfago de suínos, o mel demonstrou em grau significativo um dos efeitos mais protetores e, diz o estudo: "tem o potencial de reduzir a gravidade da lesão e melhorar os resultados do paciente".

Por quê? Carlos Augusto Mello da Silva, presidente do Departamento Científico de Toxicologia e Saúde Ambiental da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), que tem mais de 40 anos de experiência na área e não participou do estudo, explica que as baterias de lítio contém hidróxidos, substâncias químicas que são alcalinas, ou seja, têm um pH muito alto —como a soda cáustica.

"O que acontece é que o mel é espesso o suficiente para revestir a bateria e retardar a geração de hidróxido onde a bateria se alojou no corpo, atrasando o aparecimento das queimaduras", diz Silva.

O mel serve como se fosse um invólucro líquido, pela sua espessura, mas não é uma coisa assim 'vamos ficar em casa dando melzinho para a criança'. O mel retarda a geração de hidróxido temporariamente, mas não substitui a remoção imediata de uma bateria alojada no esôfago.

bateria - iStock - iStock
Bateria de lítio é tóxica para o ser humano
Imagem: iStock

Quantos ml e em quais casos pode dar mel para a criança que engoliu bateria?

A dose preconizada para o uso do mel como medida preventiva de lesões esofágicas é de 10 ml (cerca de 2 colheres de chá) de mel, por via oral, a cada 10 minutos, até completar 6 doses, entre o tempo decorrido da ingestão até chegar ao hospital.

As diretrizes do National Capital Poison Center, dos EUA, recomendam a administração imediata de mel para a criança, a caminho do pronto-socorro, se:

  • Uma bateria de lítio pode ter sido ingerida;
  • A criança tem 12 meses de idade ou mais (porque o mel não é seguro em crianças menores de um ano, devido ao pequeno risco de botulismo);
  • A bateria foi engolida nas 12 horas anteriores (porque o risco de perfuração esofágica já presente aumenta após esse período);
  • A criança consegue engolir; e
  • O mel está imediatamente disponível.

O que não fazer nesses casos:

  • Não é recomendável tirar o objeto com as próprias mãos. O risco dessa atitude é acabar empurrando o item ainda mais para dentro da via aérea e piorar a situação. A bateria deverá ser retirada por um gastropediatra por meio de endoscopia.
  • Não se deve esperar que apareçam sintomas (como vômitos, tosse e engasgo ao beber ou comer) para procurar atendimento médico, pois, segundo Eliane Gil, é comum que os pacientes pediátricos permaneçam assintomáticos nos momentos iniciais.

Veja orientações para evitar esse tipo de acidente

  • Respeitar o selo do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) e a faixa etária de cada brinquedo;
  • Não dar brinquedos com pilhas para crianças menores de cinco anos, para evitar que coloquem o item na boca;
  • Manter em locais trancados ou de difícil acesso às crianças objetos como controles remotos, relógios e brinquedos movidos a pilhas e baterias;
  • No caso de objetos como controle remoto, verificar se o compartimento da bateria está bem parafusado e, mesmo se estiver, colocar uma fita adesiva para lacrá-lo e diminuir o risco de a bateria sair caso o dispositivo caia no chão;
  • Descartar adequadamente as baterias --não deixá-las jogadas em cima da escrivaninha, por exemplo-- para que elas não fiquem ao alcance das crianças.

Centros de assistência toxicológica

Os Ciats (Centros de Informação e Assistência Toxicológica) são unidades que orientam a população e os profissionais de saúde sobre os procedimentos a serem seguidos nos casos de intoxicação. Existem Ciats em todas as regiões brasileiras.

Os Ciats que integram a Renaciat (Rede Nacional de Centros de Informação Toxicológica) atendem pelo número: 0800 722 6001. Alguns Ciats utilizam um número 0800 próprio. O Ceatox do HC-FMUSP atende pelo número 0800 0148110. A relação completa de centros pode ser consultada neste link.