Ela descobriu doença no olho após pergunta do irmão: 'Está usando lente?'
Até os 18 anos, Marcella Bié nunca tinha tido qualquer problema na vista. Mas isso mudou durante um bate-papo com o irmão Marcio. Enquanto conversavam, ele percebeu que o olho esquerdo dela estava estranho: parecia que tinha uma lente de contato.
"Estávamos na varanda, com o sol batendo forte. Meu irmão chegou perto e disse que parecia ter algo na frente dos meus olhos, como se estivesse mais estufado", lembra a jovem, que é formada em gastronomia.
Depois, ela tampou a vista do olho direito e percebeu que não enxergava do outro lado. "Estava tudo embaçado, não consegui ver as figuras. Foi um susto enorme", diz.
Marcella, que hoje tem 33 anos, marcou oftalmologista, realizou diversos exames e recebeu o diagnóstico de ceratocone, uma doença definida pelo afinamento e aumento progressivo da curvatura da córnea (a parte transparente que fica da frente do olho).
O que causa a doença?
Marcella não tinha nenhum histórico na família, mas, em alguns casos, isso pode ser um fator de risco para o desenvolvimento da doença.
De uma forma geral, ainda não se sabe a causa exata do ceratocone. Os médicos explicam que é uma união de diversos fatores:
- Genética;
- Histórico familiar;
- Ser alérgico e coçar muito os olhos (só quando há predisposição genética);
- Dormir "em cima" dos olhos;
- Traumas na região.
"O ato de coçar os olhos é um fator que precipita o desenvolvimento ou a piora em quem já tem predisposição genética para a doença", explica o oftalmologista Tiago Bisol, chefe do Centro Avançado de Oftalmologia do Hospital São Vicente de Paulo, no Rio de Janeiro.
"Em alguns casos, ninguém na família tem e esse paciente é 'sorteado'. Essa herança é ainda muito mal esclarecida", diz o também chefe de transplante de córnea do hospital.
Principais sintomas do ceratocone
Na fase inicial, o ceratocone pode não gerar qualquer sinal. Mas os principais são:
- Dificuldade para enxergar de longe e no escuro;
- Visão distorcida;
- Piora na qualidade da visão no geral;
- Coceira e irritação nos olhos;
- Sensibilidade à luz.
A doença parece com a miopia, pois ambas causam dificuldade para enxergar de longe. Mas quando você coloca um óculos de grau, o míope volta a enxergar 100%. Com o ceratocone, é difícil. Há uma distorção da córnea que não é possível arrumar. Tiago Bisol, oftalmologista
Em casos mais leves, uma pessoa com ceratocone até consegue ter melhoras na visão com os óculos, mas apenas em casos iniciais, sem tanta progressão da doença.
Em situações como essa, é necessário tratar a coceira nos olhos (se for o caso) e controlar a progressão —uma vez que não há cura, mas, sim, controle.
Quando o paciente tem a doença na família, o acompanhamento com um oftalmologista deve ser mais frequente, com a realização regular de tomografia e topografia de córnea, segundo Bissol.
Tratamento
- Varia de acordo com o estágio da doença e deve abordar dois aspectos: evitar o avanço e reabilitar a visão.
- Em casos leves, o uso de óculos pode ser suficiente para fornecer boa acuidade visual ao paciente.
- Em caso de avanço, pode haver indicação de aplicação de laser (crosslinking do colágeno corneano), que aumenta a rigidez da córnea e reduz o risco de desenvolvimento do problema.
- Caso a doença progrida e os óculos não sejam suficientes para oferecer uma boa visão ao paciente, o uso de lentes de contato especiais é indicado.
Há ainda os procedimentos cirúrgicos:
- Implante de anéis corneanos intraestromais (anel de Ferrara): indicados para pacientes com casos moderados que não se adaptam ao uso de lentes de contato.
- Transplante de córnea: para casos mais avançados em que o implante de anéis não é possível, seja pelo excesso de curvatura da córnea ou pela perda de transparência da mesma.
'Precisei de transplante'
Com Marcella, os tratamentos —lentes, óculos e anel de Ferrara— não foram suficientes, já que o caso dela era considerado mais avançado. Por isso a jovem entrou na fila do transplante de córnea.
De acordo com dados do CBO (Conselho Brasileiro de Oftalmologia), 20% dos transplantes de córnea realizados no país são decorrentes do ceratocone.
Marcella passou pelo procedimento 1 mês depois, já em 2009. "Era o dia do meu aniversário de 19 anos. Estava acordada durante a cirurgia, então vi tudo. Dá um nervoso", lembra. De 15 em 15 dias, ia ao oftalmologista para o acompanhamento.
Ela teve uma boa recuperação, com um leve incômodo, mas ainda continuava com dificuldade para enxergar de longe (miopia). "O médico explicou que isso poderia acontecer", conta. Por isso, tentou usar a lente de contato mais rígida, que não se adaptou.
Quando tentou o óculos, deu certo. Mas hoje em dia, Marcella não precisa de mais nada para enxergar bem. O único problema é que o olho direito já começou a dar sinais da doença.
"Não está igual ao olho esquerdo. Vamos fazer mais exames para ter certeza e pensar em como evitar a progressão do ceratocone", explica.
De acordo com o oftalmologista, é frequente que os pacientes tenham ceratocone nos dois olhos —com um sempre mais afetado do que o outro. "Raramente os dois olhos sofrem o mesmo impacto. Um deles sempre parece 'normal', mas quando acompanhamos os pacientes, eles acabam desenvolvendo a doença", explica Bisol.
Como funciona o transplante de córnea?
- A técnica mais tradicional remove uma área central da córnea.
- Depois, os médicos substituem a córnea com ceratocone por um enxerto transparente.
- Para a fixação do enxerto são necessários pontos na região, que serão retirados durante o acompanhamento médico.
- Existem outras técnicas mais modernas para realizar o procedimento atualmente.
Cuidando das alergias: coçar os olhos, nem pensar
A jovem de Araruama (RJ) tinha mania de coçar o olho com frequência. "Sou totalmente alérgica. Tenho rinite e, por um período, tratei a asma. Além disso, sou intolerante à lactose. Por isso, desenvolvi o ceratocone de tanto que coçava meu olho", disse.
Mesmo sabendo que não pode, Marcella ainda coça os olhos, mas com muito mais controle. "Não adianta fazer transplante de córnea e continuar com todas as alergias, principalmente a ocular. Agora vou me tratar".
Por isso, o foco de Marcella, agora, é cuidar das alergias. "Nunca tinha procurado um especialista . Talvez se tivesse cuidado anos atrás, não estaria com ceratocone", fala.