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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Por que algumas pessoas são possessivas a ponto de impedir outras de sair?

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

24/06/2022 04h00

Ciúme, uma reação emocional complexa que acompanha dentre muitos seres vivos, os humanos. Ao longo da história de nossa espécie, o que não faltam são relatos de ataques ciumentos, possessivos, entre pais e filhos, irmãos, casais, muitos terminando em atos hediondos. Medeia, personagem da mitologia grega, por ciúme e vingança do marido, foi capaz de assassinar seus próprios filhos com ele.

Em comum, ciumentos compartilham um conjunto de emoções, pensamentos e reações comportamentais a uma ameaça real —ou não— a sua relação com alguém por quem se tem carinho, amor, desejo. Agem quase sempre por medo de perder o que recebem do outro. "Por mais que o amor seja demonstrado, tendem a não acreditar, pois não possuem amor-próprio", informa Lucy Carvalhar, psicóloga pela FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas).

Esse sentimento nocivo pode evoluir de frustração e impotência para possessividade, ou paranoia, em relação ao outro. O ciumento se autoconvence, sem necessariamente ter provas ou indícios convincentes, de que está sendo enganado, vítima de infidelidade —no sentido mais amplo da palavra, não necessariamente envolvendo sexo—, e passa a caçar evidências de uma traição. Se não freado, pode fazer com que a outra pessoa renuncie a sua própria liberdade.

São causas variadas, inclusive entre gêneros

Ninguém se torna ciumento de uma hora para outra. Quase sempre a construção desse perfil ocorre na infância, por múltiplos motivos. "Algumas crenças disfuncionais adquiridas em casa, com os próprios pais, por aprendizado com o relacionamento deles, ou pela experiência de vivenciar traições, são fatores que podem contribuir", aponta Leide Batista, psicóloga pela Faculdade Castro Alves e com experiência pelo HC (Hospital da Cidade), em Salvador (BA).

Os gatilhos possessivos também podem advir, por exemplo, de solidão e abandono quando se é criança, falta de encorajamento, sentimento de perda, com a chegada de um irmão mais novo, discriminação sofrida em escola ou grupo de amigos. Tudo isso pode se somar, no futuro, a relações malsucedidas ou abusivas, divórcios, falta de experimentações, sem deixar de considerar ainda a parte biológica, que pode influenciar um temperamento mais agressivo.

Liliana Seger, doutora em psicologia pelo IP-USP (Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo), acrescenta que também há diferenças por trás do ciúme entre homens e mulheres. "Nelas, o medo geralmente é de que o parceiro se envolva emocionalmente com alguém. Já neles, tem a ver com questões sexuais, de a parceira ter transado com outro, ou um histórico sexual vasto, mesmo que tenha sido em outros momentos, e desejo de querer coisas novas".

Ciúme se divide em dois, bem diferentes

Muita coisa contribui para a instalação do ciúme, mas, segundo os especialistas, não dá para negar que ele também faça parta de nossa essência, como da de outros animais, a exemplo de cães e gatos. O ciúme natural, constituinte, por assim dizer, tem por características, primeiro, uma insegurança de se perder o "posto" de queridinho, predileto, paixão maior de alguém. O nível disso que se sente costuma ser baixo e para o outro pode ser até prazeroso de saber.

É completamente o oposto do ciúme patológico, garante Henrique Bottura, psiquiatra diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista. "Pessoas com um grau muito mais intenso de ciúme sofrem e fazem os outros sofrerem. Ao notarem, por exemplo, que o parceiro tem dado sinais suspeitos, em vez de terem uma conversa clara ou se retirarem em busca de autopreservação, não, agem de modo invasivo, cerceador, violento, desgastando ainda mais o relacionamento".

Pânico, vergonha, raiva, desespero em perder o outro direcionam todas as suas ações, numa tentativa irrefletida de se evitar que isso aconteça. O sentimento de posse latente então gera, segundo Batista, a necessidade de controle absoluto: "De sempre querer a localização exata, saber as companhias, afazeres, e mesmo sendo correspondido, desconfiar, ir atrás para realmente se certificar, mantendo um constante e insuportável clima tenso entre as partes".

Tratamento existe e busca evitar o pior

Controlar o ciúme e todas as suas manifestações doentias é possível, com empenho pessoal e terapia psicoemocional. No que compete aos parceiros, devem ficar atentos à recorrência e intensidade dos sinais preocupantes já citados e não os incentivar por achar que equivalem a demonstrações de carinho genuíno. Querer que o outro lhe coloque num pedestal só serve para fortalecer um ego narcisista e dificultar a percepção e resolução da relação possessiva.

"É alimentar a ideia de que um não faz nada sem a presença do outro, de que é necessária uma atenção constante, de que com manipulação, ameaças e chantagens emocionais se consegue tudo o que quer", complementa a psicóloga Lucy Carvalhar. O tempo para si mesmo é substituído por se viver unicamente em função do outro e, assim, o ciúme também pode se multiplicar, tornar-se bilateral, e esse espiral sair do controle, se alguém decidir "rompê-lo".

Em caso de evolução para transtornos, pode ser necessária a administração medicamentosa. Mas nem sempre dá para recuperar a vida que se tinha antes. Havendo violências, o ciúme se enraíza, como um traço da personalidade. Portanto, se você crê que tudo se justifica em nome do amor, está na hora de rever seus conceitos. Estando do outro lado, cuidado desde já com quem pede acesso a todas as suas senhas, conversas e chaves pessoais.