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Sonhou com seu alarme? Veja como fatores externos invadem sonhos

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Imagem: iStock

Flávia Santucci

Colaboração para o VivaBem

05/05/2022 04h00

O sonho ocupa praticamente 20% de uma noite de sono. Mesmo que você não se lembre, com certeza sonhou alguma vez durante a noite. A imaginação do inconsciente vai longe, mas também pode trazer fatores externos para dentro do sonho, e isso tem uma explicação: o cérebro, mesmo durante o sono mais profundo, não está completamente alheio ao meio que vivemos.

Por isso mesmo, um alarme que toca, alguém chamando pelo seu nome ou a picada de um inseto na madrugada podem facilmente ser incorporados no seu sonho e passar a fazer parte desse enredo sem que, necessariamente, você acorde para desligar o som ou coçar o corpo, por exemplo.

De acordo com o neurologista Alexandre Bossoni, do Hospital Santa Paula, o cérebro é capaz de perceber estímulos externos e identificar cada tipo. Além disso, preocupações do dia a dia e coisas vividas em um dia também podem invadir nossos sonhos. "Isso acontece pois é durante o sono que o cérebro reorganiza as informações que foram vividas durante o dia, reorganiza as memórias, como se ele passasse tudo a limpo para, então, guardar tudo, de forma mais organizada e arquivada. Geralmente isso acontece durante o sono REM", diz.

Estar dormindo, ainda de acordo com Bossoni, não significa que o cérebro esteja funcionando menos que no modo vigília (quando estamos acordados). Ele apenas está funcionando de forma diferente e executando funções que não executa quando estamos despertos. "Quando estamos dormindo, ocorre redução da atividade motora, de temperatura corporal, de batimento cardíacos, pressão arterial, secreção de cortisol e neurotransmissores estimulantes, como adrenalina e noradrenalina, e aumento da produção de hormônios", exemplifica.

Em qual estágio do sono a interferência acontece?

Quando dormimos, passamos por quatro estágios principais do sono. O primeiro deles é a fase de adormecimento —passagem da vigília para o sono—, que dura poucos minutos. O segundo é o sono leve e o terceiro, o sono profundo. Nesta fase, estímulos externos dificilmente acordarão quem está dormindo. "Existe grande relaxamento muscular. Ondas cerebrais ficam muito lentas, ocorre grande redução do batimento cardíaco e da respiração", explica Bossoni.

O quarto estágio é o sono REM (do inglês rapid eye movement, que significa movimento rápido dos olhos). É a fase na qual os sonhos são mais vívidos e onde, de fato, a interferência de barulhos acontece.

"O sono REM é o principal momento do sono em que se está sonhando. Não que a gente não tenha sonho em outros momentos do sono, mas é principalmente nessa fase", diz o neurologista Luciano Pinto, pesquisador do Instituto do Sono.

Segundo ele, é nesta fase que estímulos externos podem acabar invadindo o sonho e passam a fazer parte da história que está sendo contada ali. O alarme do seu celular pode tocar e entrar no seu sonho, assim como a sirene de uma ambulância. "A gente sonha mais, geralmente, no final da noite. E é principalmente no sono REM que acaba tendo aquele sonho mais elaborado, que você só vai conseguir contar se for acordado naquele momento", diz o neurologista.

Tentativa de manter o sono por mais tempo

Se o barulho externo invade o sonho e você não acorda, isso nada mais é do que uma maneira encontrada pelo seu corpo para tentar continuar sonhando.

A psiquiatra Miriam Gorender, diretora-secretária adjunta da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), revela que nesses casos, incorporar os sons no sonho pode funcionar por um tempo, mas a pessoa acaba acordando quando o estímulo é muito forte ou persistente. "Principalmente se esses fatores externos são de natureza a perturbar o sono. E aí vão se incluir estímulos externos, sons e sensações térmicas, mas também sensações do próprio corpo, por exemplo, a necessidade de urinar", diz.

Em geral, segundo Gorender, estímulos internos e externos têm a capacidade de interromper o sono. "Então a pessoa pode acordar por conta de um barulho muito forte ou porque está com a bexiga muito cheia e o sonho funciona como uma espécie de tentativa de manter esse sono mais um tempo."

Para Katie Moraes de Almondes, psicóloga do HUOL/UFRN (Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte), que integra a Rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), é importante monitorar as alterações dos sonhos, considerando também as implicações para o tratamento clínico e prevenção de transtornos mentais e do sono.

"O sonho pode influenciar o curso da realidade e vice-versa. Ele reflete o que está acontecendo na vida do sonhador. O modo de viver pauta o sonho", diz. Almondes ainda explica que, muitas vezes, o conteúdo dos sonhos é uma mistura de aspectos dos restos diurnos e fatores que foram importantes emocionalmente.

"Com tantos elementos que invadem nossas vidas na vigília, esses fatores iriam compor o conteúdo dos sonhos. Além disso, como os sonhos, em sua grande maioria, são produzidos durante a fase do sono REM da arquitetura do sono, e nessa mesma fase acontece a consolidação das memórias, o conteúdo dos sonhos é reflexo destes processos também", diz a psicóloga.