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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Ou o casal, ou nada feito: por que ISTs exigem tratamento conjunto

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Camila Mazzotto

Colaboração para VivaBem

25/04/2022 04h00

Um erro comum de pessoas com ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) é ter vergonha de contar ao parceiro. Embora essas e outras infecções genitais sejam frequentemente associadas à infidelidade —caso de uma jovem que recentemente viralizou no TikTok ao compartilhar como descobriu que uma candidíase recorrente estava ligada às traições de seu ex-namorado—, isso não é uma regra.

É possível que algumas bactérias ou vírus transmitidos pelo sexo sejam resquícios de relacionamentos anteriores, já que microrganismos podem ficar incubados no organismo por meses até se manifestarem. Seja qual for o caso, o diagnóstico de uma IST não deve ficar guardado a sete chaves: é necessário não apenas buscar assistência médica, mas também comunicar aos(s) parceiros(s) para que sejam testados.

A comunicação com o outro lado é importante para interromper a cadeia de transmissão. "Se uma pessoa recebe o diagnóstico de uma IST e faz o tratamento, mas tem aquela parceria regular e o parceiro não busca assistência, a chance dela se infectar de novo é muito alta. Em outras palavras, vira um ciclo sem fim", resume Brenda Hoagland, infectologista do Laboratório de Pesquisa Clínica em DST e Aids do INI/Fiocruz (Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz).

Atualmente, não se usa mais a sigla 'DST', D vem de doença, que implica em sintomas e sinais visíveis no organismo do indivíduo. Já infecções podem ter períodos assintomáticas (sífilis, herpes genital) ou se mantêm assintomáticas durante toda a vida do indivíduo (casos da infecção pelo HPV e vírus do herpes. O termo IST é mais adequado e usado pela OMS e pelos principais órgãos que lidam com o tema.

Se o parceiro que não buscou tratamento contrariar a recomendação de utilizar camisinha —método mais eficaz para evitar ISTs —e fizer sexo inseguro com mais pessoas, a infecção também continuará se perpetuando. Independentemente de se tratar de um relacionamento casual ou sério, especialistas ouvidos por VivaBem afirmam que discutir abertamente a saúde sexual é decisivo para reduzir os riscos de contágio.

Vírus HIV, Aids - iStock - iStock
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Para Hoagland, esse é um assunto que, na verdade, deveria ser discutido pelo casal antes mesmo de iniciar o sexo. "Mas ainda não conseguimos instituir essa cultura no Brasil", avalia a coordenadora no país do ImPrERP, estudo mundial que avalia a eficácia de uma vacina anti-HIV.

"Ainda há um tabu no início dos relacionamentos ou mesmo numa situação de sexo casual de discutir o que chamamos de status sorológico da pessoa, ou seja, perguntar se ela está com os testes em dia e se por acaso trata alguma IST. A gente deveria mudar essa nossa cultura, de forma que pudéssemos falar sobre ISTs antes mesmo da exposição. E que também houvesse a liberdade de comunicar aos parceiros [se for diagnosticada alguma IST] após a exposição", diz a médica.

Qualquer pessoa pode fazer a testagem para descobrir se tem algumas ISTs e, se tiver uma vida sexual ativa, deve realizá-la ao menos anualmente, recomenda Hoagland. Os testes, cujos resultados saem no mesmo dia, são feitos de forma gratuita pelo SUS (Sistema Único de Saúde), em unidades básicas de saúde e CTAs (Centros de Testagem e Aconselhamento). É possível diagnosticar HIV (vírus da imunodeficiência humana), sífilis e hepatites B e C.

Tratamento de IST não deve ser 'solitário'

Embora seja recomendada pelos profissionais de saúde, a orientação de comunicar às parcerias o diagnóstico de uma infecção sexualmente transmissível nem sempre é seguida à risca. Mauro Romero Leal, coordenador do setor de ISTs da UFF (Universidade Federal Fluminense) e fundador da SBDST (Sociedade Brasileira de Doenças Sexualmente Transmissíveis), diz que isso depende muito do status da relação e pode variar entre homens e mulheres.

"Quando um paciente homem tem HPV e a gente pede para examinar a parceria, é mais difícil quando ele tem múltiplos parceiros. Mas, mesmo quando ele tem uma parceria única, acredite: muitas vezes, ele demora para trazer a pessoa e não raramente esconde dela que tem uma IST, ele tenta enrolar, evitando o sexo até a verruga desaparecer", exemplifica o médico, em referência às verrugas causadas pelo papilomavírus humano, que podem aparecer no pênis, vulva, vagina, ânus, colo do útero, boca ou garganta.

Muitos estudos mostram que os homens, no geral, são mais resistentes a tratamentos médicos, principalmente quando se trata de uma doença ligada à sexualidade. Isso pode ser um problema não somente para a saúde masculina, mas para a de suas parcerias sexuais, especialmente no caso de mulheres grávidas —que podem acabar transmitindo a infecção ao feto.

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Imagem: Getty Images

A sífilis é um exemplo. Infecção sexualmente transmissível que mais cresceu na última década no Brasil, a condição é causada pela bactéria Treponema pallidum que, além de provocar sintomas que vão desde feridas genitais à febre nos adultos, pode atravessar a placenta e desencadear efeitos ainda piores nos bebês, incluindo microcefalia, malformações e até aborto ou morte ao nascer.

O tratamento para a doença, baseado em injeções de penicilina, é simples, barato e efetivo, e o companheiro da mulher infectada também deve ser tratado, a fim de evitar a reinfecção, orienta o Ministério da Saúde. Isso significa que, se a mulher voltar a ter sexo desprotegido com o companheiro que se recusou a ser medicado, irá contrair a bactéria de novo.

Além disso, é recomendável evitar relações sexuais até que o tratamento de todos os membros da relação se complete —isso também vale para outras infecções sexualmente transmissíveis.

Segundo Leal, é mais comum que os parceiros de pacientes que têm um relacionamento fixo compareçam às consultas quando sua presença é solicitada, e é mais difícil examinar os companheiros de quem tem relacionamentos casuais. É possível que isso esteja relacionado ao desconforto de comunicar o diagnóstico de uma IST a uma parceria sexual com quem não se tem um vínculo tão recorrente, mas o próprio sistema de saúde, muitas vezes, "fecha a porta" para discutir o sexo casual, analisa o médico.

Mariana Ferreira, ginecologista e obstetra que tem um consultório particular e também trabalha como ginecologista do SUS no Rio de Janeiro, considera que os profissionais de saúde precisam estar aptos para lidar com casais que não vivem relações monogâmicas.

"O ideal é tentar quebrar esses tabus para que as pessoas possam ficar à vontade para falar sobre as suas práticas sexuais e serem orientadas", diz a médica, reforçando que uma relação estável também não garante, por si só, proteção contra as ISTs.

Parceiros assintomáticos também precisam buscar atendimento

Mesmo na ausência de sintomas, a(s) parceria(s) de uma pessoa com diagnóstico de IST devem ser testadas e precisam buscar assistência médica. Não é para menos: embora corrimentos, úlceras e verrugas genitais sejam sinais característicos das ISTs, é possível ter e transmitir uma infecção mesmo sem sinais e sintomas.

"Se houver qualquer dúvida em relação à sua saúde sexual, você deve fazer os testes e, se os testes derem positivos, deve comunicar sua parceria sexual para que ela também busque acompanhamento e tratamento", orienta Fábio Vilar, chefe do serviço de urologia do HC-UFPE (Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco).

Vilar explica que o tratamento para o casal é prescrito de acordo com a infecção. Em casos de clamídia, gonorreia e tricomoníase —doenças causadas por bactérias ou protozoários—, por exemplo, os parceiros devem tomar antibióticos (via oral, creme vaginal ou óvulo).

Herpes - iStock - iStock
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Já a herpes genital, que causa pequenas bolhas e lesões na região genital masculina e feminina, não tem cura e aparece e desaparece espontaneamente ao longo da vida do indivíduo. Por isso, são prescritos antivirais para reduzir os sintomas. Se o parceiro também tiver lesões, o tratamento será estendido a ele.

O mesmo ocorre com o HPV, cujo tratamento consiste em destruir as feridas: se a parceria também tiver verrugas genitais, receberá a prescrição terapêutica. As lesões, porém, podem reaparecer, já que não é possível eliminar o vírus.

A melhor forma de evitar contrair a doença —uma das principais causas de câncer no colo do útero— é a vacina, distribuída gratuitamente pelo SUS e indicada para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos.

No caso do HIV, o tratamento adequado traz benefícios não só para a saúde e qualidade de vida do indivíduo soropositivo, mas também pode zerar seu risco de transmitir o vírus. "Uma pessoa que toma adequadamente os antirretrovirais vai ter o seu vírus no sangue —o que a gente chama de carga viral— controlado e indetectável, e dessa forma não transmite o HIV para as suas parcerias", explica Hoagland, da Fiocruz.

A infectologista ressalta que, se uma pessoa teve relação sexual desprotegida e suspeita ter contraído HIV, deve procurar um serviço de saúde até no máximo 72 horas após a relação. A chamada PEP (profilaxia pós-exposição), conjunto de remédios que devem ser ingeridos após a possível infecção, diminui significativamente o risco de contágio pelo vírus.

E a candidíase?

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Já a candidíase, que acometeu a jovem citada na abertura desta reportagem, não é considerada uma infecção sexualmente transmissível: na maior parte das vezes, a condição está associada à queda da imunidade e não ao ato sexual.

O problema é frequentemente provocado por um fungo chamado Candida albicans, microrganismo encontrado normalmente na flora vaginal. Por um desequilíbrio na região, o fungo pode se proliferar e causar sintomas como coceira, secreção branca e ardor ao urinar.

Somente quando o parceiro, independentemente do gênero, compartilhar desses incômodos, é que também precisará receber fármacos —os mais utilizados são os antifúngicos tópicos (cremes, óvulos, pomadas) ou sistêmicos (comprimidos).

No entanto, se o fungo for de um tipo mais raro, é possível que os microrganismos que causam a candidíase sejam transmitidos durante o sexo. Nesses casos, o companheiro, mesmo sem sintomas, também precisa ser medicado. Daí a importância de buscar um diagnóstico, principalmente se a infecção for recorrente.

Prevenção é regra número 1

Em todos os casos, uma recomendação não muda: é necessário utilizar métodos para evitar a transmissão de infecções durante todas as práticas sexuais —vaginal, anal ou oral. No sexo entre um homem e uma mulher cis ou dois homens, o preservativo é item indispensável.

Embora não haja métodos de proteção desenvolvidos especificamente para o sexo entre mulheres, é recomendável usar, por exemplo, luvas para proteger a mão e a vulva na penetração com os dedos, camisinha feminina e vibradores com preservativo.

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"O que acontece muito é que as pessoas acham que estão em um relacionamento estável e tiram o preservativo, ou nem usam desde sempre. Se o casal quer tirar, que ao menos faça um acordo, conversem sobre isso", recomenda Carolina Ambrogini, coordenadora do Projeto Afrodite, ambulatório de sexualidade feminina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

"Falem 'ok, a gente não quer mais usar preservativo, então vamos fazer todos os exames, eu passo com o meu médico, você passa com o seu. E, se por acaso acontecer uma relação extraconjugal, vamos usar preservativo?'. Porque é uma coisa que não tem garantia. A gente consegue ter garantia da nossa conduta, não da conduta alheia. Por isso, o ideal é sempre usar camisinha", recomenda a ginecologista.

E, se tiver uma IST, não deixe de comunicar à sua parceria —isso evita problemas para todos os lados. "Se você estivesse no lugar da pessoa, como se sentiria ao saber que sua parceria escondeu uma IST?", indaga Leal, da UFF.

De acordo com a OMS, mais de 1 milhão de infecções sexualmente transmissíveis são adquiridas todos os dias em todo o mundo —a maioria das quais são assintomáticas—, com impactos diretos na saúde sexual e reprodutiva por meio da estigmatização, infertilidade, câncer, complicações na gravidez e aumento do risco de contrair HIV.