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'Gastei R$ 10 mil tratando candidíase. Ao terminar namoro, problema passou'

Giovanna Fernandes teve candidíase de repetição por dois anos  - Acervo pessoal
Giovanna Fernandes teve candidíase de repetição por dois anos Imagem: Acervo pessoal

Giovanna Fernandes em depoimento para Rafaela Polo

de Universa, em São Paulo

27/03/2022 17h48

"Postei um vídeo no TikTok mostrando diversas embalagens de pomada para tratamento de candidíase, um tipo de infecção vaginal, vazias, em tom de piada. Dá até para perceber pela escolha do meu áudio. Essa gravação estava há bastante tempo em meus rascunhos, mas nunca pensei em publicá-la. Era algo muito íntimo meu. Nem toda minha família sabia o que eu passei. Agora que o vídeo viralizou, 12 milhões de pessoas viram. E nunca imaginei que tantas meninas também tivessem tido experiências parecidas com a minha.

Fiquei em um relacionamento por cerca de dois anos e, depois de quatro ou cinco meses juntos, comecei a ter candidíase de repetição. Um problema que se estendeu por anos, mas que eu nunca conseguia achar uma solução. Para piorar, a candidíase começou a ser intercalada com uma vaginose, infecção que causa coceira, dor e mal cheiro.

Fui a diversos médicos. Meu desespero era tanto que, após dois meses indo em consultas continuamente, assim que um médico me perguntou o que sentia, desabei a chorar. Estava desesperada. Achava que o problema fosse comigo.

A complicação física estava abalando muito o meu psicológico. Me tornei insegura, tinha problemas para me relacionar. Achava que tinha algo errado com meu organismo.

Minha mãe até levantou a bandeira de que poderia ser meu namorado, mas descartei na hora. Nunca acreditei que pudesse ser algo assim.

Como não tenho plano de saúde, fiz muitas consultas em médicos particulares. E os tratamentos não são baratos. Alguns médicos me disseram que meu namorado também precisava fazer o tratamento junto comigo, e ele fez. Tudo em médicos particulares que eu paguei, para mim e para ele. Achava que ele estava passando por isso por minha culpa, não tinha coragem de dizer que ele precisava pagar.

Depois de um tempo, manter o tratamento na rede particular se tornou insustentável. Meu problema era tão recorrente que chegava a ir ao consultório duas vezes ao mês. Fazendo umas contas rápidas, devo ter gastado mais de R$ 10 mil reais em tratamento em dois anos, cerca de R$ 600 por mês. Chegou um ponto que os remédios não faziam mais efeito, o que me deixava desesperada, e para o meu bolso também estava complicado.

Comecei então o tratamento na rede pública de saúde. Como continuava buscando tratamento a cada 15 dias, e pegando medicamentos frequentemente, não tinha um médico específico que acompanhava meu problema. Era muito rotativo. Por causa da frequência, os médicos levaram meu caso para um grupo geral, para discutir minha situação de saúde. No fim das contas, acabaram me mandando para a terapia. Mais um gasto que não funcionou. Me mandaram também fazer exercício físico, em conjunto com o medicamento. Fui cheia de esperança para a ioga e nada. Tentei medicina alternativa, chás... tudo o que era possível.

É importante deixar claro que eu fiz diversos tipos de exames nesse período, todos tinham resultado normal. E eram frequentes: exame de sangue, colposcopia, papanicolau. Isso me deixava ainda mais angustiada, porque não tinha uma alteração evidente que pudesse ser tratada.

Fazia os tratamentos recomendados, melhorava por quatro ou cinco dias, e os sintomas voltavam.

Até que, em uma Páscoa, descobri que estava sendo traída. Foi nessa hora que minha ficha caiu. Apesar de terminar o nosso relacionamento, continuamos a nos ver eventualmente por mais uns seis meses. Eu tinha esperança que pudéssemos voltar a ficar juntos, mas acabei descobrindo que ele já tinha outra pessoa.

Nunca tive confirmação de que os problemas de saúde que tive eram por conta da traição. Essa certeza só veio quando eu comecei a me relacionar com outra pessoa e, desde então, nunca mais tive nada.

Com meu ex, fazia sexo sem camisinha. Tomava pílula, minha preocupação era engravidar, não previ nenhum tipo de infecção. Confiei a minha saúde a ele porque era meu parceiro fixo, confiava nele. Mesmo com os médicos dizendo que eu precisava usar preservativo, nós não usávamos.

Sei que tive muita sorte porque não porque não peguei uma doença mais séria. Um dos comentários mais curtidos do meu vídeo é o de uma menina que também confiou no namorado, acabou pegando HPV dele, teve 90% do útero comprometido pela doença e achou que nem poderia mais ter filhos. Felizmente ela conseguiu engravidar.

Quando terminamos de vez, não senti mais nada. Nunca mais tive problemas com a minha saúde vaginal. Fiquei aliviada, pois percebi que não tinha nada de errado comigo.

Nem sabia como era ter uma saúde íntima normal. Até meu bolso ficou aliviado. Mas também senti raiva e fiquei com uma sensação de injustiça, porque não há nada que eu possa fazer. A lei até prevê punição para casos de contaminação de doenças , como HIV, mas, para a Justiça, não tenho provas suficientes.

Depois que acabou o nosso relacionamento de vez, não falei mais com ele e nem o confrontei. A nova namorada não permite que eu entre em contato. Enviei algumas mensagens, mas ele não responde. Tinha uma dependência emocional muito grande com ele, sempre fazia tudo para agradá-lo. Demorei muito tempo para superar esse baque e, até hoje, não posso dizer que estou 100%. Fiquei em depressão, não queria sair do quarto, não queria mais me relacionar, era doloroso.

Quando o vídeo viralizou, me senti abraçada por muitas mulheres que também já passaram pelo mesmo. Recebi diversas mensagens no Instagram de meninas falando sobre candidíase recorrente e me perguntando se eu acho que elas estão sendo traídas. Mas não sou médica. A única coisa que posso dizer é: procurem um profissional de saúde, usem camisinha e fiquem atentas aos sinais do relacionamento, não apenas nos físicos".

Giovanna Fernandes, 23, estudante de Relações Internacionais e analista administrativa

O que os médicos dizem

Apesar de a candidíase não ser considerada infecção sexualmente transmissívei, pois sua transmissão não se dá exclusivamente durante o sexo, pode acontecer de, durante a relação, os microorganismos que causam as doenças sejam transmitidos de um parceiro para o outro. Mas isso só acontece no caso de o fungo ser do tipo não albican, mais raro. O tipo albican é o que já está presente no organismo da mulher.

"O problema tem a ver com um desequilíbrio sutil na flora vaginal", afirma a ginecologista e sexóloga Carolina Ambrogini, coordenadora do Projeto Afrodite, ambulatório de sexualidade feminina da UNIFESP (Universidade Federal e São Paulo), e do curso de aprimoramento em disfunções sexuais femininas da mesma instituição. Ela explica que excesso de relação sexual, estresse e queda da imunidade podem levar a esse desequilíbrio.

"Às vezes, a flora demora para se recuperar. Não é culpa dos médicos ou dos tratamentos. Quem tem infecção por repetição tem que ver como está a alimentação, fazer atividade física, não ficar com a calcinha suada e transar com camisinha, por exemplo. Além disso, nosso corpo não está dissociado de nossas emoções", diz Carolina. E o uso de preservativo, para todos os casos, é primordial para se manter a integridade da saúde íntima da mulher.