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TDAH: há pouca evidência para associar alimentos à piora do quadro

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Imagem: iStock

Fabiana Gonçalves

Colaboração para o VivaBem

11/03/2022 04h00

Agitação, dificuldade de concentração e hiperatividade são características de crianças com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). Nos adultos são a falta de foco e atenção e descuido nas atividades, falta de organização, inquietude e hiperatividade. Alguns dizem que comer muito açúcar, glúten ou lactose piora o problema, mas não há estudos suficientes para fazer essa associação.

A relação entre alimentos e o agravamento dos sintomas de TDAH depende muito mais da sensibilidade de cada pessoa e da quantidade consumida da comida. "Não há um estudo que comprove que todas as crianças que consomem carboidratos refinados, por exemplo, terão uma agitação mais exacerbada, ou seja, uma piora dos sintomas de TDAH", afirma o médico neurologista e neuropediatra Marcelo de Melo Aragão.

"A verdade é que o ideal seria observar caso a caso em particular. Se o familiar suspeitar da associação entre determinado alimento e os sintomas da criança, vale a pena preencher um diário para confirmar tal achado e, com auxílio profissional, a retirada do alimento pode ser tentada", avalia o médico.

Assim como qualquer ser humano, as crianças precisam de alimentos fontes de glicose, de carboidrato em sua alimentação. O que elas não precisam é de excesso de açúcar. Segundo Aragão, a base da alimentação deve ser a mesma para crianças e adultos, com uma dieta rica em legumes, verduras, carnes magras de aves, peixes, frango, além de ovos, leites e derivados. Pode ter pães, massas, arroz, mas, de preferência, muito bem balanceado.

Já a médica nutróloga Marcella Garcez diz que deve-se ter mais atenção ao açúcar, sim. "Há quase um século estudos científicos demonstram a relação entre açúcar (glicose) e atividade cerebral", diz. Segundo ela, crianças com TDAH mostram um aumento em atividade elétrica cerebral após ingestão de alimentos estimulantes como doces e guloseimas. "Além disso, os picos de glicemia causados pela ingestão de açúcar resultam em hipoglicemia reativa, que pode levar a comprometimento cognitivo e desatenção", considera.

De acordo com a médica, o fato é que os carboidratos de alto índice glicêmico, como doces, guloseimas, além dos alimentos ultraprocessados com açúcar adicionado, farináceos refinados, podem levar a rápidos picos de glicemia e insulina e, consequentemente, as duas situações têm impactos na função cerebral, que podem levar à agitação. "Estudos têm demonstrado de forma robusta que evitar o consumo excessivo de açúcares pode prevenir exacerbações do distúrbio", diz.

A médica Lívia Almeida Dutra, neurologista e professora da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein (SP), diz que, em casos refratários, alguns especialistas podem indicar a retirada de alguns alimentos habitualmente industrializados, pois pode haver hipersensibilidade a esses alimentos em casos específicos. "Acredita-se que algumas pessoas possam ter uma sensibilidade a alimentos com açúcar, o que pode causar uma alteração comportamental, não apenas no TDAH", afirma.

Um artigo publicado no American Academy of Pediatrics relata que dietas para reduzir os sintomas associados ao TDAH incluem desde a restrição ao consumo de açúcar e aditivos e conservantes nos alimentos a suplementação de ácidos graxos ômega 3, com relatos positivos de eficácia.

O médico neurologista Eduardo Estephan, entretanto, diz que se existir uma vantagem na restrição desses alimentos, ela é pequena. "É sempre saudável não abusar desse tipo de alimento, por diversas razões. No entanto, o benefício para o TDAH de restringir esses alimentos, se houver, deve ser pequeno. No momento não há nenhum estudo controlado, com bom poder de evidência, que demonstre algum benefício neste tipo de dieta, embora possa fazer sentido a teoria", avalia.

E quanto à lactose, ao glúten e corantes?

Há muitas informações que circulam pela internet e redes sociais afirmando que pessoas que têm TDAH devem excluir a lactose e o glúten da alimentação. Mas, de acordo com os especialistas, salvo casos específicos em que alguém tem sensibilidade ou alergia a esses alimentos, não há razão para eliminá-los do cardápio. "A intolerância à lactose e a sensibilidade ao glúten são patologias que devem ser diagnosticadas através de exame médico clínico e laboratorial. Apesar de existirem situações e distúrbios que se beneficiam da retirada temporária desses grupos alimentares, essas sensibilidades não atingem todos os portadores de TDAH", afirma Garcez.

No caso de quem tem TDAH e sensibilidades alimentares, a restrição alimentar ou o tratamento para dessensibilização pode ser benéfica, como demonstrou artigo publicado no Annals of Nutrition and Metabolism e outro publicado na Revista Escandinava de Gastroenterologia. "Mas o efeito da retirada desse tipo de alimento é modesto e não substitui a necessidade de medicamentos e/ou terapia cognitivo-comportamental (quando são indicados), pelo especialista", alerta o médico neurologista Eduardo Estephan.

Com o corante, é a mesma coisa. "Empiricamente, esses corantes artificiais não fazem bem a ninguém, e menos ainda a esse grupo de pessoas. Mas não há evidências científicas de que a retirada deles da alimentação se mostre efetiva no que diz respeito ao TDAH. Mas é claro que, se puder evitar este consumo, melhor", avalia Aragão.

Como balancear a dieta de crianças e adultos

Combinar sempre a composição do prato com uma fonte de proteína, uma de gordura boa e fibras aos carboidratos de alto índice glicêmico é uma estratégia para reduzir seu pico glicêmico e eventuais danos. A seguir, veja algumas dicas para manter a dieta saudável e promover qualidade de vida:

Troque doces por frutas

Não se preocupe com a frutose (ou açúcar), presente nas frutas. Esses alimentos são fontes de fibras, vitaminas, minerais e antioxidantes, além de pequenas quantidades de proteínas e quantidades variadas de ácidos graxos benéficos. Elas têm grandes variações em sua composição e índice glicêmico. Existem frutas como o abacaxi e a melancia, por exemplo que têm baixa caloria, porém alto índice glicêmico, e podem não ser interessantes como opção de lanche isolado, mas caiem muito bem como sobremesa.

Outras frutas como abacate e açaí, que apesar de mais calóricas, têm menor índice glicêmico e podem estar incluídas no hábito alimentar de todas as pessoas. Lembrando que a maioria das frutas "in natura" são bem-vindas dentro de um hábito alimentar neuroprotetor, pois a maioria tem médio índice glicêmico, além outros nutrientes importantes para o desenvolvimento infantil.

Restrinja o consumo de carnes processadas e embutidos

Cuidado com salsichas, linguiças e frituras de imersão como batatas e empanados, e salgadinhos de pacote. Eles contêm muitos aditivos químicos, sódio e gordura saturada em excesso.

Dieta mediterrânea tem bons exemplos

Estudos demonstram que os padrões alimentares da dieta mediterrânea são muito bem indicados nesses casos, tanto para crianças como adultos, não esquecendo de incluir boas fontes alimentares de ácidos graxos ômega 3.

Inclua gorduras boas na alimentação

As gorduras monoinsaturadas estão em alimentos como o azeite de oliva e o abacate, além das poli-insaturadas tipo ômega 3, presente nos peixes de água fria, nozes e sementes.

Coma de tudo (que faz bem)

Lembre-se: uma dieta saudável não só para quem tem TDAH como também para a população em geral é composta de carboidratos complexos presentes em frutas, legumes, verduras, tubérculos, sementes e cereais integrais, proteínas de carnes magras, ovos, laticínios e proteínas vegetais de leguminosas como o feijão, ervilha, lentilhas e grão-de-bico.

Fontes: Eduardo Estephan, neurologista do Hospital de Base de São José do Rio Preto e do Hospital Sírio Libanês, e professor de neurologia da Faculdade Santa Marcelina (SP); Lívia Almeida Dutra, neurologista e professora da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein (SP); Marcelo de Melo Aragão, neurologista adulto e infantil do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo); Marcella Garcez, médica nutróloga, mestre em ciências da saúde pela PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), diretora e docente do curso nacional de nutrologia da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia) e coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná.