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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Ser desleixado e não cuidar de si tem a ver só com baixa autoestima?

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Imagem: iStock

Marcelo Testoni

Colaboração para VivaBem

01/11/2021 04h00

Vivemos em uma sociedade em que os padrões de beleza e a moda mudam conforme os anos passam. Nesse sentido, é preciso tomar cuidado antes de tachar alguém como "desleixado". O que para alguém nascido nos anos 1940 pode ser considerado reprovável, para as gerações mais recentes talvez não seja, e vice-versa. Mas existe um limite entre o que é gosto —e gosto não se discute, já dizia o ditado popular— e o que podemos chamar de "autonegligência", um comportamento que prejudica a saúde, o bem-estar e as relações.

Isso acontece quando o indivíduo deixa de cuidar de si mesmo, derrapando nos cuidados com a higiene e alimentação, por exemplo, chegando a cheirar mal e até ficar desnutrido. Some-se a isso outras atitudes como não seguir tratamentos médicos, afastar outras pessoas do convívio, não conseguir nem manter um emprego e não sentir prazer na própria casa, e temos uma situação preocupante.

A relação com a autoestima

Diante de uma pessoa nesse estado de descuido, é comum ouvirmos que isso resultado de falta de amor próprio e uma autoestima baixa. Só que, diferente do que muita gente pensa, isso não acontece em todas as situações. De acordo com Henrique Bottura, psiquiatra, diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista e colaborador do ambulatório de impulsividade do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo), a baixa autoestima pode, de fato, levar à falta de cuidados pessoais, já que envolve sentimentos como insegurança, incapacidade, não pertencimento, aceitação de abusos e maus-tratos alheios, ansiedade e medo de ser julgado.

No entanto, nem sempre esse é o caso. "Muitas vezes, pessoas com baixa autoestima, ao contrário, investem demais na aparência para agradar, serem aceitas, contornar, em vão, o sofrimento que sentem", diz o especialista. "Por isso, não dá para generalizar e dizer que existe uma relação direta entre pouco ou muito cuidado e baixa autoestima sempre. Geralmente, não se limita a apenas esse motivo", acrescenta o psiquiatra.

Um bom exemplo disso é que há idosos que têm, de fato, um problema com autoestima, mas também são diagnosticados com alguma doença neurológica, como o Alzheimer, por exemplo.

A falta de autocuidado, aliás, pode estar ligada a alguns quadros patológicos, como demências (caso do Alzheimer), transtornos de personalidade antissocial, esquiva, depressão grave, pânico, traumas e dependência química, entre outros.

Mas também pode ser resultado de uma criação em uma família que pouco incentivou o asseamento para consigo e com o ambiente onde vive, deixando de lado o cuidado com a higiene e organização do espaço. Há, ainda, uma terceira possibilidade: a pessoa estar vivendo um momento de vida desafiador, com muitos estudos, trabalho, filhos pequenos, mudança física ou até cuidando de um parente doente.

Nesses casos, a situação não se encaixa em um quadro de doença, mas não deixa de ser preocupante —afinal, quem não cuida de si mesmo externamente provavelmente também está deixando de lado emoções importantes que deveriam ser ditas e trabalhadas em algum espaço.

Falta de cuidado não é só com a aparência

A primeira impressão é sempre a que fica —e, quando encontramos alguém com aparência de descuido, nossa reação costuma ser focar apenas na aparência exterior, aquela imagem com a qual o outro se apresenta para o mundo e inclui o aspecto do lugar onde vive ou trabalha.

Mas a falta de cuidado pessoal vai além dessa superfície. Quem não cuida de si estende isso para instâncias bem mais profundas. Se os dentes estão sujos, os cabelos ensebados, as roupas encardidas e rasgadas, o emocional e o psicológico podem estar bem piores e sem ninguém para notá-los.

E, muitas vezes, esse "desleixo psicológico" acaba gerando um efeito rebote na aparência, que passa a receber um excesso de cuidado. "[Isso acontece] por desconfiança do que possa evidenciar em si ou despertar nos outros, como amor, valorização de suas ideias, qualidades, emoções. E isso afeta a motivação de ir atrás dos próprios objetivos, aceitar o novo, lutar, cuidar da essência, da espiritualidade e dos relacionamentos", explica Luiz Scocca, psiquiatra pelo HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo) e membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria).

Numa mente assim, tudo de ruim espreita, porque ela se permite. As crenças são limitantes e se baseiam no conceito de que ela não é capaz, pode fracassar ou não é merecedora de coisas boas como ocupar um bom cargo profissional, frequentar bons lugares, usar boas roupas e sair com pessoas realmente interessantes e íntegras.

Como não está acostumada a receber, ou não lida bem com isso, esse indivíduo também acha mais fácil não retribuir, se inibindo cada vez mais e ficando isolado. No fim, acaba reagindo mal diante de pessoas bem resolvidas, da mesma forma quando questionado por seu modo de ser e agir.

Como ajudar?

Para saber se a falta de zelo pessoal pode ser algo mais sério, é necessário um olhar atento e muito diálogo. Os pais de adolescentes, por exemplo, devem participar mais do dia a dia de seus filhos e tentar "pescar" nas conversas se eles estão em busca da aprovação de alguém —que pode ser, inclusive, de alguém da família— ou de um grupo, mesmo quando não se sentem confortáveis em cumprir determinados requisitos. Já os idosos, sendo ou não autônomos, não devem ficar sozinhos e precisam de acompanhamento constante.

Em todos os casos, são indícios preocupantes mudanças repentinas de humor e comportamento, sobretudo se a pessoa era vaidosa e deixou de ser; perdas de memória e de peso; isolamento social; delírios; falta de higiene; alimentos estragados na geladeira; contas vencidas; falta de compromisso e de respeito às regras e limites.

Além da existência desses sintomas, vale também observar a intensidade com que acontecem. "Se for algo contínuo, indica a necessidade de cuidados psicológicos", alerta Leide Batista, psicóloga pela Faculdade Castro Alves e do HC (Hospital da Cidade), em Salvador. Ela diz, no entanto, que o desmazelo esporádico é aceitável, já que nem sempre acordamos bem ou estamos vivendo a melhor fase das nossas vidas. "Faz parte da vulnerabilidade humana", acredita.

Se o problema pedir uma intervenção, familiares e amigos devem encaminhar a pessoa para uma consulta com especialistas. O tratamento geralmente é feito com sessões de psicoterapia que podem eventualmente estarem associadas a medicamentos. É possível também existir a necessidade de tratar comorbidades associadas, pensando em melhorar e evoluir a saúde mental e a autoestima.

Nesse percurso, serão trabalhadas mais profundamente autoaceitação e compreensão de si próprio. É um assunto a se levar a sério, pois quanto mais tempo sem ajuda, maiores poderão ser as distorções de autocuidado.