Seu time tem psicólogo?

Levantamento inédito feito por VivaBem com os 20 clubes da Série A mostra as principais demandas dos jogadores

Camilla Freitas, Rafaela Polo e Sarah Alves Moura De VivaBem, em São Paulo

"Eu estava no fundo do poço", disse o atacante Richarlison em seu retorno à seleção brasileira neste ano. Na ocasião, o jogador se referia à importância que a terapia teve em sua vida após a Copa do Mundo de 2022.

Falar sobre saúde mental no futebol não é cômodo para muitos atletas, dirigentes e técnicos. A opinião de Richarlison foi até tida como corajosa por Ange Postecoglou, seu técnico no Tottenham, da Inglaterra.

"A gente sabe o preconceito que tem, eu mesmo tinha esse preconceito", comentou o atacante, que assumiu ter precisado chegar ao limite da depressão para buscar ajuda.

Até há pouco tempo, a seleção brasileira não tinha psicólogos em sua comissão técnica. O treinador na última Copa, Tite, chegou a dizer que sua comissão conseguia lidar com as questões de saúde mental do grupo sem um profissional da área. Mas as coisas parecem estar mudando. Em março deste ano, Marisa Santiago, psicóloga do Bahia, acompanhou a delegação nos amistosos.

Para entender se os clubes da elite do futebol masculino nacional seguem esse caminho, VivaBem fez um levantamento inédito com os 20 times da Série A do Campeonato Brasileiro. O resultado você confere na reportagem a seguir.

Como a psicologia atua no futebol?

Esqueça a imagem do profissional sentado diante de um divã. O psicólogo do esporte não fica em um consultório, mas sim onde o atleta está: nos treinos, na academia ou no departamento médico. Por isso, o trabalho não é necessariamente individual, e sim focado em fortalecer o equilíbrio do elenco.

"A gente entende o grupo como uma unidade. Às vezes, você atende um atleta individualmente porque o grupo deixa emergir essa necessidade", diz Francinéli Becker, psicóloga do Criciúma há 11 anos.

A base do trabalho é assegurar que a saúde mental do atleta está sólida. Se o psicólogo do clube identifica queixas nesse aspecto, como sintomas de ansiedade e depressão (ou até mesmo burnout), ele encaminha o jogador para um especialista clínico, que faz o acompanhamento periódico —a terapia.

Se tudo está bem, vem o desenvolvimento de habilidades cognitivas importantes para o atleta, como o controle de estresse, o planejamento para tomar decisões e a comunicação. Além de atividades para melhorar a performance, considerando a sua posição em campo.

"Nosso trabalho é garantir que o atleta tenha saúde mental e habilidades para atuar bem, com conhecimento da sua posição. Se garantirmos isso, há caminho aberto para ele performar bem. Agora, se vai ou não, são outros 500. Psicólogo não entra no campo para chutar a bola", diz o psicólogo Alberto Filgueiras, que trabalhou no Flamengo, sendo a última passagem entre 2018 e 2019.

A terapia cognitivo-comportamental é a principal abordagem dos psicólogos que atuam nos clubes, seja em sessões coletivas e/ou individuais sob demanda.

Eu vivi alguns episódios difíceis no período mais alto da crise de ansiedade. Aquele desespero, aquela arritmia. Foi então que eu comecei a ter o acompanhamento das psicólogas aqui do São Paulo. Não tenho palavras para descrever o quanto elas me ajudaram"

Alisson, volante do São Paulo, em relato ao UOL Esporte

É importante falar em procurar ajuda. Tinha preconceito e não tenho mais. Eu, com voz ativa na seleção, falo para procurar mesmo que ajuda. Eu posso falar que salvou a minha vida. Estava no fundo do poço mesmo. Muito importante a seleção ter psicólogo para ajudar os atletas. Só nós sabemos da pressão que sofremos"

Richarlison, atacante da seleção brasileira, em coletiva de imprensa

Se não tiver base forte, você desmonta a pirâmide. Mas, se o topo não estiver legal, provavelmente influencia lá embaixo, porque vai existir frustração, tristeza e melancolia. As coisas se conversam, e o equilíbrio é o ponto central.

Alberto Filgueiras, psicólogo do esporte e professor da Universidade Central de Queensland, na Austrália

VivaBem fez levantamento inédito

VivaBem enviou um questionário aos clubes que têm psicólogo. As perguntas buscavam entender o dia a dia de trabalho e as principais demandas observadas pelos profissionais ao longo de sua trajetória no futebol.

Nove times que têm setor de psicologia responderam à reportagem. Bragantino, Corinthians e Fluminense não enviaram respostas. Os dados foram coletados durante o mês de março —Vasco anunciou uma equipe de profissionais em abril.

Rendimento em campo e manejo das emoções foram motivos apontados por todos os clubes para justificar a presença do profissional. Alguns clubes ainda citaram melhor convivência com a comissão técnica e os colegas de equipe e disciplina.

Tudo começa na cabeça, não só no futebol, mas em todas as áreas da vida. O que pensamos é o que nos governa, por isso temos que cuidar dos nossos pensamentos e crenças. Faço terapia há três anos e acho muito importante"

Raphael Veiga, meia do Palmeiras, em entrevista ao VivaBem

Acho que é fundamental se consultar com um psicólogo para mantermos nossos sentimentos e pensamentos equilibrados"

Sidão, goleiro do Paraná Clube, em entrevista ao VivaBem

Esporte pode gerar ciclo vicioso

A alta performance esportiva se opõe expressivamente à saúde mental. A pressão dentro e fora de campo, os treinos excessivos, as viagens constantes, tudo entra em desacordo com o que a psicologia indica.

Dessa forma, o trabalho é precisamente pensado para o desenvolvimento do jogador dentro das quatro linhas do campo de futebol.

"Um atleta que é levado ao seu limite lida com o esgotamento e a dificuldade de entender suas emoções. E atletas novos podem nunca ter sentido isso. Nosso trabalho é buscar que o atleta consiga render por mais tempo mantendo o psicológico bem cuidado", diz Francinéli Becker, do Criciúma.

Devido à grande rotatividade de jogadores entre os clubes, Becker comenta que os psicólogos estão sempre "trocando figurinhas" sobre o tratamento de cada atleta. Isso, claro, sem deixar de lado o sigilo profissional, ou seja, o que um jogador diz individualmente para seu terapeuta esportivo não deve e não é compartilhado.

"Alguns têm questões mais frágeis sobre o trabalho e a vida. Outros buscam desenvolver outras metas", diz Gisele Silva, psicóloga do Palmeiras.

Minha relação com a Emily [psicóloga do Fluminense] é ótima, uma pessoa que me ajudou muito desde a minha chegada. Toda vez que posso, tento enaltecer o trabalho dela. Aqui muita gente trabalha muito, talvez fora das câmeras, mas carregam o time em momentos importantes"

Jhon Arias, atacante do Fluminense, durante coletiva de imprensa

Muitas vezes, nossa rede de apoio somos nós mesmos. A gente procura meios de apoio. Já passei por isso, sei qual é a importância de se cuidar mentalmente, não só fisicamente. Procurar um profissional, se cuidar"

Adriel, goleiro do Bahia, durante coletiva de imprensa em janeiro

Coach não é psicólogo

No ano passado, em cada jogo do São Paulo, assim que o hino nacional tocava antes da partida começar, uma cena era flagrada: enquanto alguns jogadores cantavam e outros ficavam em silêncio, o zagueiro Beraldo sorria.

O ato, que se tornou piada entre torcedores do próprio time, é um exercício que ele aprendeu com um coach. "É um trabalho que faço para não entrar tão ansioso em jogos decisivos e vem dando certo", comentou o jogador.

Sidão, ex-jogador do tricolor, também fez trabalhos com uma coach. "A psicóloga me ajudou a ver que eu precisava me aprofundar na questão esportiva e entendemos que eu precisava de um trabalho mais específico. Acabei optando por uma coach porque achei legais as lições. Me levou a outro nível." Ele fez trabalhos com Amanda Ciaramicoli, que se classifica como "coach mental dos atletas".

Nenhum clube respondeu contar com um coach fixo. No entanto, palestras motivacionais costumam ser comuns em instituições esportivas.

Técnicas de coaching podem ser usadas para motivar e melhorar o desempenho em campo. Mas há ressalvas: primeiro, é preciso saber que coach não é psicólogo. Por esse motivo, a recomendação é que os profissionais atuem junto à psicologia.

Além disso, trabalho mental é uma construção que leva tempo até gerar mudanças. Intervenções ocasionais não geram efeitos prolongados, mesmo se causarem muita emoção. "A motivação vai durar dois, três jogos", diz o psicólogo Alberto Filgueiras. "E é um problema fazer isso toda vez que se quer motivar o jogador, porque há um processo de dessensibilização. O efeito diminui."

Outro alerta é sobre a garantia de resultados. Psicólogos não podem prometer isso aos pacientes, algo previsto no Conselho de Ética, porque dinâmicas emocionais não têm fórmulas mágicas nem são iguais para todo mundo.

"Qualquer profissional ético diz que pode tentar ajudar, mas resolver problemas depende de coisas que estão além do trabalho do psicólogo", explica Filgueiras.

Muitas vezes, mesmo nesse estado psicológico miserável, eu conseguia jogar bem, ajudava o time a vencer. Não queria que ninguém percebesse a minha situação. Ficava com o pessoal no vestiário, na resenha e tudo mais, fingindo estar tudo normal. Só eu tinha noção do tamanho do vazio na minha alma. Quando terminava a partida, eu voltava para casa chorando, sozinho, dirigindo meu carro, tentando entender o que estava acontecendo"

Tchê Tchê, volante do Botafogo, em entrevista ao The Players Tribune

Muitos jogadores não possuem estrutura suficiente para lidar com a fama repentina. Por isso, é crucial promover o trabalho dos psicólogos desde as categorias de base. Formar jogadores mais resilientes não só beneficia os atletas, como também traz vantagens financeiras para os clubes. É uma matemática muito simples"

Danilo Luiz, capitão da seleção brasileira, em entrevista ao canal Casa do Saber

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