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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


'Tratamento do silêncio' causa insegurança e afeta autoestima nas relações

Crianças e adolescentes costumam sofrer mais com o "tratamento do silêncio" - iStock
Crianças e adolescentes costumam sofrer mais com o 'tratamento do silêncio' Imagem: iStock

Danielle Sanches

Do VivaBem, em São Paulo

24/04/2021 04h00

Recusar-se a ouvir e conversar com o filho ou o parceiro após uma briga —e até mesmo sumir e não retornar mensagens ou ligações telefônicas — são as principais formas do "tratamento do silêncio", uma espécie de abuso emocional que afeta a autoestima e provoca muito sofrimento em quem o recebe.

O "tratamento", na verdade, é o silêncio do abusador, que passa dias (e até meses) sem falar com a vítima, geralmente após ter sido confrontado ou contrariado de alguma maneira. "O agressor, quando está frustrado, se recusa a dialogar e decide não falar como forma de punir e inferiorizar o outro", explica Ricardo Milito, psicólogo membro do conselho de administração do Instituto Bem do Estar, em São Paulo.

Segundo ele, quem recorre a esse tipo de resolução de conflitos costuma ser autoritário e buscar a submissão do outro. "É um comportamento que reforça essa postura de 'impor respeito' e de dependência", afirma. O resultado é que a vítima se sente vulnerável, culpada e pode ficar ansiosa tentando entender o que fez de tão errado para ser ignorada.

"É como se o outro falasse que a opinião da pessoa não importa, que a vontade do abusador é a que vale", afirma Ana Cleyde Carneiro Lima, psicóloga do Hospital Universitário da UFMA (Universidade Federal do Maranhão), que faz parte da Rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).

Por que acontece?

O tratamento do silêncio costuma partir de pessoas que não possuem capacidade de dialogar, ou seja, de ouvir o outro e respeitar outros pontos de vista que não o seu. "A pessoa não sabe o que é assertividade, não consegue resolver conflitos e acaba achando que tem que impor seus pontos de vista sendo agressivo, usando a força", acredita Lima.

Essa postura pode ser tanto um reflexo de imaturidade e falta de inteligência emocional da pessoa como uma "herança" de uma educação autoritária e também silenciadora, sem o incentivo à conversa e ao respeito.

Crianças sofrem mais

Uma das formas mais comuns de aplicação do tratamento do silêncio é na educação de crianças e adolescentes. O comportamento é bastante frequente em famílias que optam por educar os filhos de forma autoritária —sem dar espaço para que eles expressem descontentamento ou contrariedade diante das regras e valores da casa.

O silêncio, então, viria como forma de punir o enfrentamento ou o questionamento, obrigando o filho a mudar seu comportamento "na marra" para voltar a ser considerado parte da família.

O problema é que, especialmente em crianças pequenas, esse tipo de comportamento abusivo pode ser extremamente doloroso. "A criança não sabe interpretar o silêncio e não sabe se aquilo vai ser para sempre", avalia Milito.

Resultado: a vítima passa a se sentir menos merecedora de amor, tem dúvidas sobre a própria importância na vida familiar, começa a duvidar da própria capacidade em se comunicar e pode até começar a acreditar que os próprios sentimentos não têm relevância.

"Isolar alguém é uma forma de castigo. Nós somos seres sociais, precisamos dessa interação", afirma Gi Bauxita, escritora e educadora parental. "O silêncio diante de uma criança chorando, fazendo birra, é uma violência e traz consequências, como toda agressão."

Como lidar?

Se você recebeu o tratamento do silêncio na infância, o primeiro passo é reconhecer que isso é uma forma de violência —mesmo que não tenha chegado às vias de fato. "A ausência de tapa não significa que não houve abuso", reforça Bauxita. Nesse caso, é importante admitir que passou pelo problema e aceitar as emoções que virão a seguir. "É importante permitir sentir tudo para conseguir lidar com os sentimentos e começar o processo de cura", avalia.

Agora, se a indiferença está vindo de um parceiro ou até mesmo um amigo ou colega de trabalho, vale reforçar que você está aberto ao diálogo e que gostaria de conversar para resolver a questão. "Se a pessoa se recusar, não insista, não peça desculpas ou implore por atenção, pois isso só fortalece o abusador", avalia Milito.

Se após alguns dias, ele ou ela voltar a falar com você como se nada tivesse acontecido (o que é bastante comum), é preciso retomar o assunto. "Tem que questionar, perguntar o que houve, por que o sumiço, o que aconteceu para o outro se comportar assim e que não gostou de ter sido tratado dessa maneira", diz o especialista.

Em último caso, vale reavaliar a importância da relação na sua vida e até buscar a ajuda de um psicólogo para navegar melhor por esse processo. "O importante é sempre pontuar e deixar claro que essa forma de abuso não será tolerada", acredita Cleyde.