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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


'Muito controle emocional', conta motorista de ambulância sobre a pandemia

Theo Marques/UOL
Imagem: Theo Marques/UOL

Giulia Granchi

Do VivaBem, em São Paulo

09/10/2021 04h00

Filósofo de formação, Sidnei Rodrigues, na época com 40 anos, passava os dias do ano de 2001 na cidade Lisboa, em Portugal. Era a segunda vez que fazia o país de morada, depois de ter passado por França, Espanha e Inglaterra.

Ele trabalhava em uma empresa fazendo pesquisas e adaptação de brasileiros dentro da área de recursos humanos, mas o local fechou. Com o pai doente em Curitiba, passando por tratamento de câncer, não restaram dúvidas em voltar a sua cidade natal.

Sem conseguir recolocação na área de filosofia e com as contas altas do hospital chegando, ele aceitou trabalhar para um. Ali, não seria médico, mas também teria influência, como motorista de ambulância, em salvar vidas.

Entre suas quase seis décadas de vida, falta pouco para que complete uma inteira de dedicação aos hospitais Grupo Marista, da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Curitiba. Na ponta do lápis, suas funções são sempre as mesmas: transportar medicamentos ou pacientes —seja de um hospital para o outro ou para casa, quando recebem alta.

Ainda que a rota muitas vezes seja igual, por trás de cada viagem há significados muito diferentes —e não só na urgência da condução da ambulância. São histórias de vida, famílias, angústias, tratamentos de longa data e dores agudas. Ele faz questão de lembrar-se o quão importante seu trabalho é, especialmente quando leva outras vidas.

Durante a pandemia, com os hospitais lotados, consequentemente o trabalho aumentou.

Os prontos-socorros fecharam, mas tinha muita gente no hospital. A medida em que recebiam alta, muitos, pelo tempo longo de internação, ficavam debilitados e não conseguiam andar. Era meu papel levá-los para casa, de maca, na ambulância.

Sidnei, motorista de ambulância - Theo Marques/UOL - Theo Marques/UOL
Imagem: Theo Marques/UOL

Mesmo depois que chegam a seu destino final, alguns pacientes se instalam permanentemente na memória do motorista. Foi o caso do retorno de uma idosa que passou muito tempo internada pela covid-19. Ao deixá-la em casa, Sidnei pôde presenciar a festa da família.

"Eles choravam e eu derramei lágrimas junto. Era um caso dado quase como impossível dentro do hospital. Aquela cena proporcionou uma alegria muito grande para mim."

Outra paciente, também uma senhora de idade, estava sendo levada por ele para fazer hemodiálise quando o cilindro de oxigênio acabou no meio do caminho. Ele acionou a sirene e esqueceu qualquer outro problema —naquele momento, só via o caminho. Na corrida contra o tempo, Sidnei chegou primeiro que o último suspiro —e ela voltou a respirar.

Mas apesar do esforço em priorizar a saúde dos passageiros, nem sempre a história termina como o curitibano gostaria. Entre suas lembranças mais marcantes está também o caso de uma jovem com gravidez avançada que sofria de um caso agudo de apendicite, isso antes da pandemia.

"Atravessamos o centro da cidade correndo para chegar à UTI. Era um casal jovem, ainda me lembro do choro do marido. Infelizmente, a criança morreu, mas a mulher sobreviveu. Foi por poucos minutos", lembra, reforçando que uma desatenção no volante pode custar a vida de alguém.

Sidnei, motorista de ambulância - Theo Marques/UOL - Theo Marques/UOL
Imagem: Theo Marques/UOL

Na direção, controle emocional faz diferença

No começo, Sidnei conta que dirigir a ambulância era difícil. "É preciso muito controle emocional", diz ele, que acredita que a especialização profissional em psicologia o permite lidar melhor com a pressão. A experiência ajudou e a habilidade foi sendo conquistada quilômetro por quilômetro.

"Quando você liga a sirene, é um momento de tensão mesmo. O trânsito às vezes não ajuda, os carros não param, há cruzamentos... Mas estou com o paciente e preciso dar o meu melhor. É foco e atenção completa na direção, para não causar um outro problema."

Chegar ao destino no tempo certo —a tarefa mais essencial do trabalho— é sempre recompensador. "É uma alegria muito grande transportar um paciente em situação delicada e depois saber que ele está bem. Alguns, encontro novamente, por continuarem em observação ou tratamento no hospital, quando já estão restabelecidos."

Religioso, no espaço pequeno da ambulância, o motorista, que usa parte do seu tempo livre para ir à igreja com a esposa, vai contra o som alto da sirene e oferece palavras de fé. "São familiares em estado emocional delicado, por isso, procuro sempre dar ânimo a eles. Tenho vivido a felicidade, nesses nove anos e meio, de ver muito mais casos de recuperados do que perdidos."

Sidnei, motorista, dentro da ambulância - Theo Marques/UOL - Theo Marques/UOL
Sidnei, motorista, dentro da ambulância
Imagem: Theo Marques/UOL

Chegada da pandemia exigiu precaução em dobro

Casado há 33 anos, Sidnei e a esposa não puderam ter filhos, mas fazem do convívio familiar, com pais, irmãos e sobrinhos, a principal forma de lazer. "Além de frequentar a igreja, gostamos de fazer refeições juntos, ir ao parque."

Mas, por conta da pandemia, as atividades da família foram suspensas. "Por trabalhar no hospital, tive um cuidado muito grande. Minha sogra de 84 anos, com que passávamos muito tempo, mora perto de nós e não pudemos vê-la por bastante tempo", lembra.

Otimista, embora ainda continue exposto à tensão todos os dias, Sidnei prefere enxergar o hoje com bons olhos. "Alegria é passar em frente às unidades de tratamento de covid-19 nos hospitais onde trabalho e não vê-las lotadas. Conseguimos melhorar a situação. Parecia que nunca ia terminar —e não acabou, mas os casos já diminuíram bastante."

Sidnei, motorista de ambulância - Theo Marques/UOL - Theo Marques/UOL
Imagem: Theo Marques/UOL