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Passar tempo longe demais de quem amamos pode diminuir nosso afeto?

Priscila Barbosa/VivaBem
Imagem: Priscila Barbosa/VivaBem

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

23/06/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Tempo distante pode impactar as relações, mas geralmente quando elas esfriam é porque há outros fatores envolvidos
  • Devido a desejos e necessidades específicas, casais podem estar um pouco mais vulneráveis
  • Ter o mesmo sangue ou anos de amizade também não poupa o esfriamento das relações
  • Estar presente na vida de quem amamos significa dar atenção e investir tempo e cuidados

Relacionar-se à distância, ou mesmo perder o contato frequente se tornou algo normal. Por conta de uma rotina agitada ou de milhares de quilômetros, esse tipo de situação já era comum na vida de muita gente antes de 2020. Porém, com a pandemia do novo coronavírus e a necessidade de isolamento social, o cenário se intensificou, provando para todos no planeta como pode ser ainda mais difícil ficar longe de quem tanto amamos.

Mas depois de tanto tempo longe, o que esperar? É possível reestabelecer o mesmo nível de vínculo afetivo de antes? De acordo com os especialistas ouvidos por VivaBem, não existe uma resposta específica e que sirva igualmente para todos. Como afirma a canção "Oração Ao Tempo", cantada por Caetano Veloso, o tempo é um "compositor de destinos", ou seja, para alguns pode levar a um grande esfriamento, enquanto para outros intensificar a saudade.

Entretanto, nem tudo cabe ao tempo. Há muitos outros fatores envolvidos, explica Blenda de Oliveira, psicóloga e psicanalista pela SBPSP (Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo). "Depende do tipo de relação, de como ela foi construída, se é recente ou não, do grau de afinidade, se envolve expectativas e desejos, do significado e da história que carrega. Quando há amor genuíno e tudo o ele que representa, não há o que altere o envolvimento", garante.

Casais estariam mais vulneráveis

Uma das principais causas de separação é a falta de disponibilidade para o relacionamento. Nesse sentido, o tempo, ou melhor, a ausência prolongada, pode ser a causa ou piorar o que já estava ruim. Mas não é regra, tanto que há milhares de casais que se relacionam virtualmente, às vezes por anos e sem nem mesmo conhecer seus parceiros pessoalmente, e há ainda outros que se encontram poucas vezes na semana, no mês, ou que trabalham em turnos opostos.

Para o relacionamento terminar também não necessariamente precisa estar no começo ou não haver sexo, apesar de serem questões que contam bastante. "A perda do afeto pode ocorrer pela falta do parceiro em demonstrá-lo ou dividir seu dia a dia. Parece simples, mas não é. Muitas pessoas têm dificuldade em se comunicar, expressar sentimentos e emoções e o outro acaba sofrendo com dúvidas, inseguranças e termina", explica Gabriela Luxo, psicóloga, mestre e doutora em distúrbios do desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

A falta da presença priva do contato, da possibilidade de receber e dar amor, carinho, cuidado, importantes para construção e fortalecimento do vínculo. Quando não é apenas emocional, mas também física e principalmente abrupta, essa falta é bastante sentida no início, mas com o tempo a tendência é que se normalize para depois ocorrer, ou não, o esvaziamento do afeto. Mas enquanto para alguns a relação pode se fragilizar, para outros a privação de estar próximo de quem gostamos aumenta a probabilidade de reflexões e de nos empenharmos pelo outro.

Vínculo com família e amigos é maior?

Para os casais pode ser mais complicado, mas muita gente pensa que o vínculo com a família e os amigos permanece inalterado, blindado à passagem do tempo, o que também não é bem assim. Qualquer relação, mesmo as de sangue e duradouras, precisa ser igualmente cultivada. O prejuízo da ausência pode ser até menor, mas não há garantia de que a afinidade entre pais, filhos, avós, amigos não se altere. Crianças, por exemplo, crescem e podem não se interessar como antes, já os idosos podem ficar mais esquecidos, e até a intimidade entre irmãos estremece.

"Pessoas que pertencem a famílias ou grupos numerosos podem ter uma dificuldade maior em se fazer presentes na vida de todos. Apesar de hoje termos a tecnologia a nosso favor, quanto mais frequente a ausência de contato, maior o distanciamento afetivo", explica Larissa Menezes, psicóloga da Clínica Personal, da Central Nacional Unimed, em Salvador (BA).

Os bastante efusivos, apegados, festeiros e que investem muito afeto e energia nas relações talvez se sairiam melhor em tomar a iniciativa para que as relações não se alterem, mas quando não correspondidos, poderiam se desencanar mais facilmente e buscar por quem lhes retribua na mesma intensidade. Já os mais reservados, habituados a não sair muito ou que preferem a própria companhia, estariam sujeitos a sofrer menos com a ausência humana.

Como aumentar a presença

Embora o combo carreira, estudos, pandemia e redes sociais, para citar alguns exemplos, corrobore a dificuldade que a nossa espécie tem enfrentado para se relacionar com qualidade, há uma boa notícia nisso tudo. "A distância emocional tem solução e não necessariamente tem a ver com estar perto", informa Eduardo Perin, psiquiatra e especialista em terapia cognitivo-comportamental pelo HC-USP (Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo).

Para começar, estar presente de verdade envolve prestar atenção ao que as pessoas dizem e fazem, além de tratar como prioridade, mesmo que em poucos minutos e estando em outro continente, o tempo que você dedica a quem você ama. Isso implica em evitar distrações, discussões, ouvir, planejar sonhos juntos, fazer pequenas surpresas, ter lembretes para incluir esses momentos em sua agenda e buscar apoio se tiver dificuldade em demonstrar afeto.

Às vezes nem é preciso muito. Vale perguntar como o outro está, o que fez, dizer um elogio ou um "eu te amo", acenar do portão ou entregar rapidinho compras do supermercado. Mas é preciso que isso se permaneça, fique ativo, sem que as conversas ou atitudes se tornem automáticas. Dê ao outro o que você gostaria de receber. "Para dar certo é preciso que as partes estejam dispostas, se valorizem. Não é porque se gosta que não se precisa dar atenção e cuidar. Relação que não é investida perde a força e tende a ser esquecida", alerta Oliveira.