Topo

Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Mecanismos de defesa são inconscientes e protegem de 'gatilho'; veja alguns

iStock
Imagem: iStock

Heloísa Noronha

Colaboração para o VivaBem

05/05/2021 04h00

Talvez você nunca tenha ouvido falar sobre a concepção de mecanismo de defesa, mas certamente tem usado e abusado de muitos deles ao longo da vida. Alguns, inclusive, em defesa da própria saúde mental.

O conceito foi criado pelo psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939), o "pai" da psicanálise, e aprofundado por sua filha e discípula, Anna Freud (1895-1982). Mecanismos de defesa são subterfúgios criados pelo ego (a concepção que todo mundo tem a respeito de si mesmo) diante de determinadas situações, com o objetivo de proteger a pessoa de prováveis dores, sofrimentos e decepções.

O processo, claro, é inconsciente: ao notar que um certo acontecimento —o chamado "gatilho" — pode causar algum incômodo devido a traumas ou experiências desagradáveis vivenciadas no passado, por exemplo, o ego lança mão de um "escudo" que supostamente tem a função de nos preservar de algo negativo. São reações automáticas, sem intenção definida. Todo indivíduo, ao longo do seu desenvolvimento emocional, forma sistemas de defesa que ajudam a lidar com conflitos emocionais e os desafios e demandas da realidade. Quando um mecanismo de defesa é ativado, ninguém para e pensa: "Agora vou usar tal mecanismo".

Essas estratégias psicológicas realizam uma espécie de ajustamento, buscando minimizar tudo aquilo que seria do nível do insuportável para as pessoas. Elas têm a função de estabilizar a reação diante de um sofrimento emocional, trazendo alívio temporário diante da situação. Portanto, são essenciais ao proteger de conteúdos extremamente aflitivos.

Quais são e quando faz mal

Ao se tornarem hábitos muito frequentes, esses mecanismos podem nos afastar da realidade, transfigurando-se em respostas desadaptativas ou em funcionamentos patológicos. Como toda manobra ou pretexto que as pessoas criam para deixar de enfrentar determinadas situações que causam incômodo, o mecanismo de defesa proporciona uma falsa visão dos fatos, levando, na maioria das vezes, o sujeito a cometer erros ou a tomar decisões equivocadas. Além disso, ele pode afetar a saúde mental e a felicidade quando é muito rígido, inadequado ou leva à distorção da percepção da realidade. Inclusive, o excesso pode favorecer o surgimento de transtornos psicológicos.

A psicoterapia ajuda a compreender melhor toda essa "movimentação" inconsciente e a desenvolver ferramentas para lidar com ela sem prejuízos à saúde mental, mas é possível buscar reconhecer quais os mecanismos de defesa que mais utilizamos e se estão sendo prejudiciais. Conversar com pessoas próximas sobre como nos relacionamos e enfrentamentos nossos problemas pode auxiliar nessa jornada. Entre os mecanismos de defesa mais comuns e recorrentes estão:

Formação reativa

Entra em ação quando a pessoa adota um comportamento exatamente oposto ao do que realmente é sentido ou vivenciado de forma recalcada. Reverte-se na direção contrária ao desejo verdadeiro porque se deixar levar pela vontade original traz sofrimento. Exemplos: mães superprotetoras que compensam uma culpa ou raiva inconsciente do incômodo causado pela chegada dos filhos em suas vidas; parceiro "grudento" que não percebe quão raivoso está de quem diz amar; uma pessoa que tem fantasias sexuais que considera perversas, mas não admite sentir isso e se torna uma pessoa extremamente moralista.

Repressão ou recalque

É a ruptura do afeto e da representação ligada a um acontecimento traumático que, por sua vez, é empurrado para o inconsciente —deixando, entretanto, reminiscências. A pessoa tende a esquecer situações que foram desagradáveis, que causaram sofrimento. Entretanto, se ela não enfrentar esse medo, ele permanecerá com ela a vida toda e sempre que se deparar com um contexto que a faça lembrar do trauma, o medo voltará, causando ansiedade.

É o que acontece em casos de abusos sexuais ou psicológicos na infância. Também configura a tentativa de fazer desaparecer da mente os impulsos ameaçadores ou sentimentos e desejos vistos como inoportunos e desagradáveis. O mecanismo atua como como uma segunda censura, levando para o inconsciente sentimentos socialmente reprováveis —como o desejo por alguém tido como "proibido", por exemplo. Alguns elementos surgem de forma simbólica nos sonhos.

Negação

A pessoa nega um fato que aconteceu, se recusa a aceitar a verdade ou a realidade, não apenas para os outros, mas para si mesma. Há o bloqueio do reconhecimento de uma verdade incontestável (dolorosa ou inoportunamente prazerosa). Um exemplo emblemático é o de pais que se recusam a lidar com a sexualidade dos filhos ou simplesmente se negam aperceber que eles cresceram. A negação da pandemia e das consequências da contaminação do coronavírus também serve como "amostra".

Projeção

Mecanismo em que a pessoa atribui a alguém uma característica dele e que normalmente não aceita ou não vê com bons olhos —inveja, vontade de cometer uma traição, raiva, críticas etc. Trata-se sempre de rejeitar o que se recusa a reconhecer em si ou o que se recusa ser.

Sublimação

Consiste no ato de transformar ou substituir o desejo que "escapa" do recalque, conservando seus elementos principais, mas se satisfazendo de outro modo que seja socialmente aceitável. A pessoa canaliza sentimentos, desejos e pensamentos em comportamentos socialmente aceitáveis, como praticar uma arte marcial como forma de conduzir melhor tendências de agressividade.

Regressão

A regressão é um retorno a formas anteriores do desenvolvimento do pensamento, das relações e da estruturação do comportamento. Os sonhos, por exemplo, são uma forma de regredir ou revisitar situações ou pensamentos recalcados em outra região temporal que, muitas vezes, não foram resolvidos de forma satisfatória. Exemplos: choro compulsivo quando não se atinge uma expectativa almejada ou quando um adulto ou mesmo uma criança usa estratégias infantis para resolver algo, dizemos que ele regrediu.

Fontes: Adriane Branco, psicóloga especialista em TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental) pelo CPCS (Centro Psicológico de Controle do Stress) e pesquisadora do CEPCoS (Centro de Estudos e Pesquisas em Comportamento e Sexualidade), ambos em São Paulo (SP); Bruna Richter, graduada em Psicologia pelo Centro Universitário IBMR e em Ciências Biológicas pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pós-graduanda em psicologia positiva pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro); Gisele Gomes, psicanalista e professora de teoria psicanalítica freudiana na RNA Clínica e Escola de Psicanálise, em São Paulo (SP); Simone Gomes, psicóloga do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo (SP).