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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Saber dizer "não" é importante para a vida, mas como aprender a fazer isso?

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Heloísa Noronha

Colaboração para o VivaBem

07/04/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Pessoas que evitam impor suas vontades e aceitam tudo podem ter medo de frustrar o outro e estragar relações
  • Realmente, dizer "não" implica em frustrar o outro e impor limites, mas também reconhecer em si os próprios limites. É uma tarefa de autoconhecimento
  • Entenda que dizer "não" não tem nada a ver com falta de amor. Pelo contrário, quem ama diz "não" para proteger a relação, a si mesmo e o outro

Ao dizer sim, quando, intimamente, queriam dizer justamente o contrário, muitos se sujeitam a situações que lhes causam prejuízos. Compram coisas que não desejam por dificuldade de se impor à insistência do vendedor, comparecem a compromissos indesejáveis e aturam relacionamentos tóxicos e/ou abusivos. Essas são inúmeras as circunstâncias que tanta gente por aí aguenta por medo ou incapacidade de falar um sonoro "não". É uma dificuldade que não se supera de uma hora outra, mas que pode, sim, ser vencida com algumas mudanças de atitude.

A primeira delas, segundo o psicólogo e psicanalista Ronaldo Coelho, de São Paulo (SP), é compreender que dizer "não" implica em frustrar o outro e colocar limites, mas também reconhecer em si os próprios limites. "Muitas pessoas aprendem que amar verdadeiramente o outro significa não dar limites a ele, como se amar fosse nunca frustrar e permitir que o outro faça o que bem entender", diz.

Essa é uma ideia perigosa, pois quando permitimos tudo, damos espaço para construirmos uma relação ruim, que muitas vezes se torna insustentável, insuportável, abusiva. O limite é a condição de uma boa relação, é ele que define o que é bom e o que é ruim, permitindo que seja praticado o que faz bem a ambos e deixando de fora tudo o que faz mal.

Para Luiz Gonzaga Leite, coordenador do Departamento de Psicologia do Hospital Santa Paula e Instituto de Oncologia Santa Paula, em São Paulo (SP), em muitos casos a dificuldade de falar "não" surge na infância. "A criança pode desenvolver a fantasia de que para ser amada precisa sempre dizer 'sim' e tal comportamento se torna parte da personalidade, acompanhando o indivíduo na vida adulta e gerando sérios transtornos à vida pessoal", comenta.

Além disso, pais que acreditam que o amor verdadeiro é o incondicional tendem a entender a frustração como falta de amor. Essa "verdade", que muitas vezes é inconsciente, é transmitida aos filhos.

Amar tem mais a ver com não abandonar do que com satisfazer as vontades do outro. E é isso que temos que ensinar às crianças".

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Para algumas pessoas dizer "não" é sinônimo de magoar alguém, de entrar em uma discussão com prejuízo para relações sociais
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Impacto na saúde mental

Quem tem dificuldade em dizer "não" costuma ter uma estrutura de ego frágil. São pessoas que não se conhecem bem e, por isso, não respeitam seus próprios limites. "Muitas têm dificuldade de se colocar diante da vida e dos outros, mas é necessário aprender que em determinadas circunstâncias se impor e dizer um 'não' é a palavra mais adequada e bondosa que podemos dizer a alguém", diz Leite.

Para Gabriela Malzyner, psicóloga, psicanalista e professora do curso de formação em psicanálise do CEP (Centro de Estudos Psicanalíticos), em São Paulo (SP), na ânsia de não magoar os outros, há quem acabe machucando emocionalmente a si mesmo. "O impacto de não saber pontuar limites é um grande sofrimento psíquico que abala as estruturas internas e a saúde mental", explica.

Quando ficamos muito responsivos, agindo o tempo todo com objetivo de agradar ao outro, sem nos darmos conta do que realmente queremos, do que realmente a nós é importante, não são apenas os limites do que é bom ou ruim na relação que se apagam, mas principalmente os próprios limites do eu.

É comum essa pessoa não saber do que ela gosta e do que não gosta, do que faz bem ou mal a ela, do que é bom ou ruim. Ela perde a capacidade de realizar julgamentos importantes para sua vida. É como se ela sempre precisasse do olhar do outro, do julgamento do outro para decidir sobre a própria vida, as próprias vontades e desejos. "A pessoa vai gradualmente se aniquilando e criando situações sociais, emocionais e financeiras com as quais não consegue lidar com o passar do tempo. Isso pode causar transtornos somáticos, ou seja, o adoecer. Muitas vezes, a doença é um simples 'não' que a pessoa não conseguiu verbalizar", observa Leite.

Como romper o padrão?

Como internalizar a ideia de que falar "não" em certas circunstâncias é algo saudável e aprender a dizer "sim" aos próprios limites? Para Ronaldo Coelho, o passo inicial é entender que a tentativa de preservar algo ou alguém pode produzir justamente o efeito contrário ao desejado.

"Quando protegemos o outro da frustração, estamos criando condições para que ele fique atrofiado diante da vida. Imagine que quando nos frustramos é como se caísse um peso sobre a gente. Para conseguir retirar esse peso, precisamos de musculatura. Se somos protegidos da frustração, nós não desenvolvemos essa musculatura. Ficamos atrofiados e, quando o peso cai sobre nós, ficamos arrebatados, não conseguimos lidar", explica. Quando protegemos o outro da frustração, estamos fazendo mal a nós mesmos, por permitir algo que a nós não é bom, mas também fazendo algo de ruim ao outro, pois irá atrofiar sua "musculatura" psíquica.

A seguir, veja outras sugestões para quebrar esse padrão:

  • Entenda que dizer "não" não tem nada a ver com falta de amor. Pelo contrário, quem ama diz "não" para proteger a relação, a si mesmo e o outro;
  • Você pode, sim, ser uma pessoa que tem limites, e ter limites é bom! São os limites que tornam você uma pessoa única e autêntica;
  • Se necessário, diga ao outro que seu "não" nada tem a ver com falta de amor e explique seus motivos, o porquê de você não poder atender aquele desejo ou vontade;
  • Diante de uma necessidade do outro que não possa atender, você ainda pode ajudá-lo a encontrar saídas, mesmo que quem tenha que fazer algo seja a própria pessoa;
  • Saiba que, em última instância, somente você é quem pode saber se algo lhe faz bem ou mal. Então, somente você pode comunicar esse limite ao outro. Se não comunica, está deixando de fazer a sua parte para a construção de um relacionamento saudável e, quando ele se tornar insustentável, você já sabe onde está a sua parcela de responsabilidade;
  • Pratique o autoconhecimento. Precisamos conhecer e respeitar os nossos limites, ao mesmo tempo que ajudamos os outros a perceber os limites da vida e dos outros. Se possível, faça psicoterapia. Isso ajuda no autodescobrimento e, consequentemente, a se respeitar;
  • Liste as consequências. Escreva duas listas (dizer sim/dizer não) e avalie as possibilidades;
  • Aceite que não é culpa sua a pessoa que pede algo estar na situação em que se encontra. Você pode encontrar quem não aceite ouvir um "não", e é justamente para essas pessoas que você deve dizer um "não";
  • Se alguém reage mal, é um problema da pessoa, que não sabe lidar com frustração. Não tome para você o que não é seu;
  • Fale para a pessoa que não poderá fazer o que ela lhe pediu, mas diga que teria prazer em contribuir de outra forma;
  • Ganhe tempo. Se você não consegue negar imediatamente, peça um tempo para pensar.