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Sonhos premonitórios: por que às vezes parece que acontece o que sonhamos

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Imagem: iStock

Simone Cunha

Colaboração para o VivaBem

04/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • É normal sonharmos com o que imaginamos para o futuro, ainda mais sobre problemas do presente, por isso o sonho pode criar um oráculo probabilístico
  • É comum que os desejos do inconsciente se manifestem nos sonhos e depois ele direcione nossas ações para que aquele desfecho sonhado se concretize
  • Alguns hábitos podem ampliar essa conexão, pois quanto mais ela é valorizada, mais o fenômeno ocorre

Os sonhos sempre foram motivo de assombro para o ser humano, desde o começo da humanidade, quando as pessoas não sabiam muito bem o que eles eram e representavam. E até hoje muitos acreditam que há algo de sobrenatural nessas imagens noturnas que nosso cérebro produz. Será que sonhos premonitórios existem?

Para começar a investigar isso, é preciso entender o que são os sonhos. Eles têm papel essencial na reorganização da atividade psicológica: durante a noite, sonhar permite acessar o imenso banco de memórias latentes chamado inconsciente. "Sonhar tem grande importância para a saúde, pois permite processar e ressignificar memórias, atenuar emoções negativas e encontrar soluções criativas para problemas complexos" garante o neurocientista Sidarta Ribeiro, do Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).

O neurocientista diz ainda que o inconsciente é construído pelas memórias do que já foi vivido, mas sua reativação e recombinação, motivadas pelos desejos e temores de quem sonha, permite simular o presente e mesmo o futuro, criando um oráculo probabilístico muito importante. Ou seja, nem tudo que sonhamos vai acontecer, mas há sim uma probabilidade dos sonhos que projetam o futuro se tornarem realidade.

Não é feitiçaria, é psicologia!

Antes de tudo, é importante deixar claro como é comum sonhar com algum problema ou situação que nos está incomodando no dia a dia. Tanto que há diversos casos na história da ciência de problemas solucionados após o estudioso repousar a cabeça no travesseiro. Foi o caso da geometria analítica desenvolvida por René Descartes (1596-1650), o anel benzênico descoberto por August Kekulé (1829-1896) e a tabela periódica de Dmitri Mendeleiev (1834-1907).

Acontece que todos nós sabemos como é a sensação da passagem de tempo e como é quando algo que era futuro vira passado. Por isso, para o psicanalista Guilherme Ponce, doutor em Psicologia Clínica pelo Núcleo de Subjetividades da PUCSP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) os sonhos têm uma ótima relação com o futuro e em fazer uma simulação realista dele. "Por isso, nem sempre precisam prevê-lo, mas nos ajudam a senti-lo, respeitá-lo e a tentar construí-lo", completa. Por terem conteúdo normalmente metafóricos, eles costumam muitas vezes apontar os caminhos que desejamos que os eventos tomem.

Mas onde entra a previsão do futuro nisso? É comum sonharmos com situações que são importantes para nós e muitas vezes o nosso inconsciente nos leva a ter ações que nos aproximam do desfecho desejado no sonho. "Desejos inconscientes podem, pela força que exercem, encontrar na realidade ou dias seguintes uma 'confirmação real'. Um sonho pode predizer algo, pois os pensamentos do desejo inconsciente não morrem e nos impulsionam para a realização", afirma o psicanalista Daniel Delouya, membro efetivo e analista didata da SBPSP (Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo).

Algumas pessoas, no entanto, são mais sensíveis a esses sinais do inconsciente. Ribeiro confirma que questões culturais interferem muito: religiosidade, meditação, acesso às artes são hábitos que podem ampliar essa conexão. "Quanto mais a gente valoriza, mais o fenômeno ocorre", garante.

Mas como posso lembrar dos meus sonhos?

"A capacidade de relembrar e interpretar os próprios sonhos aumenta bastante nossa flexibilidade cognitiva, permitindo um mapeio mais fino dos múltiplos caminhos que podem ser tomados a cada instante", destaca Ribeiro. E para ajudar a memorizar toda essa vasta informação oferecida durante o sono, anotar os sonhos é uma das técnicas mais eficazes. E aqui vai uma dica: antes de dormir, mentalize 10 vezes a seguinte frase: "vou sonhar, vou lembrar e vou relatar". Ao despertar, fique imóvel na cama e faça um esforço para se lembrar do sonho. Em seguida, pegue papel e caneta e anote tudo que vier à mente. Realize esse procedimento todas as manhãs.

Toda memória precisa de um tempo de consolidação. "Ao acordar não se levante de repente e deixe a memória se consolidar", confirma Sergio Spritzer, docente na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). E é importante entender que a análise do que foi anotado pode seguir uma linha de interpretação psicanalítica (buscando motivações voltadas para o passado) ou mais cognitivista, sobre como a mente oferece cenários de futuro.

De acordo com Delouya, o inconsciente está sempre em ato. Por isso, não dá para garantir que é possível conseguir por meio do sonho uma premonição exata. "Mas, a mensagem diz respeito à natureza dos pensamentos inconscientes que sempre são vinculados aos outros e ao mundo no qual estamos inseridos". E sua natureza é de buscar a realização, por isso vale dar mais atenção aos sonhos e buscar ajuda —se necessário — para interpretá-los.