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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nos cinco anos de PrEP no SUS, Brasil atualiza e amplia suas recomendações

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

09/09/2022 04h00

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Há cerca de cinco anos, iniciava-se no Brasil o debate sobre a incorporação da Profilaxia Pré-Exposição ao HIV, ou PrEP, no SUS (Sistema Único de Saúde). Essa não foi uma discussão rápida nem fácil, pois, mesmo que a PrEP já tivesse se mostrado eficaz, segura e custo-efetiva em diferentes estudos, naquela época ainda havia quem se posicionava publicamente contra o seu uso, bloqueando sua implementação.

Foi somente no final de 2017 que a Conitec, comissão do Ministério da Saúde que avalia a incorporação de novas tecnologias, bateu o martelo autorizando o início da implementação da PrEP no sistema público de saúde brasileiro.

Inicialmente, foi determinado nesse processo que a distribuição da PrEP seria restrita e monitorada, havendo indicação do seu uso apenas para quatro dos grupos mais vulneráveis ao HIV: homens gays ou bissexuais, pessoas transexuais, trabalhadores do sexo e parceiros de pessoas que viviam com HIV. E mesmo fazendo parte de um desses grupos, a PrEP era indicada somente quando havia o relato do uso inconsistente do preservativo nas relações sexuais.

Nesses cinco anos que se passaram, o número de serviços que fazem o atendimento de PrEP e de usuários desse método de prevenção em todo país se multiplicou. Entretanto, embora todas as Unidades da Federação já tenham iniciado esse atendimento, é evidente que ainda existe uma desigualdade gritante no acesso à PrEP no Brasil.

Segundo dados do Relatório de Monitoramento Clínico de PrEP do Ministério da Saúde, publicado no último mês, a maior parte dos usuários de PrEP no Brasil está no estado de São Paulo (46%), é homem gay/bissexual (85%), tem mais de 30 anos de idade (64%), completou o ensino médio (72%) e se autodeclara como branco ou amarelo (57%).

Os números preocupam. Não porque os homens gays, brancos, de meia idade, com nível superior e paulistanos não deveriam estar recebendo a PrEP do SUS, mas porque os números escancaram a desigualdade de acesso à informação e saúde no país, o que deixa um oceano de pessoas vulneráveis ao HIV, como os negros, periféricos, trans e menos escolarizados, distantes do benefício da prevenção da PrEP.

Com objetivo de desafogar os serviços do SUS, desde julho do ano passado é permitida a retirada da PrEP gratuitamente pelo SUS por pacientes acompanhados por médicos particulares ou do convênio. Após seis meses dessa determinação, 13% das dispensações da PrEP pelo SUS já eram feitas para pacientes do sistema privado de saúde.

Outro ponto que merece atenção é que no protocolo de PrEP de 2018, a prescrição devia ser restrita a maiores de 18 anos de idade. Enquanto isso, no Brasil, é entre os homens mais jovens que ocorreu o maior aumento de incidência de HIV durante a última década.

Prestes a completar cinco anos, o protocolo clínico que norteia o atendimento de PrEP no Brasil foi revisto pela Conitec e sua atualização acabou de ser publicada pelo Ministério da Saúde. Entre as novidades, a mais importante é a esperada ampliação da indicação do uso de PrEP para qualquer pessoa que viva sob risco de infecção por HIV, independentemente de pertencer ou não a um daqueles quatro subgrupos.

A PrEP agora pode ser prescrita também para qualquer indivíduo com mais de 15 anos de idade sem a necessidade da presença ou autorização dos seus pais. Como argumento para essa decisão, o protocolo se embasa no Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina que deve ser garantido a essa população o acesso a serviços, orientações e consultas de saúde.

Além disso, o novo documento regulamenta de forma definitiva a possibilidade de prescrição da PrEP por profissionais da enfermagem, simplifica a rotina de coleta de exames laboratoriais para indivíduos com menos de 50 anos e saudáveis e se alinha à OMS (Organização Mundial da Saúde) ao recomendar uma dose de ataque de dois comprimidos da PrEP no primeiro dia, para que desde o início já promova prevenção contra o HIV.

Por outro lado, a versão atualizada do protocolo brasileiro de PrEP falha ao não incorporar a PrEP Sob Demanda, forma alternativa de tomada dos comprimidos, não menos eficaz na prevenção, mas com menos efeitos colaterais renais que a tomada diária. A PrEP Sob Demanda já é recomendada pela OMS desde 2019 e utilizada no Brasil de forma off-label por centenas de brasileiros.

Assim como a ciência, a resposta brasileira para o controle da epidemia de HIV/Aids é dinâmica e está sempre se renovando. Vamos celebrar os avanços da nova atualização do protocolo de PrEP e continuar cobrando a incorporação das novidades que surgirem dentro da prevenção do HIV e de outras IST (infecções sexualmente transmissíveis).