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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quando a prevenção incomoda

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

25/03/2022 04h00

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Eu tinha certeza de que ia acontecer.

Foi na primeira segunda-feira depois que o governador assinou o decreto que encerrava a obrigatoriedade do uso de máscaras em lugares fechados. Estava eu no canto da academia deitado em meu colchãozinho, sofrendo para terminar a série de abdominais, quando fui abordado por um senhor inconformado me questionando:

- Por que você está usando máscara?

Em 3 segundos, toda a minha carreira acadêmica de estudo e pesquisa em prevenção de HIV e outras ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) passou pela minha cabeça, fazendo paralelos e estabelecendo conexões, até que respondi:

- Porque eu consigo continuar usando a máscara.

Pela expressão facial do interlocutor, que estava sem máscara, nitidamente a minha resposta incomodou. Apesar disso, a conversa se encerrou ali mesmo.

Desde que escolhi continuar usando a máscara em alguns lugares fechados, eu já sabia que teria que passar por essa situação por perceber que no Brasil existe muita confusão na compreensão dos objetivos das ações de prevenção individuais e coletivas. Muita gente ainda tem dificuldade para entender que se cada um fizer o que tiver vontade, a chance da saúde pública ir bem é pequena.

Minha escolha se baseou em 3 elementos simples:

1. Ainda temos uma epidemia de covid-19 em atividade no Brasil;

2. Máscaras são eficazes tanto para me proteger quanto para evitar que eu transmita o coronavírus para as pessoas ao meu redor;

3. Estou adaptado ao uso da máscara durante o treino na academia.

Um método de prevenção só vai cumprir seu objetivo se for usado corretamente, sobretudo no momento da exposição ao risco de uma infecção. Isso vale para a covid-19, dengue ou o HIV.

O uso da camisinha, por exemplo, é uma excelente maneira de se evitar uma IST, no entanto, ainda que pareça óbvio, é bom lembrar que ela só vai proteger quem de fato a utilizar nas suas relações sexuais.

Nesse ponto, admito que concordei com o ministro da saúde Marcelo Queiroga quando ele disse no ano passado que não se pode obrigar uma pessoa a usar a camisinha por meio de uma lei. Mas acredito de verdade que, com uma educação em saúde de qualidade embasada em conhecimento científico, poderíamos ensinar a população vulnerável a gerenciar os seus riscos e encontrar os métodos de prevenção eficazes que cada pessoa é capaz de usar.

Para o HIV, chamamos essa abordagem de Prevenção Combinada. Por que não encarar da mesma forma a prevenção da covid-19? Em uma epidemia, quanto maior for o número de pessoas em uma população usando algum método de prevenção eficaz, menor será o registro de casos e mortes por uma doença transmissível. Não importando aqui se estamos falando de máscaras, vacinas, camisinha ou PrEP.

A própria PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV), logo que começou a ser usada no Brasil em 2014, provocou reações negativas contra os seus usuários dentro da comunidade LGBTQIA+. Eram comuns os relatos de abordagens agressivas em aplicativos de encontros ou em rodas de amigos com o questionamento "Por que você usa PrEP? Não basta usar a camisinha?". Conforme os conceitos da Prevenção Combinada foram sendo incorporados, a rejeição à PrEP se converteu em interesse.

Os psicólogos dirão que aquilo que o incomoda em outra pessoa na verdade está dentro de você. O senhor desmascarado que me abordou na academia provavelmente ficou incomodado porque eu o lembrei de que se estivesse usando uma máscara ele estaria mais bem protegido contra a covid-19.

Cada pessoa enfim só incorpora à sua vida as medidas de promoção de saúde que consegue. Mas enquanto existir pandemia de covid-19, o que não pode acontecer é uma máscara incomodar mais ao entorno do que à pessoa que a está vestindo.