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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Estudo de PrEP com antibiótico tem zero casos de clamídia e sífilis

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

16/04/2021 04h00

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Um trabalho apresentado no mês passado durante a última Conferência Mundial de HIV agitou o mundo da prevenção de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis). Segundo o estudo, o uso de um antibiótico diariamente talvez possa ajudar na redução dos casos de sífilis e clamídia, infecções que ainda se disseminam de forma descontrolada em todo o mundo.

A ideia de realizar a pesquisa teve embasamento em dois fundamentos. O primeiro foi a já conhecida redução em mais de 90% nas infecções por HIV proporcionada pela PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) quando tomada corretamente. O segundo foi o resultado de um estudo já discutido nessa coluna que apontou redução significativa nos casos incidentes de sífilis e clamídia com a tomada do antibiótico doxiciclina depois das relações sexuais.

Se um antibiótico parece funcionar como uma PEP (Profilaxia Pós-Exposição) às ISTs bacterianas, será que funcionaria para esse fim se tomado diariamente, como uma PrEP para ISTs?

Pensando nisso, um grupo de pesquisadores de Vancouver, no Canadá, desenhou um pequeno estudo para testar essa hipótese. Foram recrutados 52 participantes entre homens gays e mulheres transexuais, todos eles vulneráveis às ISTs e em uso de PrEP diária para prevenção do HIV.

Os participantes incluídos foram sorteados para receber, desde o início do estudo, um comprimido por dia de doxiciclina por um período de 1 ano ou para iniciar o acompanhamento sem tomar antibiótico e iniciá-lo somente a partir de 6 meses de acompanhamento.

Nas visitas de retorno trimestrais foi realizada a testagem de sífilis, gonorreia e clamídia, além de exames para avaliar a mudança do perfil de resistência a antibióticos da flora bacteriana dos participantes e para medir a adesão aos comprimidos prescritos por meio de dosagem das drogas no sangue.

Ao final de um ano de acompanhamento, nenhum participante em uso de doxiciclina teve qualquer diagnóstico de infecção por sífilis ou clamídia. A análise estatística mostrou, no entanto, que devido ao baixo número de casos de sífilis diagnosticados entre os participantes como um todo, somente a redução na incidência de clamídia pode ser atribuída à doxiciclina. Como esperado, não houve diferença entre os casos de gonorreia nos dois grupos, uma vez que os gonococos com frequência já são resistentes a esse antibiótico.

A adesão aos comprimidos prescritos foi considerada excelente no grupo que tomou o antibiótico desde o início, com quase 90% das doses tomadas corretamente. E a proporção de bactérias resistentes à doxiciclina na flora bacteriana dos participantes aumentou de 1/3 para 1/2 ao longo do estudo.

O desenvolvimento de resistência bacteriana é a grande preocupação dos pesquisadores em relação ao uso de PrEP ou PEP com antibióticos para a prevenção de ISTs bacterianas. Assim, para compreender melhor a eficácia protetora das duas estratégias e a seleção de bactérias resistentes que seu uso pode causar, o mesmo grupo de pesquisadores vai iniciar agora um grande estudo chamado DISCO, que disponibilizará doxiciclina como PrEP ou PEP para 500 participantes.

Por ora, o uso do antibiótico com esse fim é desaconselhado fora do contexto de pesquisa clínica, e enquanto aguardamos resultados conclusivos sobre essa questão, devemos explorar ao máximo a Prevenção Combinada que já temos disponível, usando o máximo de camisinha possível nas relações sexuais e mantendo sempre em dia o rastreamento das ISTs.

Diferente do que tem dito por aí alguns dos nossos governantes, existe, sim, muita ciência envolvida na prevenção e no tratamento do HIV e de outras ISTs desde a década de 1980. Tudo aquilo que não se mostra eficaz deixa de ser usado, enquanto o que se mostra promissor é mais bem estudado.