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Paulo Chaccur

REPORTAGEM

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O que acontece com o nosso coração quando estamos debaixo d'água?

Tati Vasconcelos/All Angle
Imagem: Tati Vasconcelos/All Angle

Colunista de VivaBem

16/10/2022 04h00

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Creio que a grande maioria das pessoas concorda comigo: não há nada como um mergulho refrescante em um dia de sol e calor na praia, na beira de um rio ou cachoeira. Aquela sensação boa de ter o corpo revigorado. No momento em que entramos na água, nosso organismo começa a passar por uma série de adaptações.

O coração, inclusive, que é um dos principais participantes nesse processo, junto com o cérebro e os pulmões, órgãos que também enfrentam mudanças e trabalham em parceria para atender as demandas desencadeadas quando submergirmos.

E quanto mais fundo vamos, mais intensas são as modificações e necessidades de ajustes. Isso porque o mergulho nos submete a muitos efeitos e fatores, que envolvem a temperatura corporal, exposição a gases hiperbáricos, variações de pressão, alterações respiratórias, exigências físicas e quadros de estresse, entre outros.

1º: as mudanças na temperatura

Na água, o corpo esfria muito mais rápido porque não pode controlar a temperatura como faz em terra. Por isso, dizemos que o líquido tem alta condutividade térmica. Nossa temperatura corporal, que se mantém em torno de 36ºC, tende a baixar quando mergulhamos —e por isso os mergulhadores precisam de roupas especiais.

Essa queda na temperatura pode desencadear diversas alterações bioquímicas e físicas. Se for brusca, ocorre o que chamamos de choque térmico, causando um grande estresse no organismo, especialmente para o coração e o sistema circulatório.

É provável que ocorra um aumento da frequência cardíaca. Os vasos sanguíneos periféricos, aqueles que chegam às extremidades do corpo (como mãos e pés), se estreitam em resposta ao frio para tentar reduzir a perda de calor pela superfície da pele, condição conhecida como vasoconstrição periférica.

O que acontece no sistema cardiovascular a partir daí?

O corpo passa a enviar mais sangue ao coração, que sai das extremidades, seguindo pelas pernas e braços, e toma a direção do centro do peito, a região torácica. Isso aumenta o volume de sangue depositado nos vasos sanguíneos dos pulmões e do coração em até 700 mililitros —o coração passa a absorver cerca de 180 a 240 mililitros de sangue a mais.

Por esse motivo, é necessário um esforço extra para respirar. Além disso, o quadro provoca o aumento da pressão de enchimento no lado direito do coração, que precisa trabalhar no bombeamento de sangue de forma mais intensa para manter o fluxo adequado. O resultado é um crescimento de mais de 30% no débito cardíaco (volume de sangue sendo bombeado pelo coração em um minuto) e a elevação leve da pressão arterial.

Os efeitos iniciais tendem a passar dentro de minutos, mas o quadro pode ser particularmente problemático para algumas pessoas, em especial aquelas com questões cardiovasculares. Por essa razão, ter um coração saudável é de fundamental importância em qualquer mergulho, mesmo o recreativo, pois acarreta um consumo de energia corporal que pode ser grande.

2º: a influência da pressão

O volume do nosso corpo tende a diminuir com o aumento da pressão ao redor. Aqui, essa pressão é exercida pela água junto com o ar da superfície. Quando um indivíduo mergulha, a alta pressão externa a que se submete passa a comprimir, praticamente, todas as partes do corpo enquanto permanece submerso.

Quando mergulhamos, aproximadamente nos primeiros 10 metros debaixo d'água, os pulmões, ainda cheios de ar, nos impulsionam em direção à superfície. A essa profundidade, eles são estimulados a se contraírem até a metade do seu tamanho normal. A partir dessa profundidade, a pressão dobra e os pulmões são estimulados a se contraírem até a metade do seu tamanho normal. Ao seguir afundando, é possível relaxar e começar a descer sem esforço. A sensação é então de ser puxado para baixo. A cerca de 30 metros, a pressão fica três vezes maior do que a que já temos na superfície terrestre —que é 1 atm.

Isso exige um esforço adicional do coração: devido à alta pressão, o órgão precisa de mais força para que o sangue possa alcançar todos os tecidos, principalmente nas extremidades. Além disso, ao nível do mar, os pulmões têm a capacidade de comportar de quatro a seis litros de ar.

Ao mergulhar, por exemplo, a 20 metros, como a pressão praticamente dobra, a capacidade pulmonar cai pela metade. Ou seja, os pulmões passam a comportar, em média, de dois a três litros de ar —o que explica a pressão no tórax que mergulhadores sentem em grandes profundidades.

E respirar sob pressão aumentada também afeta o coração e o sistema circulatório. Causa vasoconstrição, aumenta a pressão sanguínea e reduz o ritmo e débito cardíaco. A frequência passa a ser mais lenta para ajudar a conservar o oxigênio (o que permite mergulhar mais profundamente por mais tempo). Para se ter ideia, a frequência cardíaca pode chegar a metade das taxas normais em repouso —a média é de 60 a 100 batimentos por minuto.

Relação com o cérebro

Nosso sistema nervoso autônomo (SNA), responsável por regular as funções internas, tais como frequência cardíaca, respiratória e digestão, também é afetado pelo mergulho. Para entender melhor, aqui vale um parêntese: o SNA é composto pelos sistemas simpático e parassimpático. Enquanto o simpático governa a resposta "luta ou fuga", o sistema parassimpático controla as funções de repouso e ajuda na conservação de energia.

Em indivíduos saudáveis, o mergulho geralmente aumenta os efeitos parassimpáticos, preservando o ritmo cardíaco. No entanto, um mergulho percebido como estressante pelo organismo, vai levar o sistema nervoso autônomo para a outra direção e efeitos simpáticos passam a prevalecer. Ocorre a elevação da frequência cardíaca e um aumento do risco de arritmia, entre outras consequências.

Riscos

A maioria dos efeitos que o mergulho tem sobre os pulmões, coração e sistema circulatório está dentro da capacidade de adaptação do nosso corpo. Entretanto, isso para pessoas saudáveis, fisicamente ativas e que tomam os devidos cuidados.

É importante ter em mente que em qualquer situação, seja um simples mergulho na praia ou com alta profundidade em alto mar, podem surgir condições e circunstâncias perigosas que exijam mais do organismo sem aviso prévio.

Um mergulho corriqueiro no mar, por exemplo, nos pede atenção, em especial, ao choque térmico e excesso de esforço físico, dependendo da condição de saúde. Apesar de menos preocupantes, podem desencadear reações adversas, inclusive graves, a exemplo de arritmias agudas e até a morte súbita.

Estatísticas apontam que cerca de um terço de todas as fatalidades envolvendo o mergulho estão associadas a um evento cardíaco agudo, como o infarto, provocado por esforço: nadar contra a corrente, em ondas fortes ou sob condições de flutuabilidade negativa.

Já os mergulhos em profundidades maiores precisam de mais cuidados e preparo. Entre os riscos podemos mencionar complicações em decorrência da reação periférica de vasoconstrição, hipoxia progressiva (ou falta de suprimento adequado de oxigênio), a bradicardia (batimento cardíaco lento e irregular), a taquicardia (batimento cardíaco rápido e irregular), condições capazes de levar a morte repentina, especialmente em indivíduos com anomalias de ritmo preexistentes, doenças cardíacas estruturais ou isquêmicas.

Outro problema apresentado nos mergulhos em alta profundidade —feito com o uso de equipamentos— diz respeito à descompressão rápida. Dependendo do tempo e profundidade, parte do nitrogênio presente no sangue passa a ficar em estado líquido.

Caso o mergulhador suba rápido demais à superfície, esse nitrogênio retorna subitamente para sua forma gasosa e os pulmões não conseguem liberá-lo com velocidade. Assim podem se formar bolhas de gás nitrogênio nos tecidos e vasos sanguíneos, o que pode causar embolias e lesões, sendo as mais graves no sistema nervoso, e até a morte.

Benefícios

Mergulhar não envolve apenas viver a experiência de descobrir o mundo subaquático, mas pode ser incorporado entre as práticas físicas, fator importante para a saúde do coração. Ao mergulhar e nadar trabalhamos todos os músculos, aumentando nossa capacidade cardiorrespiratória, elasticidade e força. O mergulho autônomo, realizado com equipamentos, pode ser uma atividade recreativa atrativa para pessoas de todas as idades.

Porém, a primeira coisa a ser considerada é ter uma boa condição física, que inclua tolerância adequada ao exercício, peso saudável e uma consciência clara de suas condições clínicas. Como vimos, assim como outros exercícios, dependendo das circunstâncias, esse também pode exigir bastante esforço do corpo, inclusive do coração.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, o mergulho autônomo sempre é realizado com equipamentos.