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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Será que a vacina evitaria a covid-longa? Tudo indica que sim

Colunista do UOL

14/10/2021 04h00

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Quando escuto a pergunta de por que raios alguém deveria se vacinar contra a covid-19 se, mesmo assim, ainda poderá pegar a doença se não sair de máscara e se comportar como gente grande em uma pandemia, a primeira resposta é: para escapar de uma UTI e continuar vivo ou, ainda, se quiser realmente ser um cidadão bacana, para fazer a sua parte para que os outros vivam também.

Aos meus ouvidos, isso soa como uma resposta boa e suficiente. Mas há outros argumentos e um deles, apontado por estudos recentes, é que provavelmente a vacinação seria capaz de evitar a covid-longa.

Ora, para algumas pessoas até parece que o Sars-CoV 2 chega e não larga mais. A infecção pelo coronavírus passa, mas não passa. Isso porque, durante uns bons meses, elas continuam experimentando dores pelo corpo, cólicas intestinais, fadiga, falta de fôlego e dificuldade de concentração e de memória que bagunçam o seu cotidiano.

Aliás, tem gente que, só bem depois que a fase aguda da doença vai embora, começa a ter a impressão de que todos os seus pensamentos estariam embaçados sob uma nuvem de confusão mental.

O perrengue, ao contrário do que se pensou lá atrás, pode ocorrer inclusive em quem que não desenvolveu um quadro grave da doença. Aliás, acontece até mesmo com quem mal sentiu coisa alguma ao ser infectado. A hipótese de que possa ser barrado ou, no mínimo, aliviado é mais um ponto em favor da vacinação.

Vacinados versus não vacinados

A possibilidade de as vacinas afastarem o risco da covid-longa ficou mais clara agora com os dados preliminares de um trabalho de pesquisadores franceses do Hospital Hôtel-Dieu, em Paris, envolvendo 455 indivíduos vacinados e outros 455 indivíduos que não tinham tomado a vacina contra a covid-19.

No geral, 81 participantes precisaram ficar hospitalizados. E, em comum nos mais de 900, todos reclamavam de sintomas persistentes da infecção. Os cientistas, então, compararam os dois grupos — vacinados e não vacinados — 120 dias após o final da fase aguda, quando o teste de PCR para covid-19 passou a dar negativo.

Tomaram ainda o cuidado de comparar pessoas com o mesmo grau de severidade da doença, sem misturar gente com quadros leves com quem precisou de cuidados intensivos. Assim, se os sintomas persistentes se mostrassem mais brandos na turma vacinada, não poderíamos cogitar que teria sido apenas a consequência de ela não ter sofrido nada mais grave enquanto estava infectada — o que mais se espera depois da injeção contra o Sars-CoV .

E não deu outra: após os quatro meses de análise, notou-se uma redução muito mais significativa dos sintomas entre aqueles que tinham recebido a vacina. Na verdade, em 95% desses indivíduos, os sintomas persistentes tinham desaparecido completamente. Essa proporção foi o dobro da observada nos não vacinados.

"Não chego a olhar para esses resultados com surpresa", confessa o infectologista e pediatra Renato Kfouri, diretor da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações). "Mesmo quando existe uma falha vacinal, isto é, quando a proteção conferida pela vacina não foi suficiente para evitar a doença, ela impede que a situação se agrave. E, quando consegue criar essa barreira para o agravamento, já podemos deduzir que ela também seja eficiente contra o que, em Medicina, chamamos de desfechos secundários", diz ele.

Em outras doenças

Os desfechos secundários são, por assim dizer, a consequência do que seria o objetivo principal de um imunizante — prevenir a própria infecção, o que no caso nem sempre é possível. Segundo Renato Kfouri, o que estamos observando nos vacinados contra a covid-19 acontece em outras situações no universo das imunizações — daí a sua dedução. E dá o exemplo da bronquiolite.

Essa inflamação nos bronquíolos, os finíssimos ramos que conduzem o ar para dentro dos pulmões, é causada na maioria das vezes pelo VSR, o vírus sincicial respiratório. Ela acomete com maior frequência as crianças com menos de 2 anos, que ainda não desenvolveram plenamente a sua imunidade.

Nos primeiros meses de vida, porém, essa infecção é bem mais perigosa e a saída então é injetar nos bebês adoecidos, que mal e mal ficam com forças para respirar, anticorpos contra o VSR desenvolvidos em laboratório.

"Esse tratamento não apenas alivia os sintomas da infecção que está ocorrendo naquele momento como, conforme observamos, diminui demais o risco de aquela criança persistir com chiado e asma no futuro, que são os tais desfechos secundários da bronquiolite", explica o médico.

O infectologista Alberto Chebabo, vice-presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) dá outro exemplo do gênero, mas este relacionado a uma vacina em adultos.

"No herpes zóster, nós sabemos que a vacinação também não elimina de vez a ameaça de alguém pegar a doença. No entanto, quem é vacinado dificilmente desenvolverá um quadro de neuralgia pós-herpética", diz ele, que é também diretor do Hospital Clementino Fraga Filho da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e gerente de relacionamento médico da Dasa.

Portanto, o imunizante contra o vírus do herpes zóster previne a sensação constante de queimação pelo corpo, a qual fica feito um doloroso souvenir dessa infecção, demorando para sumir. Impedi-la não é um feito pequeno. Como não é desprezível perceber que a vacina contra o Sars-CoV 2 reduziria os casos de covid-longa.

E a vacina no caso de quem já está com a covid-longa?

O trabalho francês, bom que eu conte, não foi o primeiro a relatar os efeitos da vacinação na covid-longa. No mês passado, por exemplo, também foi publicado na revista The Lancet o COVID Sympton Study, conduzido por pesquisadores do King's College London, na Inglaterra, que lançou mão de um aplicativo de celular para que os britânicos acima de 18 anos com diagnóstico confirmado da doença pudessem relatar com facilidade como andavam se sentindo.

Eles, posteriormente, foram divididos em grupos. No primeiro, estavam aqueles que tinham recebido a dose inicial da vacina entre dezembro do ano passado e julho deste ano e que se infectaram 14 dias ou mais depois dessa primeira injeção antes de tomarem a segunda. Em outro grupo ficaram os indivíduos que foram infectadas pelo Sars-CoV 2 mesmo depois de terem completado o esquema vacinal de duas doses.

Ambas as turmas foram comparadas, claro, com gente que abriu mão da oportunidade de se proteger com a vacina. A maioria dessas pessoas não vacinadas que tiveram a covid-19 apresentava cinco ou mais sintomas e, se não todos, parte deles persistia após 28 dias do final da fase aguda. Detalhe: essa proporção foi quase cinco vezes maior do que entre os vacinados.

Vale notar, porém, que nenhum dos participantes tinha sido diagnosticado com a covid-19 antes da vacinação. Daí que ainda fica no ar a seguinte pergunta: será que naqueles que tomaram a vacina depois, já apresentando sinais de uma covis-longa, a injeção do imunizante não aliviaria em nada, nada?

"Existem, sim, evidências de melhora nesses casos persistentes, especialmente nas complicações neurológicas, que são as mais comuns, como a fadiga, a dificuldade para dormir, as alterações do humor e os problemas de concentração", conta Alberto Chebabo.

Provavelmente, a vacinação ajustaria de alguma maneira reações do sistema imunológico por trás dos quadros persistentes. "Uma grande lacuna é justamente entender como e por que a covid-longa acontece", reconhece o infectologista Renato Kfouri, da SBIm. "Por enquanto, só temos teorias, algumas apontando para uma ação direta do vírus e outras, para as nossas defesas."

Para Alberto Chebabo, o que dificulta as pesquisas para checar o efeito da vacina em quem já apresenta a covid-longa é que esse termo engloba uma diversidade enorme de queixas. Precisaríamos, portanto, separar os casos em que elas são provocadas pela infecção em si daqueles em que são sequelas de uma internação prolongada com necessidade de intubação e ventilação mecânica, pois poucos saem inteiros dessa experiência sofrida.

Nos casos em que o que parece ser sintoma prolongado da infecção é, na realidade, o preço do tratamento intensivo, os especialistas apostam, em coro, que a vacinação não afetará em nada — bom deixar claro.

Mas naquelas pessoas em que os sintomas são de fato resquício da presença do coronavírus ou resultado da insistência do sistema imunológico, aí quem sabe as vacinas ajudem um bocado. Mais um motivo para quem já teve a doença parar de ouvir bobagens e completar o seu esquema vacinal ou correr atrás do reforço no momento oportuno.