'Fui enfermeira grávida na linha de frente da covid e ter fé me ajudou'

"Em dezembro de 2020, vivíamos no auge da pandemia. Meu companheiro já tinha uma filha de 5 anos de outro relacionamento e eu nem imaginava que iria engravidar. Enfermeira, na linha de frente da covid, não poderia correr riscos. Quando vi o teste positivo, passei por vários processos. No comecinho, me sentia triste, chorava sem ter um motivo real e tinha medo de ter um aborto espontâneo. Como sou da área da saúde, sei que isso é bem comum. Depois, foi fluindo. Meus amigos que escolhi como padrinho e madrinha do bebê foram bem participativos na gestação, meu companheiro foi legal e minha mãe me ajudou muito no processo.

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Mas tinha uma pandemia no nosso caminho: nem consegui ficar ansiosa para ver o bebê, arrumar quarto, organizar mala de maternidade. A única situação que me deixava ansiosa era estarmos bem no fim do dia. Gestante na pandemia, trabalhando em dois hospitais diferentes e sem vacina contra covid-19 — foi horrível.

A sensação de incerteza e medo tomava conta porque eu havia visto muitas mulheres grávidas morrerem. Presenciei situações em que as pacientes perdiam o bebê no fim da gestação. Era um pânico total. Eu me sentia em uma zona de guerra. Ainda bem que tive ajuda de muitas pessoas no hospital, como enfermeiros e técnicos de enfermagem.

As pessoas diziam que ia passar e pediam que eu não me apegasse nas histórias com final triste. Cada um tem sua história. Diziam que eu deveria me apegar mais em Deus, e realmente a fé me ajudou a percorrer todo caminho.

Mas estar exposta ao alto risco por basicamente 12 horas por dias era terrível, a cada hora era um paciente que piorava. O psicológico estava totalmente abalado.

Eu ia trabalhar um dia e a equipe estava completa, no outro plantão tinha apenas metade do pessoal: o resto estava contaminado. No hospital, uma dia, cheguei e havia uma ala toda fechada: os pacientes também tinham se contaminado e eu havia tido contato com todos. Nesse dia eu chorei muito, me desesperei, mas segui ali até o final do turno. Era muito medo pela minha vida e pela vida do bebê.

Bianca Fernandes, no momento do parto: deu tudo certo
Bianca Fernandes, no momento do parto: deu tudo certo Imagem: Acervo pessoal

Para me proteger, vivia de máscara o tempo todo. No meu horário de descanso, continuava de máscara e até dormia com ela. Álcool em gel o tempo todo e muita higiene. Ainda bem que em casa, com minha mãe, companheiro e amigos, o apoio era total. Eu sempre desabafava nos momentos de mais aflição — eles acolhiam e diziam que tudo ia ficar bem. Isso ajudou muito.

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Quando estava grávida de cerca de sete meses, atendi uma paciente que estava com o mesmo tempo de gestação que eu. Quando ela saiu do isolamento, o bebê tinha morrido. O pai dos meus irmãos mais novos, então com 10 e 5 anos, também morreu nessa época, de covid. Foi tudo muito traumático: não teve velório e o caixão foi lacrado. Eu estava com oito meses de gestação e foi muito difícil, mas eu tentava pensar que em algum momento tudo ia ficar bem.

A reta final foi realmente mais tranquila: pude tomar a vacina nas últimas semanas de gestação, pois estava no grupo de risco. Foram 12 horas de trabalho de parto humanizado. Ao meu lado, uma gestante com covid foi intubada e tomou anestesia geral para uma cesárea. Depois de muitas horas, movimentos e 10 cm de dilatação, o bebê ainda não havia descido e fomos para uma cesárea de urgência. Henrique nasceu bem, graças a Deus, e logo veio para o meu colo. Meu companheiro esteve comigo durante todo esse período. Foi emocionante e eu o admiro muito por isso.

Quando olho para trás e me lembro da agonia, apenas agradeço por ter dado tudo certo. Hoje eu conheço o amor e a felicidade na sua plenitude: o que tenho pelo meu filho é precioso."

Bianca Fernandes, 31 anos, enfermeira, é mãe de Henrique, 2 anos e 5 meses

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