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Desculpa Alguma Coisa

Tati Bernardi faz entrevistas malucas e inesperadas com pessoas que você adora


Milly Lacombe fala de morte de ex: 'Achei que não valia a pena viver'

Colaboração para Universa, em São Paulo

22/07/2023 04h00

Convidada do "Desculpa Alguma Coisa", videocast de Universa com Tati Bernardi, a jornalista e escritora Milly Lacombe contou como sentiu a perder sua ex-mulher, Roberta, que morreu atropelada em 2011.

Milly Lacombe: "Eu fiz besteira, traí, fui a pessoa ruim da relação, e ela não queria mais ouvir falar de mim. Falei: 'Não, a gente vai ser amiga. Não admito viver no mundo em que eu não conviva com você".

"Nada nunca me fez sofrer como eu sofri quando ela morreu. Não sabia nem que havia essa dimensão de dor no mundo. Achava que não valia a pena viver. Não me importava em morrer", diz a jornalista.

"A gente se falava todo dia, ela me contava dos interesses dela, conversávamos sobre a vida, o futebol, a política. Uma pessoa dessa vai embora no dia do aniversário de 40 anos? A vida não fez sentido, foi absurdo", pontuou.

O que aprendi ao viver relação aberta

Milly contou ser demissexual e falou da sua experiência com relacionamento aberto.

Milly Lacombe: "Aprendi que sou demissexual. Transei com sete mulheres na minha vida. Nunca fui para boate, fiquei com alguém e, na mesma noite, acabei transando. É o que sou e estou fazendo as pazes com isso", diz ela, referindo-se à orientação sexual em que a pessoa só se sente atraída quando há uma conexão emocional com a outra.

A jornalista também falou da sua experiência ao abrir um relacionamento. "Descobri que sou uma nova mulher, não vivo mergulhada em ciúme, não sou proprietária de uma outra pessoa. Quando você abre, devolve à pessoa o erotismo que o mistério contém", pontuou.

"A gente estabeleceu algumas regras. Não vira putaria, não fiquei louca de ciúmes. Saber te dá material, não saber te deixa viver no mundo da desconfiança."

"Homens só amam outros homens"

Milly opinou sobre machismo e masculinidade.

Ela comentou o caso da recente contratação de Cuca como técnico do Corinthians, em abril deste ano. O treinador foi condenado, em 1989, pelo estupro de uma menina de 13 anos, na Suíça. Após o anúncio do time, a história voltou a reverberar.

Milly Lacombe: "O Corinthians, que é um time que se gaba de ser engajado em causas sociais, contratou o Cuca e houve um rebuliço. Ele ficou um jogo e pediu para sair. Essa história não é sobre o Cuca. Ele foi condenado, não cumpriu a pena, o processo prescreveu. Ele não deve nada à Justiça, tem o direito de seguir trabalhando. Você vai apedrejar o sujeito para sempre? A questão é a sociedade que educa meninos para pegarem mulheres e educa meninas para não se deixarem estuprar".

"A responsabilidade é sempre nossa", diz Milly.

Na opinião da jornalista, Cuca precisava ter reconhecido o que aconteceu. "Mas ele só falou que não fez nada e não deve desculpa a ninguém. No final do último jogo dele, os jogadores correram pra abraçá-lo. O que eles estavam abraçando? O direito de existir nesse mundo como homens, essa ideia de masculinidade."

Ela ainda comentou sobre a cultura heterossexual. "A cultura heterosexual masculina é homoafetiva. O homem gosta de conversar com homens, rir com outros homens, admirar outros homens, celebrar outros homens, amar outros homens. Da mulher eles querem o sexo. Eles não querem nossas ideias", afirma.

Ainda no assunto machismo, Milly contou ter descoberto recentemente um problema na relação entre o pai e a mãe. "Descobri porque achei cadernos em que ela escreveu o que aconteceu, está tudo ali. Ele não chegou perto de bater nela, ele não gritava, mas eram coisas assim: 'Ontem ele não me deu dinheiro para fazer supermercado, ontem pediu a nota da lavanderia'. E ele não deixava ela trabalhar, e ela queria".

Chorei muito quando vi. Aquilo é uma escritora. Acho que ela nem sabe que podia ter sido isso. Tem um dia que meu irmão estava no hospital, ela descreve a luz do hospital. É literatura o que ela fez e nem foi dada a chance a ela. Ela trabalhou como produtora e ele foi lá um dia tirar ela do trabalho. Milly Lacombe

Milly comentou: "Ser homem é ser gentil, ouvir, ser amável, se deixar atravessar por sentimentos, não ser um analfabeto emocional e buscar compreensão do que está sentindo. Chorar, fraquejar, ser vulnerável. Mas ai isso aproxima o que é ser homem do que é se mulher, e eles se constroem na negativa".

Abuso de pai de amiga aos 11 e assédios no trabalho

A jornalista e escritora contou sobre o trauma de ter sido abusada sexualmente em diferentes momentos da vida.

Milly Lacombe: "Comecei a falar disso recentemente. Fui estuprada pelo pai de uma amiga com 11 anos. Hoje entendo que foi estupro, na época não sabia, era uma criança. Eu ia visitar minha amiga e ele me colocava no quarto".

"Não tenho muita memória do que aconteceu ali, mas tenho para saber que o que aconteceu foi estupro. Não sei nem quantas vezes foram. Uma hora minha mãe começou a se ligar e ficava dizendo para que eu não fosse na casa dessa amiga", diz.

"Essa foi a primeira vez, e só fui contar depois de velha", disse.

A jornalista relatou outros assédios. "Na segunda vez, eu trabalhava vendendo espaço de anúncio para revista. Foi um publicitário, um cliente. Foi uma coisa mais exposta".

"Ele falou: 'Vem ali ver essa sala', e aí tirou a calça. Depois, teve um outro, um cara que na época devia ter 80 anos. Fui vender um anúncio pra ele. Mas ele tinha 1,30m, era muito magro, eu era tri atleta. Só fui saindo. Quando abri a porta do elevador que vi onde estava, saí. Não chegou a acontecer nada, mas ele me levou pro abate, nojento", finalizou.

"Bati minha cabeça no chão achando que estava louca"

Na conversa, Milly contou como descobriu que estava sendo traída por sua ex-mulher.

Milly Lacombe: "Essa história começa em Nova York, depois de um casamento de dez anos que eu jurava que era pra sempre".

"A gente nota quando a pessoa que estava ali no dia anterior parece não estar mais, e aí viramos detetives maravilhosos. Peguei pontas soltas em lugares mais improváveis. Comecei a viver pra descobrir isso", diz a jornalista.

"Estava alucinada. Perguntava, e ela negava. Bati minha cabeça no chão quando estava sozinha em casa porque, se era coisa da minha cabeça, que saísse. Achei que estava ficando louca, e a loucura é muito pior do que você saber."

Ela contou como a história se tornou um livro, "O Ano em que Morri em Nova York" (ed. Planeta), lançado em janeiro deste ano. "Lembro do dia que abri o computador, estava sozinha em casa, abri uma página em branco e escrevi o título. A sensação de que eu estava morrendo foi uma das mais claras da minha vida" diz.

"Demorei, a partir desse dia, a começar a escrever mais, mas eu tinha um caderno em que ia anotando confissões, já sabendo que talvez o que eu estivesse vivendo viraria livro. Fui tendo um pequeno prazer porque eu ia criar com aquilo, mas estava só morrendo naquela época."

Milly contou, enfim, como descobriu que estava sendo traída.

"Estávamos morando em NY. Minha ex mulher, a primeira, foi diagnosticada com câncer de mama e marcou a retirada do seio. Eu vim para o Brasil ficar com ela durante a operação. E a comunidade sapatão é uma comunidade pequena, unida. Uma das pessoas que foi visitar minha ex-mulher era alguém que eu desconfiava ser a amante", disse.

A jornalista comprovou as suspeitas em um jantar na casa de um amigo em comum. "Minha mulher me ligou de NY, eu falando com ela no telefone, e aí acabou a bateria e a pessoa estava do meu lado. Eu falei: 'Me empresta seu celular'. Ela hesitou. A história voltou na minha cabeça. Arranquei o celular já desbloqueado da mão dela e me tranquei no quarto do dono da casa. Tremendo."

"Liguei para minha mulher do celular da menina. Na hora que ela atendeu, no olho dela, eu vi. Eu falei: por que que você fez isso com a gente? E desliguei. Não deixei ela falar. Saí, devolvi o celular. Me lembro de descer, ela ir no elevador comigo, meio desesperada, a gente entrou no mesmo taxi, ela foi explicando, mas eu já não estava mais ouvindo. Fui para Nova York três dias depois, arrumei minhas coisas e voltei para o Brasil", finalizou.

Mãe, sou lésbica

Milly relembrou como sua mãe reagiu quando contou ser lésbica.

Milly Lacombe: "Meu pai tinha acabado de morrer. A gente estava no trânsito, voltando de algum lugar que tínhamos ido buscar algo. Eu estava dirigindo, e ela, do meu lado, dizendo que eu estava muito rabugenta e parecia aquelas solteironas. Aí falei que não era solteirona".

"Contei que era gay, e ela olhou pra mim como se eu tivesse confessado o assassinato de outra pessoa. Saiu do carro no meio da avenida e sumiu no trânsito, entre os carros. Fiquei sem reação", relembra.

A mãe demorou cinco horas para reaparecer. "Depois disso, ficou quatro, cinco anos sem falar comigo. Houve uma campanha. Meus cunhados, minhas irmãs, meu irmão, para que retomássemos o contato."

A jornalista então revelou que a reaproximação veio em um Natal. "Em um amigo secreto, ela tirou a Roberta [namorada de Milly à época] e não devolveu. No discurso para entregar, ela falou que tirou uma pessoa que aprendeu a amar. A gente foi voltando a se falar. Hoje a relação está super boa".

Polêmica com Rogério Ceni é "cicatriz"

Milly Lacombe relembrou a treta que teve com o então goleiro Rogério Ceni.

Em um programa exibido pelo SporTV, Milly, então comentarista, disse ao vivo que Ceni havia falsificado um documento enquanto atuava no São Paulo. O jogador ligou para o programa no mesmo momento e rebateu a jornalista. A discussão terminou na Justiça.

Milly Lacombe: "O fato de ter viralizado e ter tido repercussão foi ruim enquanto estava acontecendo, mas, depois, me colocou num trilho que me tirou de onde eu estava, me deslocou da pessoa que eu era".

"Sabe como é você sair nas ruas e te reconhecerem? Tem um lugar egóico", diz a jornalista. "Se o olhar do outro te faz existir, o olhar de muitos dá uma ilusão de que você existe numa dimensão maior."

À época, Milly foi colocada na geladeira. "A TV é uma coisa tão maluca que o castigo é te tirar do ar, te deixar em casa com salário. Isso é uma benção para qualquer outra profissão mas, na TV, seu rosto não está aparecendo. Pensei: "Vão me esquecer, vou na padaria, não vão saber quem sou". Isso é dilacerante pra alguém que não sabe quem é".

Hoje eu entendo que esse erro é minha cicatriz. Sabe aquela expressão de se apaixonar pelo seu destino a despeito do que ele seja? Esse erro sou eu, sou por causa dele. Foi visitando os porões da minha alma que consegui ser a pessoa que estou me tornando. Milly Lacombe

A jornalista disse nunca mais ter visto Ceni além de um encontro em uma audiência conciliatória

Milly contou como lida com comentários de ódio que recebe via redes sociais. "Desde então, não leio comentários. As pessoas não sabem quem eu sou, não é sobre mim. Eles te dão uma importância que a gente mesmo não se dá".

Ela ainda fez uma observação sobre como os erros de mulheres são mais visados do que os dos homens. "Comecei a pensar nisso quando uma bandeirinha, a Ana Paula Oliveira, errou num jogo do Botafogo, no Maracanã. A carreira dela ficou marcada por isso", diz Milly, referindo-se a um jogo de 2007.

"Ela nunca mais conseguiu se livrar desse erro. Só que bandeirinha e futebol erra o tempo todo. Só que tem a ver com gênero. O homem tem o direito de errar, a gente não. Como você se constrói se não for errando? Não é nos dado esse direito", apontou.

Ameaças e ataques nas redes: "O mínimo era vagabunda sapatona"

Milly falou sobre as ameaças e ataques que recebe há alguns anos.

A jornalista disse que, na época do episódio em que disse, em um programa, que o então goleiro Rogério Ceni havia falsificado um documento, recebia ligações de pessoas a ofendendo. "Como ligavam no meu celular, eu atendia. Dizia: "Calma, você me ligou, posso argumentar?" E eu falava que entendi que errei. A gente começava a conversar e ficava tudo bem. Ninguém resiste a um pedido sincero de desculpas", diz.

"Foi uma época sofrida. Eu estava começando a namorar a pessoa com quem fiquei dez anos. Falei: 'Ela vai desistir de mim, ela viu que não sou aquela pessoa, não vai me querer'. Mas ela quis", completou.

Milly falou das ofensas mais recentes.

As redes estão mais violentas, tenho recebido tantas ameaças que precisei contratar advogada agora. É porque votou no Lula, porque falou mal do treinador do Palmeiras, do Corinthians. É qualquer coisa que a pessoa não goste. Milly Lacombe

A jornalista comentou sobre as lives que fez durante a campanha presidencial de 2022, em que apoiava o atual presidente Lula (PT).

"Achei que fosse enlouquecer com a possibilidade daquele monstro voltar ao poder, abri a câmera e comecei a falar. Mas fui estudar muito antes de falar, tentei comunicar da melhor forma possível. A reação das pessoas foi boa", contou.

"Desse período extremista que vivemos, foram quatro anos de ameaça. O mínimo era 'vagabunda sapatona'. A gente vive uma época brutal em que as pessoas acham que podem apagar umas às outras", pontuou.

9 e 1/2 perguntas de amor

Assista à íntegra da entrevista:

O programa "Desculpa Alguma Coisa" vai ao ar às quartas, às 20h, no Canal UOL, no YouTube de Universa e em plataformas de áudio.

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