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Desafio para Lula: Bolsonaro tira combate à violência à mulher de orçamento

Presidente Jair Bolsonaro (PL) em evento com mulheres: apesar de usar área como bandeira de campanha, governo zera verbas para programa de proteção à população feminina - Hanrrikson de Andrade/UOL
Presidente Jair Bolsonaro (PL) em evento com mulheres: apesar de usar área como bandeira de campanha, governo zera verbas para programa de proteção à população feminina Imagem: Hanrrikson de Andrade/UOL

Anahi Martinho

Colaboração para Universa, em São Paulo

10/11/2022 04h00

R$ 13 milhões é o total de recursos destinados pelo governo Jair Bolsonaro (PL) ao enfrentamento da violência contra a mulher no plano orçamentário para 2023. Além de representar um corte de 70% em relação ao ano anterior, todo o dinheiro será alocado em um único projeto, a Casa da Mulher Brasileira. Isso significa que não há verba prevista para outros programas de combate à violência de gênero, nem os que estão em andamento, nem novos projetos.

O rombo orçamentário deixado pela atual gestão será um desafio a ser enfrentado pelo governo de transição para a gestão Lula (PT), principalmente no que diz respeito a políticas públicas sociais —a área foi assumida pela senadora Simone Tebet (MDB-MS) na terça-feira (8). Universa procurou Tebet para saber se já há um plano para resolver a falta de dinheiro na área, mas a senadora ainda está se inteirando do cenário e analisando onde será necessário agir.

Segundo dados do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), que analisou o PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) 2023, essa é a menor proposta orçamentária desde que foi criada a Secretaria de Políticas para Mulheres, em 2003, no primeiro ano do governo Lula. O órgão reforça que não há nenhum recurso destinado à ação "218B", que trata de políticas de igualdade e enfrentamento à violência contra as mulheres.

Momento é crítico para proteção de mulheres

Segundo Carmela Zigoni, assessora política do Inesc e doutora em antropologia social, nos últimos quatro anos as políticas para proteção a mulheres obtêm cada vez menos verba e, agora, atingiu-se um momento crítico, no qual os recursos chegaram ao nível mais baixo da última década.

Enquanto isso, a violência contra a mulher no Brasil segue registrando níveis alarmantes. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o país registra sete casos de violência doméstica por minuto, um estupro a cada dez minutos e um feminicídio a cada sete horas.

Em 2021, o corte foi de 55% em relação ao ano anterior e, em 2022, de 33% em relação a 2021. Até então, era o orçamento mais baixo em dez anos, de R$ 44 milhões.

Em anos anteriores, a verba era pulverizada em outros programas, segundo o próprio ministério informou anteriormente a Universa.

O maior valor para 2022 foi destinado a canais do governo federal voltados para denúncias e orientações em casos de violações de direitos humanos: Disque 100 e Ligue 180 —esse último específico para violência de gênero.

No ano que vem, esse programa corre o risco de ser extinto devido à falta de verba, aponta Zigoni. "As consequências serão desastrosas. Essa é uma política pública muito conhecida e muito utilizada pela população, que 'pegou'. As mulheres conhecem. Fechar esse canal de comunicação com mulheres vulneráveis é colocá-las diretamente em maior risco", afirma.

Ministério diz que não há orçamento específico desde 2020

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos foi procurado pela reportagem.

Questionado sobre não haver verba para programas para mulheres, afirmou que investimentos em políticas específicas de enfrentamento à violência contra a mulher não fazem parte do orçamento desde 2020. Disse, ainda, que investimentos nesse sentido são executados por meio de outras ações, como a designada pelo código "21AR", de promoção e defesa dos direitos humanos para todos.

A pasta não explicou se há ou não políticas específicas para proteção da população feminina nem quanto de dinheiro foi incluído para esse grupo social no orçamento do próximo ano.

Em nota, o ministério ressaltou ainda que fica a cargo do Congresso criar emendas orçamentárias para poder aumentar o investimento na área, se eximindo da responsabilidade.

Para Zigoni, porém, a pasta poderia, sim, colocar essa ação no orçamento. "A prerrogativa de executar esses programas é do Executivo, do Governo Federal", pontua.

Se a área fosse incluída no orçamento, poderia haver maior garantia de investimento, por exemplo, na criação de espaços de acolhimento de mulheres vulneráveis e na formação de servidores públicos para atender vítimas de violência com a abordagem adequada, para que elas não sejam revitimizadas durante esses atendimentos.

O recurso também é necessário para a realização de pesquisas, estruturação de dados e monitoramento de índices de violência, para direcionar melhor as prioridades das ações.

A pesquisadora explica que, agora, com o PLOA já em análise, é preciso criar possibilidades para gerar "espaço fiscal": ou criar uma proposta de emenda constitucional, como colocado pelo ministério, ou uma medida provisória.

O prazo para que os parlamentares enviem propostas de emendas termina nesta quinta-feira (10). Se houver, ainda precisará ser aprovado em votação no Senado e na Câmara dos Deputados.


ONU pede que Lula freie cortes no orçamento para mulheres

Senadora eleita pelo Distrito Federal, Damares Alves (Republicanos) ocupou a vaga de ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos até março deste ano. No cargo, seguiu a política de sucateamento de programas voltados especificamente para mulheres, incluindo-os em áreas generalistas, como em projetos para famílias. Os investimentos seguiram essa ideologia implementada pelo governo Bolsonaro.

Em comunicado emitido na sexta-feira (4), relatores da ONU (Organização das Nações Unidas) pediram ao presidente eleito, Lula, que "inverta" os cortes orçamentários em programas dedicados ao fim da violência contra a mulher. Também pede a duplicação dos esforços de prevenção da violência contra mulheres e meninas, principalmente as que foram expostas a agressões por serem politicamente ativas, defenderem direitos humanos, serem indígenas, negras, migrantes ou trans.