Topo

Ansiedade na gravidez: 'Achei que não seria capaz de cuidar do meu bebê'

Daise Souza com o caçula Theo, de 7 meses - Arquivo pessoal
Daise Souza com o caçula Theo, de 7 meses Imagem: Arquivo pessoal

Glau Gasparetto e Thaís Lopes Aidar

Colaboração para Universa, em São Paulo

18/10/2022 04h00

Mãe de dois, Daise Souza começou a ter crises de ansiedade quando estava grávida do segundo filho, hoje com 7 meses. "A ansiedade me deixava muito triste, eu me isolava de todos e era como se tivesse um nó sem fim na garganta. Tive muitas crises de choro, até chegar ao ponto de achar que não seria capaz de cuidar do meu bebê. Passei quase uma semana sem dormir. Meu coração ficava acelerado todas as vezes que me sentia ansiosa e, geralmente, isso acontecia à noite", conta Daise, 40 anos, divulgadora de produtos e serviços em Cotia (SP). Ela é mãe de Maria Clara, 3 anos, e de Theo, 7 meses.

Uma pequena dose de ansiedade durante a gravidez é natural e não é considerada prejudicial —afinal de contas, motivos não faltam para a mulher sentir alterações durante esse período. No entanto, quando o sentimento é excessivo, torna-se uma doença patológica. Aí, não tem jeito, o tratamento precisa começar.

Segundo o psiquiatra Henrique Bottura, diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista, a gestação pode ser um momento de manifestação para a ansiedade por dois motivos principais: todas as modificações corporais sofridas pela mulher —que vão de metabólicas a hormonais —até o significado desse momento, que é uma transição entre diferentes fases.

"Embora não se deva atribuir tudo às mudanças hormonais, elas também causam ansiedade, além de histórias de dificuldades, como finanças, casamento, outros filhos, abortos anteriores. Tudo pode contribuir para a ansiedade dessas futuras mães", justifica o também psiquiatra Luiz Scocca.

Quando deixa de ser normal

Os sintomas entre as grávidas costumam ser os tradicionais, experimentados por qualquer outra pessoa que conviva com o transtorno. Entre as principais manifestações, Henrique destaca a preocupação excessiva, ansiedade antecipatória, medo do futuro, crises de ansiedade e pânico - que provêm do Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) —e reações físicas, que variam em cada caso.

Mesmo sem nunca ter passado por uma crise ansiosa, a paulista Daise experimentou os sintomas durante a segunda gestação. Segundo ela, os últimos três meses foram os piores. Nesse período, já não conseguia mais dormir e sua imunidade baixou, restando a ela recorrer a assistência especializada.

"Tive que ir ao médico, que me prescreveu remédios e, aos poucos, o sono foi retornando. Na ocasião, a ansiedade foi associada à gestação devido aos hormônios da gravidez e, também, por não dormir durante todo esse tempo. O que era para ser um momento feliz se tornou um pesadelo", relata a mãe.

Tratamento para gestantes

De modo geral, remédios são evitados durante a gestação, visando a segurança do bebê, sendo que essa recomendação se aplica até a simples analgésicos. Para evitar fármacos psiquiátricos, que agem no sistema nervoso central, os especialistas ressaltam que outras técnicas podem ser indicadas para aliviar os sintomas e tratar a ansiedade durante os nove meses.

Nesse caso, além da psicoterapia e das técnicas de respirações - úteis para sair de uma crise, por exemplo -, medidas mais alternativas como meditação, acupunturas e até massagens integram as possibilidades.

"Entretanto, quando não é possível, pois essa ansiedade excessiva já virou patológica, temos que entrar com antidepressivos, neurolépticos ou ansiolíticos", afirma Scocca.

O papel da rede de apoio

Assim, o momento pede cautela e, sobretudo, a participação da gestante e da família nessa decisão importante. "São escolhidos medicamentos que têm mais estudos comprovando a segurança e a eficácia do tratamento", acrescenta o psiquiatra.

"Tem coisas que ninguém posta nas redes; são dores que vivemos na vida real. Há muitas mães que se sentem culpadas por não postarem fotos felizes, já que estão mal. Mas faz parte ter essas dúvidas. Devemos confiar, buscar ajuda e rede de apoio", aconselha Henrique.

Além disso, o psiquiatra lembra que o papel de mãe deve desabrochar naturalmente com a maternidade, cessando tantas inseguranças comuns do período. E reforça, sobretudo, o papel do parceiro ou parceira nesse processo, dando o respaldo necessário.

Daise Souza com a filha mais velha Maria Clara, 3 anos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Daise Souza com a primogênita Maria Clara, 3 anos
Imagem: Arquivo pessoal

Independentemente do quadro de ansiedade, a maternidade pede, por si só, uma rede de apoio. Ou seja, pessoas que possam colaborar com aquela mãe no momento de adaptação, insegurança e, na maioria das vezes, sobrecarga. O papel desses colaboradores é ainda mais importante quando as manifestações ansiosas se tornam parte da rotina.

A principal recomendação do especialista é que a família dê proteção, asseguramento e suporte. Ele destaca ainda que, como as principais preocupações dessas mães costumam ser operacionais - sobre dar ou não conta do filho que está para chegar -, é bem-vindo ter alguém ajudando a estruturar e traçar objetivos nesta fase.

Da mesma forma, é importante que os questionamentos e julgamentos por parte da rede de apoio e de pessoas próximas sejam eliminados, pois só prejudicam a situação da gestante

"Não se deve dizer que a pessoa deveria estar diferente do que está se sentindo, como: 'Olha, você está grávida, deveria estar feliz!' ou 'Tudo deveria estar bem'. Ao contrário, precisamos acolher, perguntar, entender, conversar, dar espaço", defende o médico.

A ansiedade some?

Com o auxílio da medicação e o nascimento de Theo, Daise Souza teve uma melhora no quadro. Ela lembra que o fato de o bebê ter sido internado na UTI foi primordial para que vencesse a ansiedade. Isso porque, naquele momento, seu único desejo era ficar bem e com energia para transmitir forças ao filho.

De acordo com Luiz, o quadro pode tanto desaparecer após o nascimento, quanto aparecer para quem ainda não o experienciou. Inclusive, sentir sintomas de depressão ou ansiedade após o nascimento do bebê pode ser bastante comum e nem sempre configura uma depressão pós-parto. Quando mais brando, o caso é chamado de 'baby blues'.

"Trata-se de uma condição que envolve sentimentos depressivos e ansiosos, mas em uma intensidade muito mais amena, que acontece em cerca de duas semanas após o parto e, normalmente, logo se resolve com outras estratégias, como pensamentos positivos próprios da maternidade", explica o psiquiatra.

Caso a ansiedade persista como doença patológica ou os sintomas evoluam para a depressão pós-parto, o especialista assegura que, novamente, um tratamento pode ser feito. Nesse caso, deve incluir acompanhamento psicológico, psiquiátrico e, se necessária, medicação - com todos os cuidados relacionados à amamentação.