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14 fertilizações, 7 anos tentando: a luta das mulheres que querem ser mães

 Renata Maranhão e a filha Giovanna - Dani Izidoro
Renata Maranhão e a filha Giovanna Imagem: Dani Izidoro
Rafaela Polo e Glau Gaspareto

De Universa, em São Paulo

10/10/2022 04h00

"Meninas, estou com o corrimento rosado. O que vocês acham? A foto está nos comentários". Essa é apenas uma das trocas de mensagens de um grupo do Facebook alimentado especialmente por mulheres que tentam engravidar. Com quase oito mil participantes, a troca de informações não para nunca. Há mensagens com dúvidas, desabafos, medos e incentivo para aquelas que sonham desesperadamente com a maternidade.

Dá para sentir o medo e a frustração a cada post. Para quem sonha com a maternidade, receber mês a mês testes negativos é uma tortura. Os filhos dessas mulheres foram fruto de uma persistência doída - e muitas vezes cara, por conta dos tratamentos. Universa conversou com quatro mulheres que tinham o sonho de ser mãe e lutaram bravamente para que isso acontecesse.

"A maternidade chegou na 14ª tentativa"

Sylvana Maria Zancheta com a filha Luisa  - Acervo pessoal  - Acervo pessoal
Sylvana Maria Zancheta com a filha Luisa
Imagem: Acervo pessoal

"Sempre quis ser mãe, mas fui adiando o projeto para frente. A vontade se intensificou quando cheguei aos 40 anos. Até então, nunca havia engravidado, mesmo sem nenhum fator de saúde que impedisse. Sei que, a partir daí, diminui a fertilidade da mulher. Tentei de forma natural, mas sem sucesso.

Fiz tratamentos de Fertilização In Vitro (FIV) com diferentes profissionais, dos 40 aos 48 anos. Cheguei a fazer quatro fertilizações em um mesmo ano e nunca considerei outras alternativas além da fertilização. A cada resultado negativo, me sentia péssima, derrotada, triste. Chorava muito.

O doador sempre foi o companheiro daquele momento - um doador nas quatro primeiras vezes e outro nas dez vezes seguintes.

O investimento financeiro realmente é alto. Como médica do trabalho e perita de doença ocupacional, cheguei a ter quatro empregos simultaneamente e um deles era só para pagar este sonho.

Quando o resultado deu positivo, nem acreditei. Repeti o exame em outro laboratório, pois achava que poderiam ter trocado meu exame. Mas era meu mesmo: engravidei aos 48 anos depois de 14 tentativas.

Minha gestação foi tranquila; só no final é que a pressão alterou. Quanto ao enxoval e quarto do bebê, fiquei bem insegura e deixei para última hora. Mas deu tudo certo e Luísa nasceu em fevereiro de 2013.

Acho que sou uma mãe carinhosa, preocupada, cuidadosa. Tenho os medos de qualquer mãe de primeira viagem mas, quanto ao futuro, não fico pensando muito para não estressar.

Acredito muito em Deus e acho que sempre acreditei que conseguiria e receberia, no momento certo, um filho perfeito, saudável, como sempre desejei. Tive que esperar bastante, mas nunca me passou a ideia de desistir.

Por causa da minha experiência, decidi escrever um livro. Escrevi "Maternidade Tardia: O sonho é possível" durante a pandemia, porque fiquei sem trabalhar por 1 ano e 4 meses. Tive medo de morrer e deixar a Luísa pequena. Com ele, quero incentivam outras mulheres que também têm esse sonho de ser mãe", Sylvana Maria Zancheta é médica do trabalho, de São Paulo. Foi mãe de Luísa (hoje 9 anos) aos 49 anos

"Foram 7 anos tentando engravidar"

Renata Maranhão e a filha Giovanna  - Dani Izidoro  - Dani Izidoro
Renata Maranhão e a filha Giovanna
Imagem: Dani Izidoro

"A vontade de ser mãe sempre me acompanhou, mas nunca parecia chegar a hora certa. Só decidi começar a tentar de fato com meu atual marido, Gustavo Romboli, quando estávamos já com alguns anos de relacionamento.

Foram 7 anos tentando, dos 38 aos 45. No começo, naturalmente. Depois, tendo relações com datas marcadas nos períodos férteis. Aparentemente estávamos saudáveis, mas à medida que a gravidez não acontecia, buscamos ajuda especializada em reprodução humana. No total, foram cinco tentativas de fertilização e quatro médicos.

Para cada processo da fertilização, era muita expectativa e emoção. Fazia a estimulação ovariana com hormônios, chegava na data da extração, eram poucos e metade não estava "madura", ou seja, não serviriam para fecundação. Os bons, fecundavam.

A cada tratamento, a sensação era de que "agora vai dar certo". Todas as injeções de hormônio na barriga, comprimidos de ácido fólico, gel de hormônio no braço, todo esse trabalho e oscilações de humor, todo dinheiro, todo esse sacrifício não seriam em vão. Por isso, a sensação de frustração com cada insucesso era gigante.

Não lembro se já fomos para o quarto tratamento falando ser o último ou se quando não deu certo, meu marido havia mencionado que seria o último, mas lembro que ele falava para enchermos a casa de cachorro e viajarmos o mundo. Conversei com muitas mulheres por volta da minha idade que não tinham o desejo de ser mãe e eram bem tranquilas. Havia as resignadas e as que nunca tiveram vontade. Mas eu percebia que, dentro de mim, a "aceitação" era da boca pra fora.

Cerca de dois anos depois do último tratamento, minha menstruação atrasou. E me peguei feliz da vida imaginando maneiras de como contaria ao meu marido que estava grávida. Não estava grávida, mas percebi, com a felicidade dessa possibilidade, que eu queria, sim, ser mãe. E pedi para meu marido tentarmos mais uma vez. Seria a última.

Então, quando foi feito o estímulo ovariano, foram extraídos 6 óvulos. Desses 6, apenas 3 eram bons para fecundar. Fecundados, apenas 1 vingou. Nesse caso, marca-se o dia para colocar no útero. Espera. Faz teste. Positivo! Mas calma, tem que refazer esse teste mais umas 3 vezes para ver se continua positivo.

Essa expectativa toda inicial é muito estressante. Então, até você realizar o que está acontecendo, demora um pouco. Acho que só quando começa a ver mãozinha, pezinho no ultrassom é que começa a parecer mais real.

Engravidei aos 45 e fui mãe aos 46. Já até me esqueci deste caminho mais difícil. Foi, sem dúvida, uma benção ter conseguido ser mãe. Espero estar sempre à altura para oferecer amor, colo, harmonia e ajudar a formar um ser humano íntegro e do bem", Renata Maranhão, jornalista e apresentadora, de São Paulo. Tem 48 anos e é mãe de Giovanna, com quase 3 anos.

'Tive gravidez tubária e parti para a fertilização'

Camila Monteiro engravidou de gêmeos com a ajuda da inseminação  - Acervo pessoal  - Acervo pessoal
Camila Monteiro engravidou de gêmeos com a ajuda da inseminação
Imagem: Acervo pessoal

"Em novembro de 2020, eu e meu marido decidimos engravidar. Fomos ao médico para eu fazer um check up. Fiz um exame e o resultado foi que eu estava bem, com nenhum problema de fertilidade.

Em janeiro descobri que estava grávida. Fiquei muito feliz, porque conseguimos engravidar rápido. Foi uma grande comemoração! Com sete semanas, inventei que queria ir ao hospital porque não estava aguentando de ansiedade para fazer o ultrassom com o obstetra. Fui ao pronto-socorro dizendo que estava com dores e queria saber se como o bebê estava. Quando cheguei a médica me perguntou se eu tinha certeza mesmo que estava grávida. Me bateu um desespero.

Fiz o ultrassom e o saco gestacional estava nas trompas. Meu mundo caiu. Nesses casos, não há nada que se possa fazer para colocar o embrião no útero. Minhas opções eram tomar remédio abortivo ou fazer uma cirurgia para a retirada da trompa.

Tinha lido uns estudos que nada garantiria que a trompa funcionaria normalmente depois, então optei por sua retirada. No procedimento, o médico me disse que ela estava obstruída e nesse caso, eu corria o risco de ter outra gestação ectópica, ter uma hemorragia interna e morrer.

Minha única alternativa era engravidar por fertilização in vitro. Fiz a cirurgia ainda em janeiro e logo que menstruei em fevereiro comecei o tratamento de fertilização. Precisei fazer duas estimulações ovarianas para conseguir fazer a captação de óvulos, que é necessária nesse procedimento. Na primeira tentativa, conseguimos apenas um embrião. Na segunda, conseguimos mais seis.

O processo de fertilização foi muito difícil, porque são necessários muitos hormônios. Você fica triste, ansiosa... Eu ganhei mais peso nessa fase do que durante a gestação. Sem contar que a gente não sabe se vai dar certo ou não.

Implantamos dois embriões e nosso novo positivo veio em abril. Foi na oitava semana que descobrimos que eram gêmeos univitelinos, que seriam idênticos. Mas meu sentimento de mãe me dizia que era um casal, mesmo sendo impossível nesse caso. A gente não conseguia ver o sexo durante os ultrassons e não imaginávamos que, na verdade, estávamos vivendo um caso raro: de dois embriões diferentes se unirem e formarem uma única bolsa. Quando nos contaram, eu tinha certeza que era um menino e uma menina.

Apesar de toda a loucura, tive uma gravidez normal e sem intercorrências, apenas uma anemia. Com seis meses e meio sofri um assalto a mão armada. O criminoso colocou a arma na minha cabeça e fiz muito esforço correndo dos assaltantes. Com isso, meu colo do útero encurtou e precisei ficar de repouso. A médica me deu corticoide para fortalecer os pulmões dos bebês e recebi um reforço de ferro. Dois dias depois, eles nasceram. A médica me deu corticóide para fortalecer os pulmões dos bebês e recebi um reforço de ferro. Dois dias depois, eles nasceram. Noah e Aurora ficaram 36 dias na UTI e agora estão com dez meses", Camila Monteiro, 31 anos, influencer, São Paulo, mãe de Aurora e Noah, de 10 meses.

'O tratamento é pesadíssimo para a mulher'

Celina com sua filha Manuela  - Acervo pessoal  - Acervo pessoal
Celina com sua filha Manuela
Imagem: Acervo pessoal

"Tentei engravidar por quatro anos e no segundo já comecei a investigar o que tinha de errado com a minha fertilidade. Recebi diversos diagnósticos diferentes e ouvi que ia precisar de uma inseminação artificial, por causa da minha idade.

Decidi fazer uma fertilização in vitro e posso te dizer que, para mim, isso é um grande comércio. Ainda mais depois de tudo que eu passei. Quando alguém me fala que vai tentar, eu sempre digo que antes é preciso fazer um tratamento psicológico, porque é pesadíssimo para a mulher. Quando você começa, quer o positivo de qualquer jeito, mas não está preparada para receber um negativo. Os médicos dizem que a chance de sucesso é de 60%, mas eu acho que é muito menor do que isso.

Tive três embriões e os transferi - dois de uma vez e um em outra. Não deu certo e foi terrível. A frustração é algo horrível. Os médicos, quando vão fazer, são muito positivos, mas se dá errado, não sabem explicar o motivo. É como uma loteria, funciona com alguns e não com outros.

Esse mundo deixa a gente obcecada. No meu Instagram só tinham posts de reprodução humana. Descobri com os posts que tinha um exame chamado trombofilia, uma predisposição em desenvolver trombose. Pedi para fazer o exame para o meu médico e ele me disse que era caro, que custava cerca de R$ 400 reais. Mas o que era isso perto dos R$ 22 mil que eu já tinha gastado em inseminações?

Fiz esse exame e deu positivo. Mandei por mensagem o resultado para o meu médico e ele me disse para procurar um hematologista. Mas já tinham se passado sete meses de tratamento, eu estava desgastada. Ele falou que eu precisaria começar a tomar injeções anticoagulantes assim que tentasse engravidar. Minha consulta foi três meses após a transferência frustrada do meu último embrião e eu faria uma nova fertilização em fevereiro. O que eu não sabia nessa época é que já estava grávida, de forma natural.

Tinha saído para comemorar meu doutorado com as minhas amigas e bebido todas, mas como estava com uma dor de estômago e com a menstruação atrasada quatro dias, então decidi comprar o teste. Deu positivo. Aí comecei a passar mal de verdade. Avisei meu marido e comprei um segundo teste, daqueles mais caros. Me desesperei. Não estava tomando ácido fólico, tinha bebido e ainda por cima eu precisava das injeções. Nem dormi de tanta preocupação.

Com 30 semanas de gestação, minha pressão subiu muito e eu tive uma pré-eclâmpsia, um reflexo da trombolia. Fiz meu parto com 35 semanas. A Manuela nasceu em agosto de 2021 e precisou ficar na UTI neonatal por 9 dias. Mas hoje está tudo bem", Celina Valente, 41 anos, professora universitária, de Viçosa (MG), mãe de Manuela, 2 anos.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi publicado trombofilia é uma predisposição em desenvolver trombose.