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'Tristeza constante': qual diferença entre baby blues e depressão pós-parto

Segundo especialistas, a depressão pós-parto é subdiagnosticada - FatCamera/Getty Images
Segundo especialistas, a depressão pós-parto é subdiagnosticada Imagem: FatCamera/Getty Images

Priscila Carvalho

Colaboração para Universa, de São Paulo

29/04/2022 04h00

Logo que deu à luz Catarina, a publicitária Rebecca Cirino, 35, estranhou os sentimentos que estava tendo logo após o nascimento de sua primeira filha. O sentimento de tristeza chegava a ser mais do que o normal e vinha acompanhado de um cansaço extremo e choro. Mais tarde identificou o que sentia como baby blues. Já o caso da carioca Thaís Dias, hoje com 39, foi mais forte. Além do turbilhão de emoções intensas após o parto de seu segundo filho, Bento, hoje com 5 anos, ela tinha choro intenso, sentia taquicardia e chegou a pensar que ia morrer. Thais foi diagnosticada com depressão pós-parto.

Mesmo com sensações de tristeza e mal-estar, nem sempre a mulher estará sofrendo com depressão pós-parto. Apesar de os sintomas serem um pouco parecidos, sentir-se cansada e estranha com a nova rotina está relacionado ao baby blues, condição mais leve e comum. Ele é caracterizado por sentimentos de tristeza e choro fácil, que podem oscilar com momentos de ansiedade ou alegria.

Causado por mudanças hormonais, que se iniciam com um a três dias após o parto, o baby blues pode durar de duas a três semanas. "Em geral, é um estado transitório, mas deve ser dado a devida atenção e cuidados à mãe", destaca Stephani Caser, ginecologista da Vibe Saúde e doutoranda em endocrinoginecologia na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Já para o diagnóstico de depressão pós-parto, é necessário apresentar determinados sinais e o problema precisa durar por um período específico. "A depressão pós-parto pode durar até os mil dias do bebê, aproximadamente dois anos", explica Patrícia Guillon Ribeiro, psicóloga e professora do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), mestre em Psicologia da Infância e Adolescência.

Muitas vezes, o reconhecimento da doença demora e pode ser negligenciado por pessoas próximas ou até especialistas. "A depressão pós-parto é subdiagnosticada. Nosso serviço de saúde não está preparado para lidar, o que deixa essa mulher ainda mais desamparada", reforça a psicóloga da PUC-PR.

"Eu falava que preferia morrer a viver daquele jeito"

Thais logo que deu a luz ao Bento e teve crises - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Thais logo que deu a luz ao Bento e teve crises
Imagem: Arquivo pessoal

A carioca Thaís Dias, hoje com 39, já tinha sua filha Luiza, de quatro anos, quando resolveu ser mãe pela segunda vez. As duas gestações foram desejadas e, mesmo estando em um ritmo intenso e no melhor momento da carreira, quis dar à luz, cinco anos atrás, ao seu caçula Bento. "Eu estava em um momento profissional muito bom e com grandes desafios. Ele acompanhou uma realidade agitada", relembra.

Embora quisesse ter um parto normal, seu médico aconselhou uma cesárea e o bebê nasceu uma semana antes do natal. Por causa do procedimento cirúrgico, Thaís sentiu-se um pouco frustrada, mas precisou seguir com os cuidados normalmente dentro do hospital.

Logo no pós parto, os primeiros receios surgiram, principalmente quando começou a amamentar. Ela tinha tido problemas durante a amamentação com sua filha mais velha. Ao retornar para casa depois da alta, ela define a primeira noite como uma loucura. "Eu lembro que deitei, cochilei e minha sensação era que eu estava infartando. Levantei da cama de uma vez cheia de pontos e achei que estava morrendo", conta. A sensação se misturava com choro e taquicardia.

Quando procurou seu médico, ele aconselhou que Thaís e o marido procurassem uma emergência de um hospital para tomar uma medicação para ansiedade. A medida não teve efeito e, depois, foi orientada a ter consultas com um especialista em depressão pós-parto.

A primeira ida ao profissional foi um dia antes do Natal e ela não conseguia sequer ficar sozinha com a própria médica. "Ia eu, meu marido e o bebê. No meio do caminho sentia uma sensação de claustrofobia. A médica disse que eu estava tendo uma crise de pânico".

Assim como ocorreu com Thais, é comum que algumas mulheres sofram com depressão logo após o parto e tenham uma mistura de sentimentos. Os sintomas mais comuns são tristeza profunda, falta de apetite, fadiga e um distanciamento dos cuidados em relação ao bebê.

O transtorno pode ser desencadeado pela mudança repentina na rotina ou em mulheres que já têm maior predisposição ou que já tiveram depressão ou ansiedade em algum momento da vida.

Thaís lembra que se culpava muito por não acompanhar todos os momentos do filho como gostaria. "Em nenhum momento tive raiva do meu bebê e não queria deixá-lo desprotegido. Mas até hoje sofro porque perdi as primeiras semanas do meu filho", diz.

Por ainda estar amamentando, ela se recusou a tomar medicamentos, mas não sentia melhora somente com as consultas. "Eu cheguei a sair de camisola na rua à noite, porque não consegui ficar em ambientes fechados. Também não conseguia engolir comida, água, nada", conta.

Tratamento com remédios

Em momentos mais difíceis, ela chegou a ouvir que era coisa de sua cabeça e que ia passar. Mas demorou e não passou. Em um momento durante o banho, que Thaís só se lembrou depois de anos, ela conta que disse ao marido que preferia morrer. Foi então que o companheiro reforçou que ela precisava de tratamento medicamentoso.

A carioca destaca que se não fosse a ajuda da família e uma rede de apoio, não conseguiria sair da situação. "Eles falaram que eu estava com uma disfunção hormonal e eu comecei a tomar remédio somente depois de um mês. Eu fiz uma força-tarefa e a gente conseguiu encontrar um medicamento", relembra.

Thaís relembra que começou o tratamento com remédios, atrelado à psicoterapia, e sentiu melhora depois do terceiro mês. O uso de medicamentos seguiu por um ano e meio e, até hoje, ela continua fazendo sessões de terapia. "A relação com meus filhos melhorou muito. Você passa a entender mais, sente que seu sinal de alerta toca e precisa parar", afirma.
Geralmente, quando há apoio familiar é mais fácil se curar ou fazer com que os sintomas entrem em remissão. O tratamento indicado é sempre psicoterapia e, em alguns casos, remédio receitado pelo psiquiatra.

Depressão pós-parto x baby blues

publicitária Rebecca Cirino, 35, logo que deu à luz a bebê Catarina estranhou os sentimentos que estava tendo logo após o nascimento de sua primeira filha - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Rebecca estranhou a tristeza que estava tendo logo após o nascimento de sua primeira filha, Catarina
Imagem: arquivo pessoal

Como nunca quis ser mãe e teve uma gravidez de surpresa, Rebecca conta que lutou por algum tempo contra um sentimento de negação ao descobrir que estava grávida. "A história da minha filha começou com uma visita ao ginecologista para colocar um DIU e lá soube que estava grávida. Eu tinha medo de não querer e não amá-la", relata.

Quando já estava em casa e com a filha em seu colo, ouviu de sua cunhada que poderia estar sofrendo com os sintomas do baby blues. "Eu senti muito um luto dessa mulher que não vai voltar nunca mais. Nos primeiros dias é impossível você ser a mesma mulher. Lembro que chorava e dizia: o que eu fiz com a minha vida".

O tratamento indicado para mulheres que sofrem com baby blues também é procurar uma rede apoio que a ajude e seguir com acompanhamento psicológico.

O que diferencia ele da depressão pós-parto é que, nesta última, os sintomas são mais intensos e a tristeza é constante. Podem interferir até nos cuidados da mãe com o bebê, além das relações interpessoais com outras pessoas, diz a especialista.

Os momentos de amamentação também eram dolorosos e sofridos para Rebeca. Ela reforça que há muita romantização do ato, mas que o processo é bem difícil. Foi aí que percebeu que não estava bem e resolveu procurar ajuda. "Minha médica me orientou a voltar para terapia. Eu tive medo de não dar conta da minha vida. Não queria me resumir a ser mãe", relembra.

Rebecca lembra que em nenhum momento teve pensamentos ruins, mas pensava muito que podia ter sentimentos de morte daquela antiga mulher que era. Em nenhum momento deixou a filha chorar ou descuidou da bebê, mas quando estava no seu limite, pedia ajuda do marido ou de pessoas próximas.

Agora, passado um mês desde o nascimento da menina, a publicitária conta que contratou uma babá para ajudar nas tarefas mais difíceis e está conseguindo, aos poucos, estabelecer uma rotina melhor. Como não tem pais na cidade em que mora e uma rede de apoio tão próxima, aos poucos, ela e o marido estão tentando se ambientar. "Não estou 100% e acho que a privação de sono é muito maldosa com a mulher. Mas a Catarina está dormindo melhor e está dando um respiro para mim", afirma.

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