Topo

'São gerações de homens abusivos na família', diz tia de Armie Hammer

De Universa, São Paulo

31/08/2022 10h45

"Pequenas coisas se tornam gatilhos". Foi assim que Casey Hammer, tia do ator Armie Hammer, definiu, em entrevista exclusiva para Universa, sua luta para superar os traumas dos abusos que ela sofreu na infância, como parte da família do ator conhecido por filmes como "A Rede Social" (2010) e "Me Chame pelo Seu Nome" (2018) e acusado de abuso sexual, estupro e prática de canibalismo.

Ela é a consultora de produção da série documental que estreia dia 2 de setembro no Discovery+, "House of Hammer: Segredos de Família", onde conta que o comportamento sombrio de Armie não é uma surpresa, afinal, todos os homens de sua família têm um passado perturbador de violência.

Armie foi denunciado no começo de 2021 por abuso sexual e estupro na polícia de Los Angeles por uma mulher chamada Effie, de 24 anos, que manteve um relacionamento ioiô com o ator por quatro anos. Ela alega, entre outras coisas, que foi estuprada de forma violenta por quatro horas ininterruptas pelo ator, enquanto ele batia a cabeça dela na parede e a deixava cheia de hematomas.

Mas essa namorada não foi a única. Após as acusações, várias mulheres começaram a divulgar mensagens perturbadoras que receberam do ator pelas redes sociais. Com conteúdos sexuais explícitos, pedidos violentos, referências a canibalismo e fantasias sexuais perturbadoras, o documentário mostra prints de conversas das vítimas com Hammer, no Instagram. Em algumas delas, ele admite ser "100% canibal" e diz que gostaria de "fazer churrasco" com a costela de uma mulher.

Antes disso, ele foi casado com Elizabeth Chambers, também atriz, e tem dois filhos. O casal viveu juntos por dez anos até se separarem, em 2020. Em 2013, o ator disse em uma entrevista para a Playboy americana que gostava de dominar na cama mas após "casar com uma feminista" tinha mudado o comportamento "Você não pode puxar o cabelo de sua mulher. Chega um ponto em que você diz: 'Te respeito demais para fazer essas coisas que eu meio que quero fazer", disse ele na época.

A investigação desse caso da polícia de Los Angeles foi encerrada em dezembro de 2021, nove meses após as denúncias. De acordo com o site americano TMZ, especialista em celebridades, é improvável que ele enfrente as acusações e seja punido, mas caberá à procuradoria americana tomar a decisão. Por enquanto, não há novas evoluções sobre o caso.

Após a denúncia de Effie, o advogado de Armie disse que o ator mantinha apenas relações consensuais. No final de 2021, o ator se internou em uma clínica de reabilitação para álcool, drogas e sexo, mas saiu do tratamento depois de alguns meses.

Na série documental de três capítulos, Casey Hammer fala do histórico de homens abusivos da família, como quando ela encontrou fotos de atos sexuais do pai com outras mulheres quando era uma criança. Além dela, duas mulheres que tiveram relacionamentos amorosos com Armie falam abertamente sobre o que aconteceu com elas: Courtney Vuckovich, fundadora de um aplicativo de beleza Flashd, e a artista Julia Morrison.

Courtney Vuckovich é uma das mulheres que viveu um relacionamento abusivo com Armie Hammer  - Divulgação - Divulgação
Courtney Vuckovich é uma das mulheres que viveu um relacionamento abusivo com Armie Hammer
Imagem: Divulgação

Universa conversou com exclusividade com Casey, tia de Armie. No papo via Zoom, ela falou sobre a série e os abusos que sofreu na infância. E, em certo momento, demonstrou como era difícil falar sobre esse assunto. "Tenho certeza que é difícil ver o que é mostrado na série para qualquer pessoa", afirma. Leia a conversa a seguir e assista no vídeo acima.

UNIVERSA: Como é a relação com o Armie?
CASEY: Minha mãe morreu há 14 anos e, até aquele momento, ela tentava nos manter juntos, como uma família disfuncional. Quando ela morreu, seguimos caminhos diferentes. Não tenho nenhuma relação com o Armie.

 Casey Hammer, tia de Armie Hammer  - Divulgação  - Divulgação
Casey Hammer, tia de Armie Hammer, escreveu um livro sobre os abusos que vivem em família
Imagem: Divulgação

Qual foi a pior mensagem ou depoimento que você leu e ouviu sobre ele?
Não fiquei chocada quando comecei a vê-lo na mídia por mau comportamento. Não me choco muito por causa das minhas experiências pessoas e a forma como cresci em minha família. Foram gerações de homens abusivos.

Para mim, uma vez que se tornou público, tínhamos que responsabilizar os culpados e colocar um fim nisso. Chegamos ao limite. Estou dizendo isso há 61 anos, que vejo o comportamento em minha família. Chegou a hora de parar.

E mesmo quando as vítimas começaram a falar, a mídia e as manchetes estavam focadas na carreira de Armie, mas deveriam estar focadas nas vítimas. São elas que têm que viver com o que aconteceu, com as cicatrizes dos abusos sexuais, físicos, mentais e emocionais. Elas passaram por controle mental e manipulação. Eram mulheres fortes e poderosas que, falando sobre o que passaram na série, ajudam a mostrar para outras vítimas que elas não estão sozinhas.

Abusadores tentam te isolar e manipular, para que você sinta que tudo é sua culpa, e que não tem nenhum poder. Está na hora de responsabilizar os homens ricos e poderosos por isso.

Quando o movimento Me Too surgiu, ele estava focado no ambiente de trabalho, mas precisamos de um desse para os ambientes familiares. É necessário responsabilizar os abusadores. Seus pais dão a luz e dizem que te amam, mas não quer dizer que podem fazer o que quiserem com sua vida. Você tem o direito de escolha e de dizer não, de colocar um ponto final e pedir dignidade e respeito.

Nada realmente a chocou?
Para ser honesta, tenho certeza que é difícil ver o que é mostrado na série para qualquer pessoa.

Eu assisti e, mesmo sabendo o que eu vivi na minha família, já adulta, revejo aquilo e sinto os gatilhos e os traumas. Não consigo acreditar que quando eu era criança deixava meu pai atirar em uma lista telefônica enquanto eu a segurava.

Quando crescemos, ficamos surpresos em como insistimos em um relacionamento tóxico porque estamos buscando o amor de alguém para validar nossa existência. É muito triste. Estou aqui para contar minha história e para que as vítimas não se sintam sozinhas.

Mesmo nesse tipo de situação, você acredita em redenção?
Vivo com a esperança de que todos aqueles que escolhem melhorar, conseguem. Se não fizer essa escolha, não vai acontecer. No documentário, vocês veem que meu pai foi para um hospício, mas meu avô controlava toda a narrativa. Não podíamos envergonhar a família, então meu pai nunca melhorou. Fez coisas horríveis até sua morte. Mas você tem esperança que um dia seu pai vai mudar e te amar, mesmo depois de toda a tristeza e abuso. E você aceita qualquer tipo de afeto, porque acredita que aquilo é amor.

Você foi abusada?
Sim, e falo isso no livro que escrevi, "Surviving My Birthright" (na tradução livre, "Sobrevivendo a Minha família"). Ainda é muito difícil falar sobre isso e é algo que eu procuro ajuda para lidar. Vocês veem na série quando falamos de cenas de estupro. A situação se torna tão real que dá um clique e você percebe que, sim, é vida real. As menores coisas acabam se tornando gatilhos. Isso me mostrou que eu precisava de ajuda ou não aguentaria mais ficar nesse mundo. Escolhi procurar apoio. De novo, pessoas que passam por isso precisam de ajuda para superar.

Foi isso que te deu coragem para fazer a série?
Quando eu escrevi o livro, foi mais como um processo de cura para mim, para me dar o empoderamento que eu precisava, o controle sobre o que aconteceu. Quando as pessoas chegaram ao livro, eu não conseguia mais controlar nada. Sete anos após sua publicação, eu estava vivendo minha vida calmamente quando um perfil do TikTok achou o livro. Em duas horas, minha vida toda mudou. Naquele momento, estava fora do controle. Foi assustador. Eu não sabia o que estava por vir.

Nesse momento você tem que ter forças para assumir aquilo e confiar no universo para que ele te guie, proteja e mostre os caminhos certos. Ele me mostrou meu propósito, que é continuar falando da minha história e, tomara, ajudar pelo menos uma pessoa a se curar dos traumas. É fazer a diferença.