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Gabriel Monteiro: como cultura da 'novinha' incentiva abuso contra menores

Fernando Frazão/Agência Brasil
Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil

De Universa, em São Paulo

18/08/2022 20h02

"Gosto muito de novinha". Essa é uma das declarações ouvidas em um áudio atribuído ao vereador carioca Gabriel Monteiro (PL), investigado por estupro e assédio sexual, para se referir a meninas de "16 e 17 aninhos". Ele é julgado nesta quinta-feira (18) na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e pode ser cassado, seguindo pedido do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da casa, após as denúncias virem à tona —a elas, se somam ainda acusações de assédio moral contra ex-assessores.

A possível cassação não o impede, contudo, de disputar uma vaga na Câmara dos Deputados. Apesar das denúncias, o PL, partido de Gabriel, espera que ele seja um "puxador de votos". Mas, para a advogada Luciana Temer, do Instituto Liberta, a cassação ainda pode ser uma mensagem positiva para combater a "cultura da novinha".

"Falar em 'gostar de novinha' não é um crime porque você não específica idade: posso estar falando de uma novinha de 18 anos. Mas é uma cultura que precisa ser modificada. Sabemos, no Brasil, que quando falamos em 'novinha' falamos realmente de meninas", afirma.

"Uma cassação por falta de decoro é uma resposta importante independentemente se houve ou não crime. Passa um recado importante de que não aceitamos diversos comportamentos na posição em que ele está. É uma menagem simbólica e importante."

Pornografia estimula erotização de meninas

"Essa cultura está introjetada há muito tempo, dentro de uma cultura machista e de objetificação das mulheres. Não estamos falando de um movimento novo, mas que agora está sendo visualizado. No mundo masculino, sempre se ouviu com muita naturalidade alguém dizer que 'só pega novinhas'. E hoje sabemos que 61% dos estupros no Brasil são contra meninas e adolescentes menores de 13 anos", diz Luciana, em referência ao Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021.

Para a advogada, o enfrentamento a essa cultura passa pela discussão e regulamentação da indústria da pornografia.

"A cultura machista sempre existiu e a pornografia retrata essa cultura, que sempre atacou meninas. No entanto, isso tem siso retroalimentado por uma indústria poderosíssima sem regulamentação e agora a pornografia potencializa isso em um nível maior porque chega em todos os espaços. Qualquer criança tem acesso a sites pornográficos no celular e computador. Tem uma geração sendo formada pela lógica da pornografia", diz.

No Brasil, 'hentai' foi o termo mais pesquisado no Pornhub em 2021. "São desenhos animados extremamente violentos, geralmente com uma menina vestida de colegial sendo estuprada por homens adultos", diz.

Tiktok, funk e 'cultura da novinha'

Luciana não concorda com falas que atribuem a cultura da novinha a um problema específico, como as redes sociais. Em fevereiro, a ex-ministra Damares Alves associou a gravidez e sexualização precoces ao uso do TikTok.

"Se você parte desse princípio, você tem que acreditar que a violência só aconteceu depois que a internet surgiu e a partir das redes sociais. Hoje temos um outro tipo de violência e a online que é uma modalidade nova. Na minha leitura, não são as mídias sociais que causaram isso. Nenhuma sexualização pode justificar uma violência."

Outros setores mais conservadores também atacam e relacionam o funk com a erotização precoce. Com a palavra 'novinha' popularizada por MCs e em letras das músicas, todo um ritmo é estigmatizado, diz a produtora de conteúdo digital a analista de marketing Tamiris Coutinho, idealizadora do Coletivo Funk no Poder e da Braba Comunicação.

"O termo 'novinha' acabou ganhando mais visibilidade através das letras de funk, mas querer ligar exclusivamente o funk a essa questão é um discurso para perseguir e criminalizar o movimento e as pessoas que o constroem diariamente. Quando outros gêneros musicais trazem essa mesma questão nas músicas, não há críticas na mesma intensidade. Uma música com versos "É porque tu senta com carinha de neném' ["Carinha de neném", do cantor Japãozin] estava estourada nas paradas de sucesso um tempo atrás, mas nenhum debate acerca dessa conotação ganhou visibilidade", diz a pesquisadora.

"Atribuir ao funk uma problemática que envolve questões complexas — como a erotização precoce, pedofilia, casamento infantil, exploração sexual, educação sexual — é mais uma tentativa de criminalizar o movimento, e principalmente, mascarar e negar a profundidade das questões que envolvem a chamada 'cultura da novinha'", completa.

"Em grande maioria, os que buscam fazer isso são exatamente os conservadores que se negam a debater essas questões e inclusive, defendem, por exemplo, a ausência da educação sexual e o casamento a todo custo, incluindo mulheres menores de 18 anos."

Luciana concorda que, como início da desconstrução desse movimento, está a educação sexual nas escolas, públicas e privadas. "Temos que trabalhar com uma lógica de consciência. E isso se faz a partir dessa discussão sobre sexualidades saudáveis. Só assim você vai despertar reflexão e consciência nestas meninas e meninos."