Pacientes falam de anestesista preso: 'Sedação total e marido fora da sala'
Marcela Lemos
Colaboração para Universa, no Rio de Janeiro
12/07/2022 13h47
Com os filhos ainda no colo, duas mulheres atendidas pelo anestesista Giovanni Quintella Bezerra, 32 anos, preso por estupro na segunda-feira (11), procuraram a DEAM (Delegacia de Atendimento à Mulher), na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, para prestar depoimento.
Em entrevista coletiva, as pacientes relataram um procedimento padrão do médico: sedação total e pedido para que os maridos se retirassem do centro cirúrgico após o nascimento dos bebês.
No fim da manhã de hoje, a técnica em radiologia Naiane Guedes, 30, contou que estranhou a anestesia total e disse recordar de Giovanni sussurrando no ouvido dela.
"Um fato marcante é que o tempo todo ele falava baixinho no meu ouvido. Ele me monitorava, mas as perguntas de praxe fazia muito próximo ao meu ouvido e isso me incomodou bastante", lembrou a paciente, que tem histórico de dois partos e não foi totalmente sedada nas cirurgias anteriores.
A mulher contou ainda que se desesperou ao reconhecer o anestesista nas reportagens que mencionavam a prisão dele. "Eu fiquei completamente dopada. Quando recupero a memória, lembro de só ouvir a voz dele no centro cirúrgico, não escutava a voz de mais ninguém. A impressão é que estava sozinha com ele."
O parto de Naiane aconteceu no dia 5 de junho no Hospital da Mãe, em Mesquita, na Baixada Fluminense -uma das unidades em que o médico atendia.
O marido de Naiane, Rafael, disse que, depois que o bebê nasceu, ele teve de deixar a sala de parto. Ao contrário do que aconteceu após o nascimento dos primeiros filhos do casal, ele não acompanhou a mulher até o fim do procedimento. "Depois que eu saí, ela foi sedada. Tudo isso é revoltante", disse Rafael.
Uma segunda mulher, que pediu para não ter o nome divulgado, também conversou com os repórteres na delegacia na manhã de hoje, e relatou o mesmo padrão de atuação do médico.
Ela contou que chegou à unidade hospitalar para um parto de emergência e que o anestesista a informou que ela seria sedada, mas garantiu que estava tudo bem com a paciente.
Essa outra vítima disse ainda que, pelo que lembra, acordou com o anestesista limpando as mãos ou tirando a luva.
"A gente não entra no centro cirúrgico achando seremos abusadas, mas ficamos em uma situação vulnerável. Eu lembro que fiquei preocupada com o apagão. Já passei por uma cesárea antes e não aconteceu essa sedação."
A mulher disse que desde que soube da prisão do anestesista, tem se questionado se foi abusada. "A desculpa que usam [para o abuso] é a roupa, como [a mulher] se comporta e a gente não está ali em situação dessas."
Até o momento, dois médicos e outros quatro profissionais entre enfermeiros e técnicos de enfermagem já prestaram depoimento à Polícia Civil do Rio. Os médicos não quiseram dar entrevista.
De acordo com Bruno Rocha, advogado da Fundação Saúde, responsável pela administração do hospital, os profissionais ficaram surpresos com as imagens obtidas e que o estupro filmado teria ocorrido após o nascimento da criança.
O advogado disse que o caso corre sob sigilo e não comentou o depoimento da equipe médica do hospital.
Entenda o caso
Giovanni Quintella Bezerra, de 32 anos, foi preso em flagrante na madrugada de segunda-feira (11) pelo crime de estupro de vulnerável.
Um vídeo gravado com um celular escondido na sala de cirurgia do Hospital da Mulher, em Vilar dos Teles, em São João de Meriti (RJ), mostra o profissional colocando o pênis na boca da paciente, que está dopada para o nascimento do bebê.
O vídeo foi gravado e entregue à polícia por enfermeiras da unidade, que desconfiaram da quantidade de sedativo usado pelo anestesista em outras ocasiões e da movimentação dele próximo à paciente, segundo a Polícia Civil.
Nas imagens gravadas, a mulher aparece deitada e inconsciente durante o parto. Do lado direito do lençol, sempre usado em cesarianas, o médico aparece colocando o pênis para fora e introduzindo o órgão da boca da mulher. O ato dura dez minutos. Do outro lado do lençol, a menos de um metro de distância, está a equipe médica trabalhando no nascimento do bebê.
A reportagem teve acesso às imagens, mas optou por não publicá-las para preservar a vítima.
O pai da criança foi comunicado sobre o crime e, até a saída da polícia da unidade de saúde, a vítima ainda não havia tomado conhecimento do estupro.
Antes de ser flagrado, o anestesista já havia participado de outras duas cirurgias e apresentado o comportamento suspeito.
Universa tentou contato com a defesa do médico, o advogado Hugo Novais, por telefone e por mensagem de aplicativo, mas ele apenas afirmou que se pronunciará em breve. A reportagem será atualizada assim que haja uma manifestação.
O crime de estupro de vulnerável tem pena prevista de 8 a 15 anos de prisão.