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Aliadas: madrastas e mães contam como mantêm boa relação: 'Sem competição'

A menina Drielly entre a mãe Darla (esq) e a madrasta Gabriela Raquel (dir) - Arquivo pessoal
A menina Drielly entre a mãe Darla (esq) e a madrasta Gabriela Raquel (dir) Imagem: Arquivo pessoal

Luiza Souto

De Universa, do Rio de Janeiro

14/06/2022 04h00

Em muitos filmes, livros e no imaginário coletivo, a figura da madrasta é retratada pejorativamente, inclusive como "mulher má, pouco carinhosa, insensível", como define o dicionário Aulete. Realidade bem distante da vendedora Gabriela Raquel, de 30 anos, e da servidora pública Joziane Oliveira, 29, que além de terem nutrido amor pelas respectivas enteadas, tornaram-se amigas das mães biológicas.

"Somos tão amigas que a gente se reúne para falar mal do pai dela", ri a designer de unhas Camila Cândido, 24. Ela é mãe de Melissa, 7, enteada de Jozi.

Especialistas ouvidas por Universa ensinam que essa boa relação entre os envolvidos influencia diretamente na formação da criança, já que a família é nossa primeira base.

A psicóloga clínica pela PUC de SP Vanessa Gebrim diz que o modo como os pais se relacionam acaba trazendo exemplos para a criança. "O bom convívio facilita o equilíbrio e impede que essa criança, por exemplo, não se torne um adulto com possíveis transtornos", aponta.

Ane Macedo, especialista em neurociência e desenvolvimento infantil do Projeto Pigmeu, acrescenta ainda que bebês conseguem escutar conversas e detectar uma injustiça, posicionando-se internamente diante dela, e que por isso se deve ter cuidado com palavras e comportamentos inadequados estando próximos à criança.

"Mesmo quando a comunicação não está desenvolvida, a percepção do certo e errado já existe. Por isso, o melhor é proteger a criança de interpretações equivocadas e de sentimentos nocivos como o da impotência e confusão interna na vida adulta, gerados por traumas vividos na infância. Toda a família deve estar alinhada no propósito da educação", ela ensina.

E para achar esse equilíbrio quando se envolve uma família de fora, no caso a da madrasta, Ane indica que mãe biológica e ela, em conjunto, façam algumas atividades que ajudem no desenvolvimento infantil, como ler histórias. E tenham paciência e persistência.

Veja como Gabriela e Joziane lidam com suas enteadas, com auxílio das mães Darla Cristina Pereira, 28, e Camila Cândido.

"Presente de Deus na minha vida"

"Conheci o pai da Drielly em 2012, quando ela tinha 2 anos e morávamos todos próximo, em Bangu, na zona norte do Rio. Ele já estava separado da mãe dela.

Minha única preocupação no início era ser aceita na família, mas as coisas foram acontecendo naturalmente. Ela mora conosco, na maioria das vezes quem resolve as coisas para ela sou eu, vou às reuniões de escola. E ela é tranquila em relação a isso. Fala que considera as duas como mãe. Tudo é questão de conversa e maturidade. E de ser bem resolvida.

Em 2017, na escola, minha enteada não sabia para quem dar presente no Dia das Mães, e a professora ajudou a fazer dois, que eram um chaveirinho com a foto dela. Eu nem esperava em receber.

Acho importante atitudes como essa porque hoje em dia são poucas as famílias que têm pai e mãe juntos, e isso acaba mexendo com a criança. É bom quando a escola também incentiva a boa convivência.

Dois anos depois, em 2019, no Dia das Mães, eu tive vontade de fazer um ensaio fotográfico com ela e chamei a mãe para participar. Ela aceitou na hora.

Eu sei que muitas vezes é difícil essa convivência entre a madrasta, a mãe biológica e a criança, mas quando se tem diálogo das duas partes, e não há competição, tudo se torna mais fácil.

O que mais escuto é: 'Você tem muita coragem' ou 'você é doida pegar uma responsabilidade que não é sua'. Pois ela é um presente de Deus na minha vida. Gabriela Raquel, 30 anos, vendedora, moradora de Maricá (RJ)

Gabriela Raquel com a menina Drielly, Carla e seu filho Bryan, de 5 anos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gabriela Raquel com a menina Drielly, Carla e seu filho Bryan, de 5 anos
Imagem: Arquivo pessoal

"Foi através da Gabriela que pai e filha se aproximaram, incentivando ele a pegá-la comigo, a sair para comprar as coisas para ela. E desde então nos demos bem.

Foi uma relação natural, sem muitos mistérios. É só ter conversa e maturidade, e nós duas sempre conversamos muito. A Gabriela faz as vontades dela e sou muito grata." Darla Cristina Lima Pereira, 28, mãe de Drielly, vendedora, moradora de Bangu (RJ).

Pauta sobre madrastas: Joziane Oliveira e Camila Cândido com a menina Melissa, filha de Camila - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Camila Cândido ao lado de Joziane Oliveira segurando a filha Joana, e Melissa nos braços do pai
Imagem: Arquivo pessoal

"Sou a mãe do coração"

"Quis ser mãe depois da minha relação com a Melissa. Tanto que comecei meu namoro com o pai dela, Oberdan, em julho de 2018 e em dezembro engravidei da Joana, que tem 2 anos. Depois tive ainda a Catarina, de 5 meses. Melissa está com 7.

O pai dela me apresentou como uma amiga, e quando eu não ia na casa dele, ela pedia para me ver. Eu sentia saudade também, um amor foi despertando. Às vezes, o pai dela ia me buscar no trabalho e ela queria ir junto. Até que uma vez soltou: 'Eu sei que você não é amiga do meu pai. Eu sei que você é namorada dele.'

No aniversário de 4 anos da Melissa, a Camila me chamou para a festa e achei muito legal da parte dela. No ano seguinte, ela quis de presente fazer fotos com a família. E disse que eu e a minha filha, a Joana, também éramos a família dela.

Mas quando postamos o ensaio fotográfico nas redes, a Melissa chegou da escola chorando porque falaram mal da família dela. Uma professora insinuou que o pai tivesse um relacionamento com a mãe e a madrasta ao mesmo tempo, e fui lá conversar e dizer que não gostei. Até hoje escutamos críticas de pessoas próximas, que não acham normal essa boa relação.

Eu tinha preconceito com homem que tem filho, e não queria esse 'problema' para mim. As amigas também falavam para não confiar, mas eu e a Camila nos respeitamos e confiamos uma na outra. A gente é amiga. Já aconteceu de eu levar a Melissa no médico, ou a Camila tomar o café da manhã aqui com a Melissa.

Fora isso, foi a Camila quem cuidou da minha filha Joana por sete meses quando eu voltei a trabalhar. Cuidou por gratidão, uma foi rede de apoio da outra.

A Melissa me chama de Jozi e eu chamo de filha, e quando perguntam ela explica que sou a mãe do coração." Joziane Oliveira, 29 anos, servidora pública, de Araquari (SC).

Joziane Oliveira e Camila Cândido com a menina Melissa, filha de Camila - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Camila Cândido ao lado do ex-marido, pai de Melissa, e Joziane Oliveira
Imagem: Arquivo pessoal

"Sempre houve conversa"

No começo tive ciúmes da minha filha, mas sou muito grata à Jozi pela madrasta que é, porque ela tem um amor muito grande por ela. Hoje também sou madrasta e eu a admiro mais ainda, porque não tenho essa ligação com meus dois enteados, nem tenho contato com as mães nesses dois anos de relacionamento com meu marido.

Eu e o pai dela sempre tivemos uma boa convivência e combinamos de só apresentar alguém a ela se fosse uma relação séria. E explicava para minha filha que um dia o papai ia arrumar uma namorada e dar outros irmãos para ela. Hoje ela tem dois da parte da Jozi, e mais um meu, que tem 10 meses.

No começo ela não aceitou, porque quando ela cisma com uma pessoa pode mover mundos e fundos que ela não se aproxima. Mas veio a Jozi e a Melissa gostou muito dela.

Hoje eu e Jozi somos tão amigas que a gente se reúne para falar mal do pai da Melissa. (risos)" Camila Cândido Prado de Morais, 24 anos, designer de unhas, de Araquari (SC).