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Ela viralizou nas redes sociais falando sobre autoestima e síndrome rara

Juliana Fernandes recebeu o diagnóstico de síndrome de Melnick-Needles, que provoca má-formação óssea - Arquivo pessoal
Juliana Fernandes recebeu o diagnóstico de síndrome de Melnick-Needles, que provoca má-formação óssea Imagem: Arquivo pessoal

Juliana Fernandes, em depoimento a Priscila Carvalho

Colaboração para Universa

16/04/2022 04h00

"Eu era uma bebê perfeita quando nasci. Peso normal, grandona. Minha mãe dizia que foi uma gravidez tranquila. Fui crescendo e me desenvolvendo, mas, aos três anos de idade, meus pais perceberam que meu pé era tortinho. Como moro na cidade de Tupã, no interior de São Paulo, comecei a viajar à capital paulista para realizar diversos exames. Depois de muita investigação, quando já tinha cinco anos, os médicos me deram o diagnóstico de síndrome de Melnick-Needles, que provoca má-formação óssea.

Segundo os especialistas, o meu caso era o único no Brasil e eu comecei a ser estudada. Geralmente, pacientes com a doença sofrem com pneumonia e problemas nos rins, mas eu não tinha nada daquilo. Eu brinco que é só lataria, por dentro é tudo perfeito. Aos poucos, as anomalias começaram a aparecer. O meu olho era grande, meu braço era torto, minha perna era mais curvadinha e eu tinha baixa estatura. No entanto, minha parte cognitiva nunca foi afetada e eu me desenvolvia normalmente.

Por causa das idas frequentes ao hospital, nos mudamos para São Paulo e moramos lá por três anos. Durante todas as investigações no tratamento, os médicos nunca conseguiram dizer por que eu desenvolvi essa condição. Chegaram a falar que podia ter sido ainda na gestação, quando o bebê recebe os nutrientes via placenta. Os especialistas disseram que eu poderia ter invertido os alimentos quando estava na barriga da minha mãe. Mas nunca chegaram a uma conclusão. É uma curiosidade que eu também gostaria de saber.

Continuei com os acompanhamentos e precisei fazer uma cirurgia de desvio de septo aos oito anos de idade. Eu acordei no meio do procedimento, tinha vários médicos me olhando e demorou muitas horas para acabar. No entanto, continuei com o problema no nariz. Ele era até mais bonito antes da cirurgia.

Juliana - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Juliana Fernandes: 'Aos 15 anos, optei por desistir do tratamento médico e hoje levo uma vida normal'
Imagem: Arquivo pessoal

Na mesma época, os médicos disseram que eu não ia mais movimentar meu braço e que ele ficaria quase 90% imóvel. Até sugeriram uma cirurgia, mas não era garantia de melhora. Então, preferi não fazer.

Como não tinha tantos problemas provocados pela síndrome e minha parte neurológica era normal, o único tratamento que os médicos recomendavam era usar um colete para melhorar minha postura, já que a doença afeta a parte óssea. Mas ele não trazia benefício nenhum. Muito pelo contrário. Só limitava os meus movimentos e me incomodava.

Nós já tínhamos voltado para o interior e minha mãe já estava bem cansada da rotina de ficar indo ao capital para realizar novos exames e para eu ser avaliada pelos médicos. Depois de muitos anos os especialistas constataram que, no meu caso, a síndrome não era nada grave e só comprometia meus ossos mesmo.

Os médicos colocaram alguns empecilhos para o meu desenvolvimento e minha mãe tomou a frente. Quando completei 15 anos, optamos por não seguir com as consultas e desistimos do tratamento. Desde então, tive uma vida normal. Continuei estudando, seguindo minha rotina e, aos 18 anos, comecei a pensar sobre a faculdade que eu gostaria de fazer. Eu me interessava por veterinária, mas como não tinha esse curso na minha cidade, prestei vestibular para pedagogia.

'As crianças me enxergam como uma pessoa normal'

Como sempre fui apaixonada por crianças, estudar pedagogia me permitiu explorar esse lado. Fiz minha faculdade, concluí o curso e passei em um concurso para dar aula em uma escola pública. Comecei a dar aula para o ensino fundamental e depois para o infantil. Hoje, eu dou aula para primeira infância e auxilio no processo de alfabetização.

As crianças me tratam com muito carinho e me enxergam como uma pessoa normal. Acredito que a maldade esteja mesmo no adulto. Mas os pequenos não me olham diferente.

Gosto muito do que faço. Hoje tenho uma ótima rotina e total autonomia. Não tenho problema para dirigir e eu mesma conduzo meu carro para o trabalho todos os dias. Inclusive o veículo não precisou de nenhuma adaptação, mesmo eu tendo 1,40 de altura.

'Vídeos sobre autoestima viralizaram no TikTok'

No início da pandemia, resolvi aproveitar o tempo livre e comecei a postar vídeos aleatórios no Tik Tok. Decidi postar um conteúdo falando sobre beleza e o título era: 'Beleza é para quem tem'. O conteúdo tinha uma musiquinha. Ele viralizou rapidamente e surgiram comentários lindos e outros com muitas ofensas e haters.

Depois de alguns meses, iniciei com os vídeos falando sobre a síndrome e, do dia para a noite, já estava com 100 mil seguidores. Mesmo sendo uma doença curiosa e diferente, comecei a fazer mais postagens de autoestima. Muitas pessoas vieram falar comigo e diziam ter se identificado. Recebia comentários de pessoas com depressão, que não tinham autoestima e sofriam. Eles receberam meus vídeos como uma forma de inspiração.

Nas publicações eu sempre enfatizo: 'Se a gente não se amar, quem vai nos amar? A vida é um sopro'.

Quando comecei a postar conteúdos com o meu namorado, com quem estou há quatro anos, algumas pessoas diziam que eu deveria namorar uma pessoa com deficiência ou que fosse igual a mim. Muitos não aceitavam eu estar com alguém que não fosse diferente.

Hoje, eu já atingi a marca de 1,3 milhão de seguidores só no TikTok e uma agência me procurou para ver se eu tinha interesse em trabalhar para uma outra rede social.

Agora, divido meu tempo entre dar aulas e postar vídeos de motivação no Kawai. Minha renda vem das aulas e da produção de conteúdo.

Aprendi a lidar com o preconceito, com os haters e Deus me dá força para suportar tudo. Hoje, não ligo para o que eles falam. Escolhi passar por cima disso e ter uma vida diferente."

Juliana Fernandes, 26 anos, pedagoga e influenciadora digital

O que é a síndrome Melnick-Needles?

É uma doença genética considerada rara. Ela afeta, principalmente, a formação dos ossos. O problema envolve um gene chamado filamina A, que é responsável por sintetizar colágeno no nosso corpo.

Ainda não há um número concreto de quantos casos da doença são prevalentes no Brasil e no mundo.

Sintomas da doença

Geralmente, a condição se manifesta de maneira bem caracterizada, provocando olhos saltados, bochechas bem redondas e, em alguns casos, excesso de pelos na testa.

Assim como Juliana, quem sofre com síndrome apresenta estatura baixa. Além disso, pode ter pernas arqueadas, escolioses e algumas luxações. "Também pode ocorrer perda auditiva e atraso no desenvolvimento", diz Renata Tenório, médica geneticista do Instituto de Neurologia de Curitiba (INC) e mestre em Medicina Interna e Ciências Médicas.

Como é uma doença ligada ao cromossomo X, os sinais são mais comuns em mulheres do que em homens. Quando afeta o sexo masculino, os meninos podem ir a óbito ainda dentro da barriga da mãe.

Tratamento

Não existe cura para a síndrome de Melnick-Needles. O tratamento ocorre de forma multidisciplinar e envolve procedimentos específicos para corrigir determinado sintoma apresentado. Esses podem ser cirurgias para melhorar a escoliose e refazer a estrutura do queixo, entre outros.