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Golpista de apps de namoro tem prisão preventiva decretada em São Paulo

A pena prevista para o golpista de São Paulo é de 4 a 8 anos de prisão - skyNext/Getty Images/iStockphoto
A pena prevista para o golpista de São Paulo é de 4 a 8 anos de prisão Imagem: skyNext/Getty Images/iStockphoto

Mariana Kotscho

Colaboração para Universa

04/03/2022 12h18

"Augusto, 36 anos. Engenheiro Civil, Pós Graduação, SP. Morador da região da Av. Paulista. Cozinheiro amador. Procura relacionamento sério."

Se você está num aplicativo de namoro como Tinder, Lovoo, Badoo, Pof ou outros e já deu match com um perfil parecido com o descrito acima, cuidado. O que parece ser um pretendente interessante é, na verdade, um golpista que age há pelo menos 10 anos nestes apps fazendo vítimas mulheres principalmente no estado de São Paulo.

O caso lembra muito o documentário da Netflix "O Golpista do Tinder", que conta a história de Simon Leviev, um autêntico estelionatário sentimental israelense que fez vítimas em vários países. Mas, ao que tudo indica, a versão brasileira do Golpista do Tinder teria começado no ramo bem antes deste que agora ficou famoso.

Muito sedutor, assim como Simon, Augusto em pouco tempo conquista suas vítimas prometendo um relacionamento sério e até começa a frequentar a casa, a conhecer amigos e parentes. Ao se aproveitar do envolvimento amoroso (por parte da mulher) ele começa a pedir dinheiro emprestado, com desculpas como ter tido contas ou bens bloqueados de repente. Em mais de um caso, usou como argumento a versão de que o contador teria se equivocado com o imposto de renda, o que teria feito com que caísse na malha fina e por isso precisaria pagar imposto, mas como "estava" com as contas bloqueadas, ainda pedia o empréstimo em dinheiro vivo.

Quando o relacionamento avançava, ele até fazia proposta de abrirem um negócio juntos. Mas depois que alcançava seus objetivos, ele desaparecia. O sumiço poderia se dar em 4 dias ou em meses, dependia de quanto ele percebia que podia tirar da vítima. Teve quem desse a ele R$ 1.100 e até R$ 150 mil.

Ao menos 7 mulheres já foram enganadas por golpista brasileiro

A Promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo Erika Pucci da Costa Leal, que atua no caso, já identificou pelo menos 7 mulheres que foram vítimas de Augusto, nome fictício usado pelo estelionatário nos diversos apps de namoro. O sobrenome variava. O nome verdadeiro dele ainda não pode ser revelado para não atrapalhar as investigações. As vítimas, em geral, são mulheres entre 34 e 40 anos com perfis diferentes e que trabalham como advogadas, professoras, vendedoras ou na área de tecnologia da informação.

A prisão preventiva foi decretada pelo golpe aplicado em uma das vítimas em 2021, que reuniu provas e fez a denúncia em uma delegacia. Ele deve responder por crime de estelionato, já que o estelionato sentimental, embora seja um termo utilizado, não consta no código penal. Mas é possível dizer que a forma como ele ilude as vítimas envolve manipulação de sentimentos.

"Augusto se apresenta como um homem afetuoso, atencioso, com histórias de ausência de família próxima ou de muita carga de trabalho a impedir inserção da vítima no seu círculo social. No entanto, mantém encontros pessoais, inclusive frequenta a residência das vítimas e conhece familiares dela, ganhando a confiança deles também. Desde o começo, ele já vai atuando de forma que ela lhe entregue bens ou valores", afirma a promotora.

Ao que tudo indica, ele atua sozinho, mas dava conta de várias vítimas ao mesmo tempo, como apurou Erika Pucci: "Como ele transitava por vários aplicativos e há relatos de mais de uma vítima no sentido de que em poucos meses ele chegou a mudar mais de 10 vezes de número de telefone, é de se pressupor que os golpes eram aplicados em mais de uma vítima ao mesmo tempo."

No golpe mais rápido, ele tirou da vítima R$ 8.400 em 4 dias. Era uma mulher extremamente fragilizada por questões sérias de doença e luto na família.

Vítimas têm direito a ressarcimento

"O que precisa ficar muito claro é que, além de as vítimas terem direito de buscar o ressarcimento dos prejuízos e danos que sofreram no juízo cível, esse tipo de conduta se constitui crime e deve ser noticiada e devidamente punida na esfera criminal. Que é o que eu estou buscando nesse processo no qual a prisão dele foi decretada. Esse tipo de criminoso não lesa as vítimas apenas patrimonialmente. Ele subtrai delas a autoestima e o amor-próprio e isso dificulta muito a denúncia", ressalta a promotora do caso.

As vítimas que foram localizadas pela reportagem não quiseram dar entrevista porque ainda estão muito traumatizadas e também por medo, já que o golpista do Tinder brasileiro (e do Badoo, do Pof...) ainda não foi localizado e preso.

A promotora Erika Pucci, que atua no caso, acredita que Augusto tenha feito muitas outras vítimas que devem aparecer agora que o caso está sendo divulgado. Ela pede para que mulheres que suspeitem que tenham tido algum contato com ele entrem em contato com o Ministério Público. Ele sabe do mandado de prisão e ainda não foi localizado, portanto em breve pode ser dado como foragido.

A expectativa da promotora é que ele seja preso nos próximos dias: "O que gostaria de pedir é que todas a vítimas que passaram por situações como essas, homens e mulheres, se conscientizem de que foram de fato vítimas dessas pessoas inescrupulosas e denunciem. Denunciem não apenas para que eles respondam pelo que fizeram a cada um de vocês mas para impedir que continuem aplicando golpes em outras pessoas. A denúncia pode ser formulada junto às delegacias especializadas ou ao Ministério Público. Se houver dúvida quanto ao seu caso se tratar do específico do Augusto, como eu disponho de foto dele, a denúncia pode ser encaminhada para mim na promotoria criminal de São Bernardo do Campo e após verificarmos se se trata mesmo dele (ou não), serão dados os devidos encaminhamentos"

A pena prevista para o golpista é de 4 a 8 anos de prisão.

O que é estelionato sentimental

A promotora de justiça Valéria Scarance, coordenadora do núcleo de gênero do Ministério Público de São Paulo, explica que o termo estelionato sentimental, ou golpe do amor, já é usado no Brasil em ações de indenização por danos patrimoniais e morais desde 2013, embora tenha ficado mais conhecido agora com o documentário "O Golpista do Tinder".
"No primeiro caso de que se tem notícia, no Distrito Federal, reconheceu-se o direito à indenização para uma namorada que gastou aproximadamente cem mil reais em benefício do namorado, que a convenceu sob a promessa que devolveria todo dinheiro em razão da relevância do relacionamento amoroso", conta Valéria Scarance.

Em resumo, há "estelionato sentimental" quando o golpista age de forma ardilosa para obter proveito econômico de uma pessoa afetivamente envolvida. Esse proveito pode consistir em bens (celulares, carro, roupas), valores que seriam destinados à compra de uma passagem para vir ao encontro da vítima, cirurgia urgente, tratamento de saúde, ajuda de familiares, financiamentos, empréstimos, pagamentos de dívidas. Essas situações urgentes normalmente não existem. Há dois tipos de golpistas: aqueles que usam perfis falsos em redes de relacionamentos e aqueles que mantêm um relacionamento íntimo com a vítima para ganhar sua confiança.

Valéria Scarance esclarece que esse golpe é antigo, mas se intensificou com as redes sociais. Nos Estados Unidos, houve um aumento de 50% em 2019, prejuízo de 304 milhões, conforme dados do Federal Trade Commission - Consumer Information. Mas não só no mundo virtual acontecem os golpes. Nas relações afetivas presenciais também é comum haver a violência patrimonial, que justifica, inclusive, o deferimento de medidas protetivas em favor da vítima, previstas na Lei Maria da Penha. Em qualquer caso, deve-se atentar o rápido envolvimento amoroso, pedidos sucessivos de dinheiro e situações mal explicadas. Uma estratégia muito comum do golpista é agir como "vítima", desesperado e assim, conquistar a empatia e cuidados das mulheres.