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Lei Mari Ferrer e contra stalking: avanços nos direitos da mulher em 2021

"Este foi um ano de grandes avanços na legislação, que fortalecem muito a batalha das mulheres", afirma advogada - Chris Madden/Getty Images
"Este foi um ano de grandes avanços na legislação, que fortalecem muito a batalha das mulheres", afirma advogada Imagem: Chris Madden/Getty Images

Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

29/12/2021 04h00

Esse não foi um ano fácil para ninguém —mas, para as mulheres, o cenário foi ainda mais complicado: durante a pandemia, elas foram as mais afetadas pela exaustão mental, pelo desemprego e pela desigualdade de gênero.

"O ano de 2021 foi marcado pelo agravamento das crises política, econômica, jurídica e social, nuances que se fazem muito mais intensas e severas para as mulheres. No entanto, este também foi um ano de grandes avanços na legislação, que fortalecem muito a batalha contra as inúmeras violências sofridas por mulheres", afirma a advogada Mariana Tripode, professora da Escola Brasileira de Direitos das Mulheres.

Com a ajuda dela e da também advogada Alice Bianchini, autora do livro "Crimes Contra Mulheres: Lei Maria da Penha, Crimes Sexuais e Feminicídio", Universa faz um balanço dos avanços nos direitos das mulheres ao longo de 2021— desde a lei de stalking, que criminaliza a perseguição, até a lei Mariana Ferrer, que protege mulheres nos tribunais.

Perseguição

A lei sancionada em abril proíbe a prática de perseguição —também conhecida como stalking—, que envolve ameaças na internet e em outros meios. Prevê pena de reclusão de seis meses a dois anos e multa para esse tipo de conduta, com aumento de punição em 50% quando for praticada contra criança, adolescente, idoso ou contra mulher por razões de gênero.

Alice Bianchini afirma que, embora a lei considere crime a perseguição contra qualquer pessoa, homem ou mulher, elas são a esmagadora maioria das vítimas —e quase sempre o perseguidor é o ex-companheiro.

Saiba quando a perseguição se torna crime e entenda como denunciar.

Violência psicológica contra a mulher

Pouca gente sabe, mas a Lei Maria da Penha reconhece cinco tipos de violência, entre elas a psicológica, que é quando há degradação ou controle das ações, comportamentos, crenças e decisões da mulher, além de constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem e ridicularização. Mas foi só em julho deste ano que a conduta se tornou crime.

Se antes provar a violência psicológica serviria apenas para a emissão de uma medida protetiva de urgência, por exemplo, agora tem consequências punitivas: pode levar a uma sanção de até dois anos de prisão e multa.

Para as advogadas, a importância de transformar a conduta em crime é importante para sensibilizar a sociedade, que ainda trata a violência psicológica como bobagem. Para ter uma ideia, a violência psicológica atinge uma mulher a cada três segundos no Brasil. Saiba como denunciar.

Violência política contra a mulher

A violência política de gênero é caracterizada por comportamentos ofensivos, perseguições e agressões cometidos contra políticas especificamente por serem do sexo feminino e atinge mulheres de todos os espectros políticos —prova disso é que já foram vítimas dessa violência nomes como Erika Malunguinho (PSOL-SP), Benny Brioli (PSOL-RJ), Tabata Amaral (PDT-SP), Joice Hasselman (PSL-SP) e Janaina Paschoal (PSL-SP).

"É uma prática que afeta não só as candidatas e eleitas, mas toda a democracia", fala Bianchini. Neste ano, não uma, mas duas leis foram aprovadas para coibir a conduta: uma para alterar o Código Penal e, mais recentemente, para alterar o Código Eleitoral.

A deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) foi vítima de violência política de gênero - Pablo Valadares/Câmara dos Deputados - Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
A deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) foi vítima de violência política de gênero
Imagem: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Lei Mariana Ferrer

A lei sancionada em novembro proíbe a prática de atos que ataquem a dignidade da vítima na Justiça, como aconteceu em 2020 com a influenciadora Mariana Ferrer.

"Mariana Ferrer foi culpabilizada. Suas vestimentas, seu modo de viver, sua aparência foram questionados desde o início como fator deslegitimador de sua palavra e de todas as provas juntadas aos autos do processo", lembra Mariana Tripode.

Na prática, a lei agora impede que mulheres sejam revitimizadas, seja pelo delegado na hora de registrar um boletim de ocorrência, durante as investigações, ou por advogados, promotores e juízes.

Lesão corporal contra mulher

A lesão corporal é um crime antigo, mas, agora, quem agredir fisicamente uma pessoa especificamente por razões de gênero —menosprezo ou discriminação à condição de mulher, exatamente como consta na lei de feminicídio, sancionada em 2015— pode ter a pena agravada.

Violência contra a mulher na educação básica

A partir de lei sancionada em junho, escolas públicas e particulares terão que promover todos os anos, no mês de março, uma semana de atividades sobre violência doméstica com os alunos.

Programa Sinal Vermelho

O programa começou como uma campanha do Conselho Nacional de Justiça e da Associação Brasileira de Magistrados para que, por meio de um sinal vermelho feito na mão, vítimas de violência doméstica pudessem pedir socorro em estabelecimentos comerciais como padarias e farmácias. Agora, o Programa Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica é uma ação governamental, instituída por lei sancionada em julho.

Renata Gil exibe o símbolo da Campanha Sinal Vermelho, em que mulheres podem denunciar agressores de forma silenciosa - Divulgação - Divulgação
Renata Gil exibe o símbolo da Campanha Sinal Vermelho, em que mulheres podem denunciar agressores de forma silenciosa
Imagem: Divulgação

Protocolo para julgamentos com perspectiva de gênero

Em outubro, o Conselho Nacional de Justiça apresentou um novo protocolo para julgamento com perspectiva de gênero —o documento, direcionado a juízes e juízas de todas as áreas, tem pontos importantes na proteção dos direitos das mulheres em julgamento.

Num caso de processo em que a mulher é acusada de alienação parental, é importante que a Justiça identifique se não se trata apenas de uma tentativa para prejudicá-la, como é frequente, especialmente após separação do casal. O protocolo também alerta os juízes sobre a violência patrimonial, citada na Lei Maria da Penha, mas não considerada com frequência pela Justiça.

"O protocolo não é garantidor automático de que a partir de agora todo julgamento terá um olhar mais atento à perspectiva de gênero", pondera Mariana Tripode. "Mas caberá à advocacia colocar o tema sempre em pauta e lutar contra o machismo estrutural que ainda persiste no Poder Judiciário."