Alienação parental: revogação da lei une esquerda e direita no Congresso

Há sete anos, o filho de Paula Nascimento* vive "dentro do sistema de justiça", como ela mesma diz. Acompanhar o longo processo judicial por sua guarda fez com que ele desenvolvesse um transtorno de ansiedade generalizada. Em 2023, veio a primeira crise de pânico.

O genitor do filho de Paula a acusa de alienação parental, termo que entrou para o rol das leis brasileiras em agosto de 2010.

Conforme a lei nº 12.318, se a pessoa responsável pela guarda de uma criança ou adolescente praticar atos que os levem a repudiar seus pais ou mães, isso pode ser caracterizado como alienação parental.

Entre 2018 e 2022, mais de 23 mil novos processos anuais com base nessa lei foram instaurados no país. As mães são as principais acusadas.

"Não tem o que fazer quando você é acusada na lei de alienação parental, tudo o que você diz é recebido com muita desconfiança e desqualificado", comenta Paula Nascimento, que se separou do homem que hoje a acusa após sofrer violência doméstica.

Os críticos da lei argumentam que ela é usada para proteger justamente homens que são acusados por suas ex-companheiras de violência doméstica, mas também aqueles acusados de abuso sexual contra os filhos.

Ou seja, quando a mãe denuncia o genitor por violência sexual, por exemplo, ele muitas vezes alega na Justiça que está sendo vítima de alienação parental.

Mais de uma década depois de sua aprovação, o que era apenas crítica de movimentos da sociedade civil organizada chegou ao Congresso Nacional. Há hoje três projetos que propõe a revogação da norma: um é popular, o outro foi protocolado por deputadas do PSol e o terceiro pelo senador Magno Malta (PL-ES).

O tema da defesa dos direitos de crianças e adolescentes, principalmente em situações de abuso sexual, são muito sensíveis à sociedade, o que leva amplos setores [políticos] a apoiarem estratégias para diminuir essas violências. Vivi Reis, ex-deputada federal pelo PSOL e autora, junto às deputadas Fernanda Melchionna (PSOL-RS) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP), do projeto de lei 2.812/2022, que pede a revogação da lei de alienação parental

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Esquerda e direita unidas: por quê?

"É um absurdo termos no Brasil uma lei há mais de uma década baseada nos princípios de um pedófilo", disse Magno Malta em entrevista a Universa.

O senador faz referência ao fato de a lei ter sido baseada na teoria da síndrome de alienação parental criada pelo psiquiatra Richard Gardner.

Em determinado momento, Gardner chegou a escrever que "há um pouco de pedofilia em cada um de nós".

Além disso, sua teoria da síndrome de alienação parental não possui comprovação científica e foi retirada, em 2020, da CID (Classificação Internacional de Doenças) divulgada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O fato de a lei brasileira ter essa relação com a teoria de Gardner surge como um ponto de contato entre congressistas de esquerda e de direita que pedem sua revogação. Mas não é só isso.

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Estudos sobre a lei apontam que homens agressores a usam para se defender contra a Lei Maria da Penha uma vez que alegam que a acusação de violência doméstica é uma tentativa da genitora de impedir o contato deles com seus filhos.

Isso pode fazer com que medidas protetivas de urgência não sejam cumpridas "em razão da obrigatoriedade das mulheres de entregar as crianças ao homem sob medida, expondo-as a outras violências físicas, emocionais e o sentimento de humilhação", como aponta a deputada Maria do Rosário (PT-RS).

Estamos lidando com vidas, com o futuro das crianças, sua proteção e seu desenvolvimento integral. É importante que toda ação em prol das crianças seja valorizada e incentivada independente da sua origem política. Magno Malta, senador pelo PL

À direita: CPI dos Maus-tratos

O senador Magno Malta discursa no plenário do Senado Federal
O senador Magno Malta discursa no plenário do Senado Federal Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

O projeto de lei que tramita no Senado, de autoria de Magno Malta e relatoria de Damares Alves (Republicanos-DF), tem origem na comissão parlamentar de inquérito que ficou conhecida como CPI dos Maus-tratos, instaurada em 2017.

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A investigação presidida pelo senador tinha como objetivo "investigar irregularidades e os crimes relacionados aos maus-tratos em crianças e adolescentes", como explica seu relatório final.

De acordo com a senadora Damares Alves, o tema da alienação parental não era previsto, de início, na CPI. O seu surgimento foi uma surpresa para os congressistas.

No relatório final da CPI já é proposto a revogação da lei de alienação parental alegando que ela favorece os maus-tratos infantis uma vez que é usada para proteger abusadores.

Nesse cenário, resta apenas se compadecer dos sofrimentos daqueles que perderam a guarda judicial dos seus filhos propondo, nos estritos limites constitucionais e legais, a revogação, pura e simples, da Lei da Alienação Parental. Relatório final da CPI dos Maus-tratos

O projeto de lei, contudo, é de 2023 e ainda está em tramitação. Ela já passou pelo plenário do Senado e pela Comissão de Direitos Humanos da Casa e agora aguarda relatoria na Comissão de Assuntos Sociais.

À esquerda: as leis já existem

Deputada do PSol Fernanda Melchionna discursando
Deputada do PSol Fernanda Melchionna discursando Imagem: Vinicius Loures / Câmara dos Deputados
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O projeto de lei de revogação proposto pelo PSol é um pouco mais recente. Em 2022, as então deputadas Fernanda Melchionna (PSol-RS), Vivi Reis (PSol-PA) e Sâmia Bomfim (PSol-SP) alegaram que, além de favorecer genitores acusados de abuso, a lei não alcançou seus efeitos desejados.

Diferente do que pessoas como o autor da lei de 2010 Régis de Oliveira, então deputado federal pelo PSC de São Paulo, que propõe mudanças na lei a fim de coibir esses casos, o que as deputadas do PSol querem é sua total revogação.

Fernanda Melchionna aponta que a lei não traz nenhum tipo de avanço uma vez que o Código Civil já prevê situações como a ampliação do regime de convivência, a determinação de alteração da guarda e suspensão da autoridade parental.

O Código Civil, a legislação, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) já têm mecanismos de proteção da criança e do adolescente em caso de separação dos pais. O que precisa ser feito é fortalecer os mecanismos que já existem, a fiscalização e as ferramentas de proteção à criança, ao adolescente e às mulheres. Fernanda Melchionna, deputada do PSol

O projeto do PSol já foi protocolado e aguarda parecer do relator na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família.

Se antes a favor, agora, contra

Maria do Rosário (PT), deputada federal pelo Rio Grande do Sul
Maria do Rosário (PT), deputada federal pelo Rio Grande do Sul Imagem: Reprodução/ Facebook
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Maria do Rosário foi relatora da lei de alienação parental em 2010 e hoje também é uma das vozes que se colocam favoráveis à sua anulação.

De acordo com a deputada do PT, na ocasião ela realizou um amplo debate com a sociedade civil antes de emitir seu parecer favorável à lei.

"À época, os argumentos apresentados mobilizavam o princípio da proteção integral e do melhor interesse de crianças e adolescentes. Não prevíamos, e é importante destacar o caráter coletivo da aprovação de uma norma, como a lei seria utilizada", conta a deputada à reportagem.

Ela reitera o caráter coletivo de aprovação da norma uma vez que o então projeto de lei tramitou por aproximadamente um ano e meio e foi aprovado por unanimidade nas quatro comissões em que tramitou nas duas Casas.

"Tal processo indica que naquele período nenhum setor teve capacidade de antever a aplicação que seria feita pelo Judiciário, sua instrumentalização por parte de abusadores e as implicações nefastas que teria para as vidas de crianças, adolescentes e mulheres, tal como hoje sabemos", diz.

*Nome fictício usado a pedido da entrevistada.

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