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Para deputada, Lei Mari Ferrer evitará que mulheres sejam revitimizadas

Mariana Ferrer, que sofreu violência institucional durante audiência  - Reprodução/Instagram
Mariana Ferrer, que sofreu violência institucional durante audiência Imagem: Reprodução/Instagram

Camila Brandalise

De Universa

16/12/2020 04h00Atualizada em 16/12/2020 18h32

O policial que pergunta a uma mulher vítima de estupro se ela estava bêbada; o médico que, ao atender uma paciente abusada pelo marido, afirma que em casamento não há violação; o advogado de um homem acusado de violência sexual que usa fotos da vítima de biquíni publicadas em uma rede social para tentar deslegitimar sua denúncia.

Os três casos acima são corriqueiros em delegacias, hospitais e audiência judiciais, segundo especialistas em direitos das mulheres. E todos têm um mesmo nome: violência institucional, quando a própria instituição, por meio da sua estrutura, é responsável por um constrangimento contra a mulher que já foi vítima de um crime e, agora, busca ajuda. O último exemplo aconteceu durante o processo envolvendo o empresário André de Camargo Aranha, no julgamento em que era acusado de estupro de vulnerável contra Mariana Ferrer, e veio à tona em novembro, quando o The Intercept revelou imagens da audiência.

Foi na tentativa de coibir comportamentos como o do advogado de Aranha, Gastão da Rosa Filho, que constrangeu e humilhou Mariana sem intervenção precisa de juiz e defensor público, que as deputadas Soraya Santos (PL-RJ), Flávia Arruda (PL-DF), Margarete Coelho (PP-PI) e Rose Modesto (PSDB-MS) criaram o projeto de lei, batizada de Mari Ferrer, para criminalizar a violência institucional.

Apresentado em 4 de novembro e aprovado na última quinta-feira (10), o texto segue, agora, para análise do Senado, o que deve acontecer apenas em 2021.

A proposta do projeto é alterar a lei sobre crimes de abuso de autoridade e incluir o de violência institucional. O crime compreenderia atos praticados por agentes públicos que prejudiquem o atendimento à vítima ou à testemunha de violência. Inclui, também, omissão, como no caso de Mariana, em que o juiz não pediu ao advogado diretamente que parasse de ofendê-la. A pena seria de três meses a um ano de detenção, mais multa.

"A ideia é inibir que agentes ajam de maneira violenta contra vítimas e puni-los se fizeram, alertar que o que estão fazendo é crime para que se reeduquem e sigam os protocolos adequados para a situação", afirma a deputada Margarete Coelho.

O objetivo final do projeto é proteger a mulher de se tornar, mais uma vez, vítima de violência Deputada Margarete Coelho

Julgamento - Reprodução / The Intercept Brasil - Reprodução / The Intercept Brasil
Mariana Ferrer chora em audiência em que advogado a chama de dissimulada
Imagem: Reprodução / The Intercept Brasil

Margarete afirma que a bancada feminina já estava debatendo o tema, que englobava casos de violência obstétrica, mas o vídeo da audiência com Mariana tornou a questão urgente. "A gente fez a lei inspirada nela, gostamos de dar nomes para marcar os fatos. Com a divulgação das imagens, nós, mulheres, confirmamos o que já sabíamos, mas os deputados homens ficaram estarrecidos. Foi uma comoção. Infelizmente, o caso da Mariana nos deu palanque. Mas claro que o ideal era ela não ter passado pelo que passou."

Para pesquisadora, lei é importante mas exigir punição é doloroso

Para Lívia de Souza, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa Sobre a Mulher da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e mestre em Direito com uma dissertação sobre os discursos jurídicos nos casos de violência sexual, a lei é importante por nomear a violência institucional e colocá-la como um crime.

Mas, salienta, a mudança deveria vir também das próprias instituições. "Deveriam seguir uma questão ética profunda em relação ao tratamento dado a mulheres que denunciam violências sexuais e se balizarem por isso", opina. "Deveria haver uma capacitação para juristas e autoridades policiais para que o constrangimento da mulher fosse evitado", diz.

"O que vemos é que as instituições se protegem. O judiciário, a defensoria pública, a polícia, dificilmente vão denunciar um ao outro. Aí, sobraria para vítima, de novo."

Lívia lembra que esse processo de exigir punição por um crime sofrido é doloroso. "É comum que, no Judiciário e na polícia, as vítimas tenham que provar o tempo todo que são vítimas. É desgastante. Elas são vitimizadas de maneira absurda", diz a pesquisadora, que já atuou em um centro de referência para mulheres no Rio Grande do Sul.

"Porque essa é uma mulher que já relatou o que viveu ao procurar o serviço de saúde, depois na delegacia, depois em uma audiência. Ela vai relatando de novo e de novo, e sua condição psicológica vai sendo abalada."