Topo

Aluno pede ajuda em prova: impactos da violência doméstica nas crianças

Crianças também são vítimas de violência doméstica ao presenciar agressões - spukkato/ iStock
Crianças também são vítimas de violência doméstica ao presenciar agressões Imagem: spukkato/ iStock

Camila Brandalise

De Universa

30/11/2021 09h04

O caso aconteceu na cidade de Vale do Anari (RO), e tem repercutido nas redes sociais desde a semana passada. Um menino de 8 anos escreveu na prova: "Por favor me ajuda. Meu pai bate na minha mãe. Chama para mim a polícia", seguido do endereço onde morava com a família —além dos pais, ele tem outros três irmãos, de 13, 14 e 16 anos.

A própria escola notificou a polícia que, com o endereço em mãos, foi até a residência e começou a investigar o caso. As quatro crianças foram encaminhadas para um abrigo, e a mãe também está sob proteção. As informações são do jornal Diário da Amazônia, de Rondônia.

A comoção em torno do caso joga luz sobre um problema indireto da violência doméstica: o impacto nas crianças das agressões cometidas pelo pai contra a mãe.

"Esse menino foi muito corajoso e representa uma grande parcela das crianças brasileiras, infelizmente", afirma a psicóloga especializada em violência contra a mulher Katia Rosa, liderança nacional do projeto Justiceiras. "É um mito achar que a criança que presencia esse tipo de violência não está sendo agredida. A agressão psicológica começa assim: ela observa, sente, teme. Começa a ter pensamentos próprios, fica confusa, isso atrapalha o seu desenvolvimento físico e mental."

Segundo Rosa, presenciar os ataques dentro da própria casa pode fazer com que a criança mude seu comportamento. "Ela pode apresentar tristeza, desenvolver depressão, ficar constantemente angustiada e ter uma piora em seu desempenho escolar. Pode acontecer ainda de o filho ou a filha começar a agredir outras crianças, uma maneira de demonstrar, de forma não verbal, o que ela presencia", explica.

80% das tentativas de feminicídio com arma e faca são contra mães

Pesquisa divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em julho mostrou que, em 80% dos lares brasileiros onde um homem tentou matar uma mulher com uma faca ou uma arma de fogo, essa vítima era mãe e, provavelmente, os filhos assistiram às agressões.

O estudo mostrou ainda que o perfil se repete em números gerais: de todas as mulheres que sofreram qualquer tipo de violência doméstica no ano passado, 60% têm filhos. Mães também representam 74% das vítimas de estrangulamento e tentativa de espancamento, 65% das que são agredidas com tapa ou soco, empurrão ou chute e 65% das que sofrem ameaça de agressão física —o que também é considerado crime, além de ser violência psicológica.

"Os dados mostram que a violência doméstica não é só contra uma mulher, é intrafamiliar. Pode ser que esse homem também agrida os filhos, mas, mesmo se as crianças só presenciaram as agressões, são vítimas indiretas", afirmou Samira Bueno, diretora executiva do FBSP.

'Cerca de 30% das crianças repetem padrões violentos dos pais', diz especialista

Advogada especializada em violência doméstica e com experiência no atendimento de crianças que presenciavam agressões, Sueli Amoedo afirma que as pesquisas na área indicam um índice de 30% de casos em que os padrões violentos presenciados na infância são repetidos na vida adulta.

"É uma repetição de padrão apreendido. Elas viveram a violência e não há outra forma de entenderem como se resolver os problemas que não seja gritando ou agredindo", explica Amoedo.

'Adultos não podem negligenciar denúncia feita por uma criança', afirma psicóloga

Segundo a psicóloga Katia Rosa, o adulto que toma conhecimento do que está se passando na casa da criança, seja professor, vizinho ou conhecido, não deve negligenciar a denúncia. "A criança tem imaginação fértil, é verdade, mas devemos dar crédito ao sofrimento dela. Se isso acontecer, procure ajuda, converse com a mãe ou vá atrás de um profissional que indique caminhos para tentar dar algum suporte à família", explica.

"Em uma agressão é importante tratar a vítima, mas também quem circunda essa mulher: filhos, agregados. Todos são impactados."

Como procurar ajuda

Se você está sofrendo violência doméstica ou conhece uma mulher que esteja passando por isso, pode ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher.

Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O serviço recebe denúncias, dá orientação de especialistas e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato também pode ser feito pelo WhatsApp no número (61) 99656-5008.

Para denunciar, procure a delegacia próxima de sua casa ou então faça o boletim de ocorrência eletrônico, pela internet.

Outra sugestão, caso tenha receio de procurar as autoridades policiais, é ir até um CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) ou CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) da sua cidade. Em alguns deles, há núcleos específicos para identificar que tipo de ajuda a mulher agredida pelo marido precisa, psicológica ou financeira, por exemplo, e dar o encaminhamento necessário.