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Pastora recebe ameaças de morte após celebrar união homoafetiva em Maceió

Carlos Madeiro

Colaboração para Universa, em Maceió

15/12/2021 11h53

A pastora batista e teóloga Odja Barros prestou queixa nesta terça-feira (14) após receber ameaças de morte direcionadas a ela e a sua família por conta da celebração de um casamento entre duas mulheres no dia 5/12, em Maceió. Ela é líder religiosa da Igreja Batista do Pinheiro na capital alagoana. A repercussão do caso veio após matéria publicada por Universa, no último sábado, contando sobre o ato histórico da pastora em aceitar unir o amor de duas mulheres em uma celebração religiosa com efeito civil.

Desde a publicação, ela recebeu centenas de mensagens de carinho e elogios pelo casamento homoafetivo, mas também recebeu ofensas e ataques. Pelo menos um deles se destacou pela violência, com envio de foto de uma arma e ameaças de morte. Na manhã desta quarta-feira (15), Odja esteve na Delegacia-Geral de Alagoas para prestar depoimento. O caso será designado a um delegado especial na sequência.

Instagram da pastora recebeu foto de arma, texto e áudio com ameaça a ela e a família - Reprodução - Reprodução
Instagram da pastora recebeu foto de arma, texto e áudio com ameaça a ela e a família
Imagem: Reprodução

A mensagem veio na segunda-feira, mas foi visto pela pastora apenas no dia seguinte. Em áudios recebidos nas suas mensagens diretas do Instagram, um homem a ameaça de morte: "Tá vendo esse revólver aqui? Eu vou colocar cinco bala [sic] na sua cabeça, viu, sua sapatão?! Nunca que você é uma teóloga. Nunca, mano! Tá tirando, mano. Tu tá usando a Bíblia, mano, que nunca leu um livro pra casar duas mulé [sic], sendo que Deus condena isso lá em Levítico. Você tá tirando, mano, teóloga? Quantos livro [sic] você leu, cara? Você vai pagar, minha irmã, porque eu já tenho aqui os seus familiares".

A mensagem partiu de um perfil de um homem que diz morar em Maceió e que se apresenta como "cristão" e ainda cita em sua descrição: "DEUS tu és o rei, o supremo Governador de tudo!" O perfil dele tem 16,9 mil seguidores e há apenas três fotos publicadas —todas do que seria o rosto dele.

Diante da gravidade da ameaça, a pastora procurou a polícia e denunciou o caso em um boletim de ocorrência. Também foi até a Secretaria da Mulher e Direitos Humanos de Alagoas denunciar os crimes praticados pelo perfil.

Odja, ao lado do marido e advogado, prestou depoimento hoje (15) ao delegado-geral de Alagoas Carlos Reis - Secretaria de Estado da Mulher e Direitos Humanos/Divulgação - Secretaria de Estado da Mulher e Direitos Humanos/Divulgação
Odja, ao lado do marido e advogado, prestou depoimento hoje (15) ao delegado-geral de Alagoas Carlos Reis
Imagem: Secretaria de Estado da Mulher e Direitos Humanos/Divulgação

Ataques sem parar após matéria

A Universa, a pastora Odja falou que, após a matéria, houve uma grande repercussão e até republicações em páginas e perfis em Alagoas e até fora do estado. "Isso começou a atrair um outro tipo de pessoas, que começaram a vir ao meu Instagram e mandar mensagens agressivas, violentas, desrespeitosas", conta.

Ela relata que, ciente da enxurrada de ataques, deixou a administração de conta com suas filhas, que foram excluindo as mensagens e bloqueando os agressores. "Nesse processo eu fui muito blindada para não ter acesso a essas postagens. Elas ficaram extremamente cansadas porque não parava de chegar mensagens", diz.

Entretanto, na manhã desta terça-feira, percebeu que as mensagens subiram de tom pela reação da filha. "Ela estava chorando muito; estava nervosa, amedrontada. Eu fiquei, a princípio, sem entender e achando que não era algo que deveria dar muita importância. Mas ela não conseguia nem dizer o conteúdo da mensagem", conta.

Odja explica que, inicialmente, não teve acesso ao conteúdo das mensagens enviadas, mas acabou tomando ciência porque a filha procurou um advogado da igreja para compartilhar as mensagens, e ele alertou que o caso era grave e que teria de ser denunciado.

"Esse fato nos surpreendeu e nos impulsionou a tomar a decisão de buscar a polícia. Fizemos um boletim de ocorrência e fomos até a Secretaria da Mulher e Direitos Humanos para registrar a denúncia de crimes de ódio religioso, homofobia e atentado à minha pessoa", diz.

Pastora Odja afirma ainda que perdeu as contas de quantas mensagens de ódio e ofensas recebeu diretamente desde que a matéria foi publicada. "Foram milhares, que questionaram o fato de eu ser mulher e ser pastora e teóloga; outras desautorizando o meu trabalho. Foram palavras ofensivas de todo tipo, e acredito que isso tem a muito a ver não só pelo ódio homofóbico, mas também pelo fato de eu ser uma liderança feminina", diz.

Eu fiquei pensando o que é ser um corpo LGBTQI+ nesse mundo homofóbico e violento. Porque se eu recebo ameaça de morte como pastora, imagine como elas vão viver nesse mundo? Para mim isso tem a ver com um direito conquistado com muita luta. No entanto, existe uma construção de ideologia política-religiosa que ignora esses direitos
Pastora Odja Barros

Odja e os símbolos na mesa de celebração - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Odja e os símbolos na mesa de celebração durante casamento em Maceió
Imagem: Arquivo pessoal

Para ela, as ameaças são fruto de um momento difícil da sociedade brasileira, em especial aqueles que misturam fé com ódio e violência.

"Quem está alimentando isso? Eu não estou vendo só esse rapaz, estou vendo quem está alimentando ele, alegando que que entende e está defendendo a Bíblia, defendendo a 'moral cristã.' Não é só ele o responsável por isso. Todos e todas que fazem o discurso religioso do ódio, da homofobia são responsáveis por isso também", afirma.

A pastora fez questão de destacar a importância do apoio que tem recebido dos membros da Igreja Batista do Pinheiro —que têm sofrido com ataques e provocações. "As pessoas da igreja têm recebido constantemente prints de outros crentes com as repercussões e fazendo provocações. A nossa comunidade — que eu pastoreio junto com Wellington, meu companheiro — está nos guardando e lutando conosco", diz, citando que o apoio da congregação é fundamental para seguir com a luta por igualdade de direitos.

Eu não posso, não tenho como me proteger contra a ameaça que recebi. Eu estou no púlpito dominicalmente, a igreja é aberta a todos e todas que chegarem. Ninguém pode ser impedido de entrar, e eles sabem onde estou. As pessoas que estão ali naquele espaço ficam vulneráveis também porque a gente não sabe o que um louco desses pode fazer
Pastora Odja Barros

O ataque foi condenado pela secretária de Estado da Mulher e Direitos Humanos, Maria Silva. "As ameaças que sofreu refletem uma sociedade doente, marcada por preconceitos e pensamentos abomináveis que não tem espaço no mundo em que hoje vivemos e onde, seguindo a linha dos direitos humanos, buscamos a igualdade, a proteção de todas e todos os cidadãos e a liberdade para ser quem se é. Estaremos juntos com ela e sua família para acompanhar cada passo deste caso", afirma.