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'Sou um instrumento de Deus', celebra pastora após 1º culto em igreja trans

Jacque Chanel fundou a Igreja Trans ICM Séforas em São Paulo - Tuane Fernandes/UOL
Jacque Chanel fundou a Igreja Trans ICM Séforas em São Paulo Imagem: Tuane Fernandes/UOL

Luiza Souto

De Universa

22/09/2021 04h00

Evangélica desde o berço, a pastora paraense Jacque Chanel, 56, realizou nesta semana um sonho. Celebrou na segunda-feira (20) o primeiro culto presencial da Igreja Trans ICM Séforas, no Centro de São Paulo.

Foi um dia muito especial porque não imaginava que meu comprometimento com Deus tivesse caminhado de tal forma que me levasse a abrir uma igreja trans numa sociedade que só quer me matar e excluir."

Consagrada pastora em maio deste ano, Jacque já chegou a ser expulsa de algumas igrejas. Ela conta que começou a promover encontros com pessoas trans há oito anos, quando entrou em uma igreja inclusiva.

"Lá encontrei uns 300 gays, mais umas duas travestis, e logo comecei a me posicionar e a pedir para a diretoria por mais trabalho de evangelização e acolhimento da comunidade trans, para, aí sim, ser uma igreja inclusiva."

Sem encontrar o acolhimento que buscava, seguiu em sua busca até chegar à ICM (Igreja da Comunidade Metropolitana), uma denominação inclusiva para o público LGBTQIA+ e que existe há 50 anos:

Lá [na ICM] abriram espaço para mim e comecei a receber pessoas trans em situação de rua, promovi bazares para doação de roupas e fiz jantares. Era assim que aconteciam as nossas reuniões."

Com o trabalho, ela foi chamada para receber o que na igreja se chama consagração, e tornou-se pastora. No mesmo momento, lançaram a ideia da igreja trans.

Eu não tenho a menor dúvida de que sou um instrumento de Deus e de que as pessoas conseguem ver a luz de Jesus em minha vida."

Jacques Chanel com fiéis da igreja - Tuane Fernandes/UOL - Tuane Fernandes/UOL
Jacque Chanel com fiéis da igreja ICM
Imagem: Tuane Fernandes/UOL

"Ou você vira mulher ou morre""

Aos cinco anos de idade, Jacque ouviu a mãe ameaçar colocá-la num colégio interno caso não perdesse o jeito que chamava de "afeminado". Ela prometeu que se mudaria, mas, aos 13 anos, foi deixada pela mãe na Igreja do Evangelho Quadrangular, em Belém (PA), onde viveu até os 19 sob os cuidados de um pastor, que foi assassinado.

"Essa questão de família foi superada com a fé. Fui expulsa umas três vezes de casa e, com a morte do meu pai, há dois anos, fui excluída da partilha de seus bens. Minha mãe disse que, como fui embora, não tinha direito a nada."

Sem emprego e sem o apoio da família, Jacque chegou em São Paulo há 30 anos e começou a trabalhar como cabeleireira. "Por ser uma das maiores cidades do país, tive a visão inocente de que não fosse passar por preconceito, mas foram acontecendo coisas absurdas que mudaram minha vida."

Para o evangelho fundamentalista, isso é, no mínimo, um pecado, uma aberração, uma mutilação, e me questionei várias vezes sobre a minha decisão. Tentei o suicídio três vezes, mas consegui superar. Busquei forças em Deus, e se não fosse Ele, não estaria mais aqui."

Os cultos na igreja acontecerão todas as segundas, e além deles, Jacque prepara agora a terceira edição da Parada Trans, em janeiro.

Quero iniciar a parada com louvores gospel, com ritmo dance, para causar."