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'Aprendi a usar a arte para criar espaços seguros para mulheres negras'

Afreekassia: DJ, cantora, relações-públicas, artista visual e modelo - Divulgação
Afreekassia: DJ, cantora, relações-públicas, artista visual e modelo Imagem: Divulgação

Afreekassia, em depoimento a Ed Rodrigues

Colaboração para Universa

07/10/2021 04h00

"O mundo faz muitas de nós acharem que não somos dignas de sonhar. Eu tive o privilégio de ter uma infância fértil que me permitiu ser uma criança muito criativa e sonhadora. O que sou hoje é o meu sonho de criança: uma mulher negra adulta, bem cuidada, envolvida em projetos artísticos e admirada por muitos. Eu sou Afreekassia. Sou DJ, cantora, relações-públicas, artista visual e modelo.

Acredito que uma pessoa só consegue ser algo que ela consegue enxergar. Por isso, trabalho para que muitas outras mulheres negras se enxerguem prósperas e sonhem com um futuro positivo para si mesmas.

A superação de um trauma por meio da arte

Iniciei meu envolvimento com a arte em 2016 como DJ em uma festa de rua em Santos, minha cidade natal. Naquele período, estava me recuperando de uma fase traumática na minha vida. Apesar de ter tido uma infância boa, na minha adolescência vivenciei situações humilhantes na escola e na faculdade.

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Imagem: Divulgação

Tive um professor no ensino superior que disse em frente a toda sala que eu era feia e por isso usava acessórios para chamar a atenção. Nós discutimos e, após aquele dia, ele alegou à faculdade que eu estava reprovada por faltas, o que não era verdade. Essa situação afetou muito o meu emocional e psicológico, principalmente por estar passando pela fase de transição.

Foi difícil acreditar que a minha vida e meus sonhos eram valiosos quando o mundo me dizia o contrário. Foi por meio da arte que comecei a me curar dessas experiências.

Carreira na música

Meu trabalho como DJ me ajudou a reconstruir minha identidade e autoestima. A música tem um papel muito importante na minha vida porque é uma das principais formas de expressão de pessoas negras e abriga informações importantes sobre nossa identidade, cultura e história.

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Imagem: Divulgação

Quando comecei minha carreira, desenvolvi uma pesquisa musical de cantoras negras de rap, R&B, funk e dancehall, que intitulei Punanny Sound System.

Foi a partir dessa pesquisa que comecei a ter contato com outras mulheres negras e passei a entender que minhas vivências, glórias e enfrentamentos não eram questões particulares minhas e sim questões coletivas.

Pesquisar sobre mulheres negras artistas, de diferentes épocas e territórios, me ajudou a descobrir quem eu sou.

Durante a minha infância e adolescência, não tive contato com muitas mulheres negras, a não ser as mulheres da minha família. Ter frequentado instituições de ensino particulares e espaços majoritariamente brancos me afastou de pessoas como eu e gerou uma grande defasagem no meu processo de construção de identidade.

'Queria me sentir acolhida e valorizada'

Conforme fui me envolvendo com arte e me reafirmando, fui sentindo cada vez mais a necessidade de estar perto de mulheres iguais a mim. Queria me sentir acolhida e valorizada, e então criei um projeto chamado Portal Umoja.

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Imagem: Divulgação

O projeto foi fundado em 2017 como um coletivo e teve como inspiração a Umoja Uaso, uma vila matriarcal no norte do Quênia que foi criada por Rebeca Lolosoli para proteger outras mulheres da opressão feminina. Umoja em swaihili significa união, e esse é o principal objetivo do meu projeto. Com esse trabalho, quero resgatar nosso senso de comunidade e construir espaços seguros para não nos sentirmos mais sozinhas.

Eu assumi o compromisso de trabalhar firmemente com o Portal Umoja em prol de ajudar mulheres como eu. Eu recebi muitos 'nãos' e muitas pessoas abandonaram o projeto durante seu desenvolvimento.

Me vi sozinha, mas não desisti. Acreditava que a minha missão era grande e essa era motivação. Fui em busca de recursos e, em 2019, fui contemplada com o apoio do Prince Claus Fund, uma ONG holandesa.

Consegui realizar um circuito de eventos chamado Culto que rodou três estados diferentes e reuniu mais de 60 jovens negras. Os cultos não tinham teor religioso. O verdadeiro objetivo era construir um espaço seguro e confortável para jovens negras pensarem juntas sobre suas identidades. Dinâmicas e conversas foram realizadas e fizeram as participantes se abrirem e compartilharem dores e glórias sobre suas vidas.

Essa experiência me trouxe recompensas intangíveis. Pude viajar, conhecer outras realidades, me conectar com jovens iguais a mim, partilhar minhas vivências e aprender muito.

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Afreekassia:
Imagem: Divulgação

Com o sucesso do projeto, fui convidada a participar da cerimônia de premiação do Prince Claus Fund de 2019 em Amsterdã. Estive ao lado de membros da família real holandesa e de intelectuais do mundo inteiro.

Conquistas

Ao longo da minha vida, tive muitas outras conquistas: lancei dois singles que somam mais de 100 mil plays no Spotify, participei de dois editoriais da revista 'Vogue' e colaborei em um projeto do Museu de Arte Contemporânea da Diáspora Africana (MoCADA - NY).

Acredito que para uma mulher negra de 24 anos que mora no Brasil, a minha trajetória de vida é muito para o que a sociedade espera de mim e pouco para o que o meu potencial alcança.

Eu sou muito grata por ter tido apoio da minha família e ter conseguido sonhar na infância porque foi isso que me permitiu chegar até aqui. Meu desejo para o futuro é ver cada vez mais mulheres negras sonhando e podendo realizar.

Tenho total confiança e certeza de que somos capazes de ser e fazer qualquer coisa. O nosso único defeito é ser grande demais para um mundo pequeno." Afreekassia, 24 anos, é DJ, cantora, relações-públicas, artista visual e modelo e mora em Santos (SP)