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Elas deram à luz com covid: 'Achei que não sobreviveria para criar o bebê'

Glaucia Oliveira e o filho, Gustavo, que ela conheceu depois de 20 dias  - Arquivo Pessoal
Glaucia Oliveira e o filho, Gustavo, que ela conheceu depois de 20 dias Imagem: Arquivo Pessoal

Anahi Martinho

Colaboração para Universa

25/08/2021 04h00

A pandemia de covid-19 no Brasil já matou ao menos 1.461 grávidas, segundo dados do Observatório Obstétrico de Covid-19, e foi responsável pelo nascimento prematuro de muitos bebês.

Segundo a médica Rosana Richtmann, coordenadora de infectologia do Grupo Santa Joana, a covid pode evoluir para formas graves, principalmente a partir do terceiro trimestre da gravidez, e a indução do parto muitas vezes é a única opção.

"O grande desafio do manejo da covid em gestantes é que, todo tratamento feito para a gestante, envolve mais gente, ou seja, o feto", salienta. "Não temos a mesma liberdade para medicamentos ou alguns tipos de terapia."

A médica conta que, no começo da pandemia, os serviços de saúde ainda não sabiam como lidariam coma situação. "Com o passar do tempo, aprendemos que conseguimos cuidar desse prematuro na UTI neonatal para poder cuidar muito melhor dessa mãe. A prematuridade é uma das consequências da covid, seja induzida ou natural."

Como o risco da mãe passar o vírus para o bebê é relativamente baixo, de acordo com ela, de 4%, a preocupação recai sobre a mãe. "Mesmo os recém-nascidos que nascem infectados têm evolução na maioria das vezes favorável", diz.

Ritchmann lembra que a prevenção da covid em gestantes, com vacina e outras medidas não-farmacológicas, é crucial. "As grávidas são mais vulneráveis a ter covid grave. A recomendação é vacinar todas as gestantes brasileiras em qualquer fase da gestação", afirma.

Se os relatos de pessoas que ficaram à beira da morte por causa da covid já são muito fortes, no caso de mulheres que desenvolveram a doença enquanto esperavam seus bebês os contornos são ainda mais dramáticos. A seguir, três mães relatam a Universa o calvário de ter que dar à luz para salvar a própria vida —torcendo pela de seus bebês.

"Só peguei meus filhos depois de 40 dias"

Patrícia Bertunes, o marido e os gêmeos Ryan e Rael - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Patrícia Bertunes, o marido e os gêmeos Ryan e Rael
Imagem: Arquivo Pessoal

"No dia 8 de junho fui ao pronto-socorro sentindo muita dor nas pernas e costas. Estava com 35 semanas de gestação de gêmeos. Passei pela triagem e já fui colocada em isolamento com suspeita de covid.

Quando o exame apontou que eu estava com a nova variante da covid, o clínico geral já falou que eu corria risco de vida e teria que induzir o parto. Comecei a chorar, desesperada, mas ele falou que ia dar tudo certo e começamos os preparos para entrar numa cesárea. Na mesma noite, fizeram a cesárea e eu dei à luz os meus bebês, Ryan e Rael.

Eu tinha planejado tudo, feito as malas, organizado as roupinhas, tudo do meu jeitinho, mas não consegui colocar nada disso em prática. Gostaria que meu marido tivesse assistido o parto, mas não foi possível.

Não tive nem o privilégio de segurar meus filhos, só olhei para eles, ouvi o chorinho e começou minha luta.

Assim que ganhei os bebês, fui sedada e fiquei nove dias intubada. Os bebês nasceram sem covid, tiveram alta dois dias depois e ficaram aos cuidados da minha mãe, sogra, irmã, cunhada e marido. As notícias eram sempre de que eu não conseguiria voltar, que as chances eram mínimas. No total, foram 22 dias internada.

A ansiedade acaba atrapalhando bastante o tratamento. Minha pressão ficava ainda mais alta, eles não conseguiam controlar, então me davam mais sedativos. Teve momentos que eu pensei em desistir, achei que não ia conseguir. Cheguei a falar para o meu marido: 'Entrega os meninos para a minha mãe'.

Quando finalmente tive alta, ainda fiquei 20 dias isolada em casa sem acesso aos meus filhos. Só quando eles já tinham 40 dias é que eu pude pegá-los pela primeira vez e finalmente ter uma rotina de mãe. Amamentar era um sonho. Ainda não desisti, tento fazer eles pegarem, às vezes, eles começam a mamar, mas como não é suficiente, acabam recusando.

No hospital, não tinha acesso ao celular. Só lembro de uma visita do meu marido. Ele me escreveu uma cartinha falando que ia dar tudo certo. Depois, no quarto, passei a ter lembranças das outras visitas. Ele dava notícias dos bebês e a minha vontade de segurar eles era enorme. A gente passa nove meses sonhando com esse dia, eu planejei muito, mas não reclamo, só agradeço por ter tido a oportunidade de voltar. Hoje eu agradeço por tudo que tenho. Agradeço até por ter passado por isso.

Somos pais de primeira viagem e ainda recém-casados. Tudo era muito novo para nós. Os gêmeos estão bem, estão gordinhos, saudáveis, espertos e lindos. Recebemos muita ajuda e doações, sou muito grata à minha rede de apoio e também à equipe do hospital Santa Marcelina de Itaquaquecetuba. As enfermeiras são uns anjos, todos eles lutaram muito pela minha vida. E eu também.

Patrícia Rocha Bertunes, 34, auxiliar de coordenação em escola pública, mãe do Ryan e do Rael, de 2 meses.

"Não vi o meu filho na hora que ele nasceu"

Internada com covid, Glaucia só podia ver seu bebê por chamada de vídeo - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Internada com covid, Glaucia só podia ver seu bebê por chamada de vídeo
Imagem: Arquivo Pessoal

A gravidez estava tranquila, era planejada, a gente estava fazendo o isolamento certinho. Eu estava de 31 semanas, em maio de 2020, quando comecei a sentir os sintomas de covid. Acho que peguei em um laboratório, porque só saía de casa para fazer os exames e consultas.

Comecei a sentir muito cansaço, avisei meu médico e ele falou para fazer inalação. Três dias depois, percebi que estava sem paladar e olfato e fui para o hospital. O exame de sangue acusou que as plaquetas estavam baixas, tive princípio de trombose e fui diagnosticada com síndrome de Hellp. Fui internada sem direito a acompanhante. De manhã, as plaquetas continuavam baixando e fui avisada que teria que fazer um parto de emergência.

Entrei em negação. Foi um choque, eu não queria aceitar. Para piorar, o médico que me acompanhou durante toda a gravidez não me deu nenhuma assistência naquele momento. Eu estava ali com uma equipe desconhecida, sentindo muito medo. A médica ligou para o meu marido na minha frente e falou que eu e o bebê corríamos risco de vida, que teria que induzir o parto.

Tomei anestesia geral, então não consegui ver meu filho quando ele nasceu. Fiquei dois dias na UTI e ele foi direto para a UTI neonatal. Tive alta depois de cinco dias, mas ele não. Fui para casa sem nem ter visto meu bebê, não podia ter acesso a ele. Ele ficou lá na UTI sozinho, faziam chamadas de vídeo para eu vê-lo.

Só depois de vinte dias e vários exames PCR negativos é que pude conhecer meu filho.

Visitei ele no sábado e no domingo. Na segunda-feira, comecei a sentir muita dor do lado esquerdo do peito e voltei à UTI por dois dias. Era só estresse. Só na sexta-feira é que fui liberada para ver meu bebê de novo. Ele ainda ficou três semanas na UTI por conta da prematuridade, mas não chegou a pegar covid.

Consegui amamentar graças ao banco de leite do hospital. A enfermeira foi nota mil, entrou no quarto toda paramentada porque eu ainda estava infectada, perguntou se eu queria amamentar e eu falei que queria, era um sonho. Ela me ensinou a fazer a ordenha usando a máquina do hospital e me deram ocitocina para estimular o leite, já que eu não tinha acesso ao bebê. Amamentei até os 11 meses.

Além de ser meu primeiro filho, ele é um 'bebê arco-íris' —tive um aborto antes de conseguir engravidar dele

Só de estar viva, vendo tanta gente que perdeu o filho, bebê prematuro que ficou sem mãe, eu fico muito grata por poder ver meu filho crescer. Quando fui intubada, só pensava: 'só quero ter a oportunidade de criar meu filho'. Deus me deu essa oportunidade e sou muito feliz por isso.

Glaucia Albuquerque Oliveira, 30, pedagoga, mãe do Gustavo, de 1 ano e três meses.

"Fiquei duas semanas na ECMO lutando pela vida"

Vitória Zuppo com o filho, Benjamin, após passar duas semanas na ECMO - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Vitória Zuppo com o filho, Benjamin, após passar duas semanas na ECMO
Imagem: Arquivo Pessoal

"Comecei a ter febre no meio do trabalho de parto. Uma semana antes, tinha ido em um aniversário de uma amiga ao ar livre. Tive parto normal, mas em seguida tive hemorragia e laceração e fui para um procedimento cirúrgico. Testei positivo para a covid e cheguei a amamentar, de máscara. Minha angústia era não poder beijar e cheirar meu filho. Eu nem imaginava o que iria acontecer.

Tive alta, mas estava muito fraca, pálida. No terceiro dia voltei para o hospital, já com 30% do pulmão comprometido. Fui internada e fiquei desesperada por estar longe do meu bebê, só chorava e pensava em ir para casa, mas meu estado só piorava. No terceiro dia fui para o CTI às pressas, minha saturação caiu para 33%, meu pulmão estava 100% comprometido.

Fui intubada, mas não apresentava melhora. Me deram três horas de vida

Foi quando conversaram com a minha família sobre a ECMO [oxigenação por membrana extracorpóreo, o mesmo procedimento feito no ator Paulo Gustavo]. Disseram que era a única coisa que poderia me salvar, mas é um procedimento extremamente invasivo e não sabiam se eu responderia bem. Só tem duas máquinas ECMO em Belo Horizonte, e uma delas tinha acabado de vagar. Eu consegui sobreviver até o aparelho chegar no hospital e fui colocada nele.

Tiveram que secar meu leite, para evitar risco de infecção. Respondi bem à ECMO e minha família começou a ter esperança. Depois de sete dias me tiraram da ECMO, foi uma festa. Mas durante a decanulação, tive uma embolia pulmonar.

Naquela noite, passei muito mal e falei para minha mãe que queria desistir. Me recolocaram na ECMO por mais uma semana. Só pude ver meu filho depois de 23 dias

Ele não chegou a ter covid e estava aos cuidados da minha família e do meu marido. Agora estou podendo vivenciar a maternidade que sonhei tanto. Não consegui amamentar porque continuo tomando medicamento anticoagulante, ainda vou tomar por seis meses, por conta da embolia. É uma questão triste para mim, meu sonho era amamentar. Mas estou viva, com saúde, e é isso que importa.

Durante a internação, ganhei 20 mil seguidores no Instagram. Um grupo de pessoas fazia vigília para mim em frente ao hospital, cantava louvores, isso me deu muita força.

Vitória Zuppo Gonzalez, 25, influenciadora digital, mãe do Benjamin, de 2 meses.