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Mateus Carrieri: "14 é cedo pra transição, mas minha filha tem meu apoio"

Mateus Carrieri fala sobre paternidade, pandemia, carreira e o novo relacionamento. - Roberto Trumpas
Mateus Carrieri fala sobre paternidade, pandemia, carreira e o novo relacionamento. Imagem: Roberto Trumpas

Ana Reis

Colaboração para Universa

18/03/2021 04h00

Galã famoso da TV brasileira dos anos 90, Mateus Carrieri viu a fama voltar com tudo aos 54 anos graças à sua participação na última temporada de "A Fazenda", da TV Record. Não venceu o reality, mas ganhou o carinho do público: entrou com 18 mil seguidores no Instagram e saiu com mais 2 milhões. Após o reality, Mateus também virou notícia com as declarações em apoio à comunidade LGBTQ+, inclusive nas suas redes sociais.

Pai de três filhos, em um dos vídeos do seu perfil no Instagram, contou que as duas mais novas são bissexuais. Mais recentemente, em participação no podcast "Paternidade.doc", do jornalista Fernando Guifer, falou que uma delas está transicionando. Nessa entrevista para Universa, Carrieri explica que esse processo ainda está bem no começo. "Já falamos sobre o assunto e ela disse que não se enxerga como menina e sim como menino. Mas em nenhum momento a gente falou sobre tomar hormônio ou fazer cirurgia." De todo jeito, o Mateus deixou claro a mensagem mais importante: "Sendo a Fran ou o Nico, terá meu apoio. Me importo com o caráter dos meus filhos e não com a sexualidade".

A seguir ele fala sobre paternidade, pandemia, carreira e o novo relacionamento com Day Ribeiro, que começou também durante a quarentena.

UNIVERSA Você saiu do isolamento de "A Fazenda" para seguir o isolamento na vida real. Quais foram as maiores diferenças, fora, claro, estar sendo filmado 24 horas por dia?
MATEUS CARRIERI É completamente diferente. Uma coisa boa lá dentro da Fazenda foi poder esquecer um pouco da pandemia. Foram quatro meses que fomos colocados numa bolha de segurança muito bem feita pela Record, quatro meses com 20 pessoas que não tiveram nenhum resfriado. Aqui fora é mais difícil, estamos por nossa conta.

Mateus Carrieri - Roberto Trumpas - Roberto Trumpas
"Eu me importo com o caráter dos meus filhos e não com a sexualidade deles", diz Mateus Carrieri
Imagem: Roberto Trumpas

Já estamos há um ano em quarentena, e a pandemia tem afetado muito a saúde mental de muita gente. Como tem sido pra você e sua família?
Eu sinceramente estou muito preocupado porque a situação só piora. Aqui em casa temos tentado se manter com a saúde mental e a física em ordem. Eu, como professor de Educação Física, sei como é importante a gente se movimentar, mesmo não podendo fazer algumas coisas. Temos tentado seguir a orientação do governo, principalmente estadual [Mateus mora em São Pualo (SP)], que me parece mais cauteloso que o federal, e tentado distanciamento social na medida do possível porque eu preciso trabalhar. Mas faço tudo com muito cuidado: evito aglomerações, uso álcool gel e máscara o tempo todo. Estamos tentando sobreviver e nos manter sãos como qualquer brasileiro.

E eu estou muito preocupado porque eu faço teatro. Basicamente, preciso de público e o setor cultural foi muito afetado. Tenho uma preocupação muito grande e percebo que não tem o menor apoio dos nossos governantes em relação a este setor.

Recentemente você falou que tem filhos bissexuais e que se orgulha muito deles. Muitos pais expulsam de casa ou praticam violência física e psicológica ao descobrirem que o/a filho/a é LGBTQ+. Como você enxerga essa rejeição aos filhos e como é o diálogo sobre isso com outros pais e mães?
Fico alarmado como ainda no século 21 tem famílias que não aceitam os filhos porque eles têm uma intenção de ficar com meninos ou meninas ou os dois. Acho triste, vejo com muita preocupação e uma certa pena, tanto dos adolescentes como dos pais. Sei como é importante dar esse apoio.

Tenho recebido umas mensagens de pais se colocando numa situação semelhante, me perguntando o que eles devem fazer. Eu também não sou ninguém para dar conselho, posso falar de mim e da minha família, mas acho que qualquer imposição nesse sentido é infrutífera. Com relação aos meus valores, eu me importo com o caráter dos meus filhos e não com a sexualidade deles."

Eu também faço parte da comunidade LGBT e, quando me assumi, ouvi da minha mãe que ela tinha medo do que eu poderia sofrer. Como você lida com a homofobia que suas filhas enfrentam?
Eu acho natural essa preocupação dos pais, o medo de seus filhos sofrerem. O sofrimento é inerente, não tem jeito.

Na minha casa, eles têm todo o apoio e orientação de que vão ter que enfrentar alguma coisa lá fora. O mundo não é tão lindo como a gente gostaria, não é um conto de fadas. Eles têm que estar preparados para isso, mas sem temer. A preocupação é natural e a torcida é para que eles sofram o menos possível.

Vivemos num mundo hipócrita e preconceituoso e temos que preparar os filhos para o mundo, e preparar para o que eles precisarem enfrentar, o que não quer dizer que eles tenham que enfrentar nada dentro de casa.

Uma de suas filhas está transicionando? Se reconhece como um homem trans? Como são os papos sobre o tema entre vocês?

Minha filha não está transicionando ainda, é muito cedo. Mas ela já fala sobre o assunto. Conversa comigo dizendo que não se enxerga como menina e sim como menino. Mas em nenhum momento a gente falou sobre tomar hormônio ou fazer cirurgia, não está nessa fase.

Ela tem 14 anos apenas, não é hora de fazer nada disso. É hora de um apoio da família, do pai e da mãe, de um acompanhamento psicológico, profissional e sério. Ninguém está fazendo transição nenhuma com 14 anos.

E dentro dos nossos papos e nossas conversas, o que eu tento deixar bem claro pra ela Fran ou ele Nico, é que o leque está aberto e que fechar agora não é inteligente. Não é possível, inclusive. Se isso for acontecer lá na frente, será todo um processo. Não é agora que será definido. É muito cedo e precoce numa idade em que o corpo está se formando.

Mas não dá pra negar que nessa idade eles já começam a pensar e ter opiniões sobre isso. Tem que ser dita a verdade do que está acontecendo. Tudo é muito cedo e eu só expus isso porque ela/ele pediu. Você percebe minha dificuldade ainda de falar ainda ela ou ele — isso é natural com famílias que começam a falar nesse assunto.

Tem coisas que eu preciso aprender a lidar, acho até que preciso de ajuda de profissionais. A gente não está falando só sobre namorar meninos e meninas, a gente está falando sobre se olhar no espelho e se aceitar. É um pouco mais complicado. Acho que tem que ter um acompanhamento psicológico profissional para ajudar pais e filhos. É um assunto muito importante que deve ser levado em consideração e falado a respeito sim.

Mateus Carrieri - Roberto Trumpas - Roberto Trumpas
Mesmo sendo hetero, Mateus diz que já foi tido como gay e sentiu o peso do preconceito
Imagem: Roberto Trumpas

Mateus Carrieri - Roberto Trumpas - Roberto Trumpas
Por causa das filhas, o ator diz que se sente mais obrigado a se posicionar contra a LGBTfobia
Imagem: Roberto Trumpas

Por o que você fala, parece ter uma boa relação com sua ex-mulher, Kelly Sontag. Qual o segredo para uma boa relação com a ex?

É tirar da cabeça que o casamento foi um erro, que não deu certo, principalmente um casamento com filhos. Eu acho que deu certo sim, durou o que tinha que durar. Ela será sempre a mãe dos meus filhos e eu sempre serei o pai dos filhos dela. Pensando nisso e nas crianças, sendo generoso, gentil...

Não cabe mais disputa de guarda, pedido de pensão: acho o cúmulo o homem paga pensão só porque foi obrigado pelo juiz. Obrigação do pai e da mãe é sustentar o filho da melhor maneira possível e nenhuma das partes deve usar isso como favorecimento em prol de si e sim em prol das crianças. A obrigação de sustentar as crianças é do pai e da mãe. Nenhuma das duas partes pode fugir dessa responsabilidade.

Consigo ser muito amigo da mãe das meninas porque eu entendo que se a mãe delas estiver bem, é melhor para as minhas filhas.

Mesmo sendo heterossexual, você já declarou que foi confundido com gay algumas vezes e até sofreu homofobia. Como você se sentiu?

Isso vem desde a minha infância, quando tinham preconceito com garotos que trabalhavam na televisão e aí a molecada na escola, para atacar, fazia bullying me chamando de "viadinho". O primeiro ataque que qualquer moleque quer fazer com outro na escola. Agora, depois que falei da sexualidade das minhas filhas e levanto a bandeira, defendo uma causa em prol da igualdade e contra o preconceito, sempre tem aquela patrulha que acha que você é homossexual ou bi.

Homofobia mesmo eu posso dizer que senti na carne. Talvez agora cuidando das minhas filhas é que senti que eu tenho que me posicionar um pouco mais.

Você acha que isso é um retrato da masculinidade frágil? Como você vê a masculinidade hoje, em tempos de feminismo em alta?

O homem está meio sem saber como agir. A mulher assumiu o lugar que deveria sempre ter na sociedade machista e isso às vezes intimida. Eu acho que qualquer extremo não é legal. Nem machismo nem feminismo exacerbado, que qualquer gênero se coloque em supremacia perante o outro.

A gente tem que ser parceiro, andar junto, igualdade de condições, de direitos, de deveres. Para muitos homens assusta essa posição de destaque de algumas mulheres, e eles que lutem, né? Mulheres capazes devem ganhar a mesma coisa que homens capazes, por exemplo. O que vale é a capacidade, não o gênero.

A sociedade tem que evoluir, os homens têm que evoluir, as mães e pais que educam filhos homens têm que ensiná-los que machismo não tem nada a ver, que eles não vão ser donos de suas mulheres ou esposas ou companheiras. Eles serão parceiros delas, não seus chefes.

Você já está fazendo planos pós pandemia?
É difícil falar depois da pandemia, porque acho que vamos entrar num estado de constante pandemia. Claro que vai afrouxar e tem a vacina... Minha intenção é de voltar a trabalhar, voltar a ter lugares onde possa ter público. O teatro é teatro, precisamos de público, estar ao vivo, se não é outra linguagem. Pela internet não é teatro, é outra coisa. Eu tenho feito muito teatro nos últimos 20 anos e é o que me mantém, que sustenta minha família.

Meus trabalhos estão parados. Basicamente, tenho a peça "Vendedor de Sonhos" com a volta marcada para o dia 10 de abril, mas se continuar na fase vermelha, a gente não volta.

E planos para a vida pessoal?

Minha vida amorosa está muito bem. Depois de muito tempo eu me vejo apaixonado de novo, na minha idade. Estou namorando uma mulher fantástica. Depois de muito tempo separado, solteiro. Nosso relacionamento está muito bom. Tem sido ótimo, eu e a Day temos uma sintonia muito grande.

Nos conhecemos há um ano. Ela foi ver minha peça, esperou para falar comigo depois, postou a foto, eu vi a foto publicada e fui atrás dela pra gente conversar e se conhecer. Depois que saí da Fazenda, decidi assumir o namoro e tentar uma relação que na nossa idade, tanto na minha quanto na dela, não é mais uma brincadeira. A gente projeta alguma coisa, quer algo sério.

Na vida pessoal, só sei que Day e estamos muito bem e meus filhos também. Vamos ver o que o destino nos reserva.