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"Criei uma ONG para ajudar mulheres a fazer fertilização in vitro pelo SUS"

O casal Vanessa e Eduardo com filhos gêmeos Antônio e Joaquim - Arquivo pessoal
O casal Vanessa e Eduardo com filhos gêmeos Antônio e Joaquim Imagem: Arquivo pessoal

Vanessa Jost em depoimento a Priscila Gomes

Colaboração para Universa

12/01/2021 04h00

"Sempre quis ser mãe e, assim que me casei, senti que o sonho logo se realizaria. Mas esperamos 1 ano e nada. Começamos então a procurar médicos e a agonia foi aumentando. Só depois de 3 anos, entre idas e vindas, exames e consultas, é que descobrimos que eu tinha endometriose.

Sem muitos rodeios, o médico já disse que eu teria que fazer Fertilização in Vitro (FIV) - é um dos tratamentos mais indicados para casos de infertilidade e de idade avançada - apesar de eu estar com apenas 33 anos na época. E aí começou nossa batalha para que, no fim, eu conseguisse fazer minha FIV pelo plano de saúde, sem custos adicionais.

O preço de um sonho

Sentamos, fizemos as contas e se juntássemos todas nossas economias, daria para pagar o tratamento, (os custos variam de 7 mil a 9 mil reais. Hormônios e medicamentos - de 3 a 5 mil reais. É o valor da fertilização in vitro clássica, somado ao procedimento de injeção do espermatozoide dentro do óvulo, que custa entre 800 a 2.500 reais. Mas pensamos também em várias possibilidades: de não dar certo e a frustração aumentar e ainda sem dinheiro para tentar novamente.

Eu tinha plano de saúde e estava com uma doença, a endometriose. Então meu marido, que é advogado, sugeriu que o convênio arcasse com o tratamento, afinal, era por questão de saúde.

Assim iniciava então uma outra luta.

Batalha na justiça

Dia 4 de outubro de 2016 entramos com uma ação na justiça para que o plano de saúde pagasse meu tratamento.

O pedido na justiça foi analisado em 24 horas e, depois dessa espera, recebemos uma autorização para que o plano pagasse o tratamento. Pensamos então que tudo estaria resolvido. Porém, na época, 2016, a minha ação foi uma das primeiras do Paraná e o plano alegava que não sabia como "cumprir". Porque em teoria, esses tratamentos não são cobertos pelos convênios.

Aí tivemos outro desgaste, pois eles recorreram à justiça. No recurso, a desembargadora suspendeu a liminar e aí teríamos que aguardar o julgamento. Foram 6 meses de luta na justiça para, enfim, o plano liberar meu tratamento somente no final de abril de 2017, mas iniciei apenas em maio.

Vanessa e Eduardo conseguiram na justiça o direto de fazer a FIV pelo plano de saúde, sem custos adicionais - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Vanessa e Eduardo conseguiram na justiça o direto de fazer a FIV pelo plano de saúde, sem custos adicionais
Imagem: arquivo pessoal

Engravidei logo na primeira tentativa. Estava esperando gêmeos, meninos. Nosso coração transbordava de tanto alívio, alegria e ansiedade. Antônio e Joaquim nasceram em 13 de dezembro de 2017. Foi parto cesárea. Lindos e perfeitos pesando 2070 kg e 1720 kg e medindo 43cm e 42cm. Um parecido com o pai, o outro comigo.

Mesmo depois do nosso sonho realizado, meu coração ainda pedia algo. Não estava satisfeita. Sentia que precisava ajudar outras mulheres a realizar o sonho de se tornarem mães. E ainda que elas não passassem todo o desgaste que passei.

Oportunidade para todas

Depois que tive meus filhos, muitas pessoas começaram a me procurar para terem o mesmo sucesso. Ajudamos alguns casais, através de ações na justiça, a conquistarem também esse direito. Uns conseguiram, outros não.

Foi então que decidi criar a ONG Gestar, em novembro do ano passado. Com esse trabalho, temos o objetivo de dar visibilidade e atenção para esse problema, que a meu ver, é social. Com menos de um mês de atuação, já tínhamos mais de 20 casais associados.

Vanessa durante a primeira gestação, em 2017. Ela acaba de descobrir que está grávida novamente - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Vanessa durante a primeira gestação, em 2017. Ela acaba de descobrir que está grávida novamente
Imagem: arquivo pessoal

Dificuldade de engravidar é um assunto pouco debatido. Muitos casais se sentem fragilizados em contar suas histórias e lutas. Conheço alguns que não contam nem para a família que estão nesse processo. Eu mesma cansei de ouvir frases do tipo: "ah, mas você pode adotar também"; "relaxa que consegue". E não é uma questão simples assim.

A ONG tem também esse objetivo de levar informação com especialistas sobre o assunto: causas da infertilidade, direitos e um espaço para casais poderem conversar a respeito. Nós passamos por todos os processos e entendemos o que eles sentem.

Com o trabalho da ONG, queremos que as mulheres conquistem a reprodução assistida pelo plano de saúde sem precisar entrar com uma ação na justiça. Meu outro sonho é fazer com que todas as capitais brasileiras tenham um hospital que forneça reprodução assistida pelo SUS, é um desejo difícil, mas não impossível.

Vamos dar voz para essas pessoas e para essa causa. A sociedade e o governo precisam olhar para esses casais, é um problema social.

STJ deve decidir em breve

Em breve, o Superior Tribunal de Justiça irá tomar uma decisão definitiva sobre o assunto e, um dos meus objetivos de vida é que a justiça admita que se trata de uma questão de saúde ao reconhecer o direito que todos temos de gerar filhos.

É um assunto que está em discussão pelo STJ desde 2012, quando entendeu-se que não era obrigação do estado oferecer o tratamento. Mas em outubro de 2020 todas as ações que falavam sobre FIV no Brasil foram suspensas para esperar uma decisão definitiva. Foram anos de campanha para reverter a decisão. Estamos aguardando um resultado favorável, com muita expectativa.

Por enquanto, a Gestar age em duas frentes: no sistema privado, tentando parceiras que ofereçam descontos no tratamento. Já no SUS, a luta é que estenda esse tratamento, gratuitamente, em todas as capitais do Brasil. Atualmente, existem 16 clínicas que oferecem o serviço de FIV pelo SUS ou com um preço razoável.

Outra ideia da Gestar é fazer convênios com médicos e clínicas para que possamos oferecer serviços aos associados e com isso conseguir valores acessíveis, além claro de trazer informações sobre o assunto.

Enquanto ajudo outras mulheres a engravidar, meu marido e eu decidimos usar os três embriões congelados que ainda tínhamos. Fiz uma FIV em novembro que não deu certo. E agora em dezembro transferimos os outros dois e deu certo! Estou grávida! Dessa vez pagamos o procedimento. Mas já entramos com o reembolso no plano de saúde.

Muitas mulheres querem gerar uma vida e não conseguem e sofrendo por isso. A luta da Gestar, que nasceu no meu coração há muito tempo e agora existe fisicamente, é que todas as mulheres que desejam engravidar consigam realizar esse sonho, como eu consegui.

O que diz a lei atualmente

  • De acordo com o advogado da ONG Gestar, Luís Gustavo Guimarães, atualmente, a totalidade de contratos das operadoras de planos de saúde faz constar uma cláusula que expressamente exclui da cobertura o tratamento de inseminação artificial e, apesar de serem procedimentos diferentes, os planos de saúde insistem em negar a cobertura da fertilização in vitro alegando se tratarem de sinônimos. Ocorre que, em sentido oposto, a Constituição Federal e a Lei nº 9.263/96, chamada de Lei do Planejamento Familiar, asseguram ao casal o direito de decidir de maneira livre e responsável sobre questões ligadas ao planejamento familiar, garantindo ainda os meios para o exercício dos direitos ligados a reprodução. Além disso, o Código de Defesa do Consumidor garante que "as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor". Por isso, nesse contexto, a ONG defende que as operadoras têm a obrigação de cobrir a fertilização in vitro quando houver indicação médica.

  • A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) esclarece que vários procedimentos que possibilitam diagnosticar e tratar a infertilidade em homens e mulheres - entre eles exames hormonais, ultrassom, histeroscopia, laparoscopia, cirurgias e exames de esperma - constam no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, que é a lista de coberturas obrigatórias dos planos de saúde. O Rol é válido para os planos de saúde contratados a partir de 02 de janeiro de 1999, os chamados planos novos, e para os planos contratados antes dessa data, mas que foram adaptados à Lei dos Planos de Saúde, de acordo com a segmentação assistencial.

  • O procedimento de inseminação artificial - seja por fertilização in vivo ou in vitro - não se encontra listado no Rol e, portanto, não possui cobertura em caráter obrigatório. A não obrigatoriedade de cobertura decorre do disposto no Artigo 10, inciso III da Lei Federal nº 9656/98.
  • Você pode consultar os estabelecimentos de saúde que realizam procedimentos de atenção à Reprodução Humana Assistida, no âmbito do SUS, incluindo fertilização in vitro e/ou injeção intracitoplasmática de espermatozoides aqui.