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"Como Fátima, enfrentei um câncer de útero em meu auge na TV. E venci"

A jornalista Natalie Nanini descobriu um câncer no útero após notar uma secreção estranha na calcinha - arquivo pessoal
A jornalista Natalie Nanini descobriu um câncer no útero após notar uma secreção estranha na calcinha Imagem: arquivo pessoal

Natalie Nanini

Colaboração para Universa

04/12/2020 04h00

"Luiza, minha filha, tinha acabado de completar dois anos, quando eu recebi o diagnóstico de câncer. Eu tinha 34 anos, estava no melhor momento da minha carreira e da minha vida pessoal - pelo menos era o que achava -, quando um diagnóstico fez o chão se abrir sob os meus pés. Chorei, copiosamente, por 34 minutos para depois descobrir uma força que não me deixou esmorecer em momento algum. É verdade, ninguém está preparado para um diagnóstico de câncer.

Na última quarta-feira (2), a jornalista e apresentadora Fátima Bernardes usou suas redes sociais para comunicar que estava com câncer no útero. Ela escreveu que recebeu o diagnóstico em estágio inicial e iria se afastar do trabalho pra fazer a cirurgia. Assim como Fátima, sou jornalista e há 5 anos recebi o mesmo diagnóstico.

Me chamo Natalie Nanini, sou mãe da Luiza, esposa do Peterson e respondo pela Direção de Jornalismo do Sistema Santa Cecília de Comunicação, além de apresentar o jornal Bom Dia Cidades, veiculado em toda Baixada Santista, de 2ª a 6ª feira, das 8h às 9h da manhã. Também dou palestras de motivação a partir de toda ressignificação da trajetória que vivi com a doença e busco ser uma versão melhor de mim mesma.

"Uma secreção diferente foi sinal de alerta"

Sempre bebi muita água e por consequência sempre fiz muito xixi e foi justamente em uma das idas ao banheiro que reparei uma secreção que me chamou a atenção. Bati uma foto e mandei pro meu ginecologista. Ele disse para eu não preocupar que deveria ser excesso de fertilidade, mas que eu podia ir ao consultório no dia seguinte que ele me atendia. Nesta época, eu trabalhava para "ter" e pra ter passava mais horas na TV do que na minha casa, com a minha família, meus amigos! Era uma workholic, que nem a maternidade fez desacelerar!

Natalie na tv - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Antes de receber o diagnóstico de câncer, Natalie era extramente workholic - nem a maternidade a fez desacelerar
Imagem: arquivo pessoal

No dia seguinte a ligação com meu médico, eu tinha uma série de reuniões e pensei em deixar pra depois. Foi quando, sem figura nenhuma de linguagem, eu ouvi uma voz dizer "vai, você tem que ir". Hoje sei que foi a voz de Deus, e agradeço por tê-la escutado. No fim do dia, depois de todas as reuniões, fui para o consultório. Era a última paciente. Meu médico, a quem chamo de anjo de jaleco, foi também o obstetra que fez o parto da Luiza.

Enquanto o médico me examinava, falávamos besteira e estávamos rindo quando, de repente, ele se calou e ficou pálido. Por alguns segundos não disse nada e eu, muito curiosa, perguntei: "o que você está vendo de errado aí?" Ele tentou disfarçar, mas não conseguiu. Se limitou a dizer que era um nódulo grande e sugeriu fazermos a biópsia naquele momento. Cinco dias depois, veio o diagnóstico: câncer de colo de útero.

Depois de recuperar o fôlego pela notícia, meu médico disse que me esperava com especialista e que decidiríamos o que fazer. Avisei o marido, meus pais, meu irmão, meu chefe e alguns poucos amigos. Ali eu sabia que começava uma luta e que eu não estava disposta a perder. Eu queria ver a minha filha crescer!

No horário marcado cheguei ao consultório e lá já me esperava meu segundo anjo de jaleco. O que seria o responsável pela minha cirurgia. Com cuidado de me esclarecer todos os pontos, ele disse que eu tinha dois caminhos cirúrgicos. Um garantiria maior possibilidade de cura, mas acabaria com todas as minhas possibilidades de ser mãe outra vez. Foi quando eu tive a resposta de por que Luiza veio sem planejamento: ela foi fruto de um grande amor, mas ficar grávida não estava nos planos. Não nos meus, mas nos do Cara lá de Cima. Afinal, se eu fosse planejar, não teria tido tempo de ser mãe. E Luiza foi toda a minha força. Eu olhava pra ela e dizia "o leão é bravo, mas eu sou mais forte"!

"Optei pela cirurgia radical"

Lembra a voz que eu disse que ouvi? Meu médico, depois da cirurgia falou: "se tivesse demorado 15 dias tinha dado metástase". E eu não estaria aqui para contar essa história.

Decidi pela histerectomia radical, tirei todas as estruturas, entre elas o útero. Deixamos apenas o ovário, para tentar não entrar na menopausa precoce. A cirurgia correu muito bem. A recuperação foi lenta e dolorida e enquanto os pontos cicatrizavam, eu fui começando a abrir as minhas "caixas". A análise patológica indicou um câncer não causado por HPV, agressivo, do tipo adenocarcinoma espinocelular, grau 3 de 4, com células embolizadas; o que significa dizer que estava prestes a ir para corrente sanguínea.

O câncer de colo de útero é na sua grande maioria causada por HPV e facilmente prevenido se os exames de papanicolau forem feitos pelo menos uma vez por ano. E eu sempre fiz. Na verdade, quando descobri o câncer fazia 10 meses que eu tinha feito o preventivo e estava tudo certo. Sim, o câncer cresceu em silenciosos 10 meses, do tamanho de um limão, para fora do colo do útero. Não fosse a atenção ao meu corpo, o resultado seria completamente diferente.

"Dor física, emocional, espiritual"

Com o resultado a respeito da agressividade e por causa da idade a decisão foi por, além da cirurgia, fazer o tratamento complementar. No meu caso, 30 sessões de radioterapia. O segundo momento da abertura das minhas "caixas".

Viver a experiência do câncer foi dolorida em muitos sentidos. Eu tive a dor física, a emocional, a espiritual, mas também tive a oportunidade de renascer. De compreender que a única responsável pelo meu câncer tinha sido eu, pelas minhas escolhas, ao longo da vida.

Estar de cara com a morte te dá a noção exata de que você não tem poder nenhum sobre nada e ver o quanto a vida é frágil me entregou a urgência de abrir e de esvaziar as minhas caixas. E eu tinha muitas! Tinha a caixa da mágoa, do rancor. Tinha também a caixa da amargura, da ingratidão, da prepotência. Nunca me faltou nada, mas eu sempre vivia reclamando. Eu queria sempre ter mais, sem procurar "ser" alguém.

"O câncer me trouxe minha vida"

Foi o câncer que me proporcionou este novo olhar, por isso digo sempre que foi essa experiência incrível e única a melhor coisa que podia ter me acontecido!

Natalie com a filha, Luiza, e o marido Peterson - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Natalie com a filha, Luiza, e o marido Peterson: "hoje sei que deixo um legado"
Imagem: arquivo pessoal

Em 2020, fiz 40 anos e celebrei o fim do ciclo do segmento; período com maior possibilidade de volta da doença. Sei que para o resto da minha vida vou precisar ter atenção redobrada e fazer acompanhamento regular. Mas sou a prova viva que câncer não é sentença de morte, que cuidar da saúde e ter saúde é nosso bem mais precioso e que quando a gente se dispõe a se despir dos excessos e daquilo que não nos faz bem, as caixas ficam leves, algumas até vazias, prontas para novos aprendizados.

Há uma uma diferença tremenda que se eu não tivesse tido uma segunda chance, minha filha talvez poderia nem orgulhar de mim, afinal até o câncer eu não tinha deixado legado algum. E o sentido da nossa jornada é deixar legado!

Hoje minha missão é ser feliz! E pra ser feliz eu sei que o que vale a pena na vida custa muito pouco, e em alguns casos, quase nada! Só faço o que faz meu coração bater mais forte!

Quero tocar corações, quero mostrar que há sempre um caminho e que mudar é sempre um processo de dentro pra fora, nunca de fora pra dentro e que vale muito a pena!"