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Professora ganha direito a licença-maternidade por gravidez de companheira

Professora ganhou o direito na Justiça para acompanhar a companheira, profissional autônoma - Getty Images
Professora ganhou o direito na Justiça para acompanhar a companheira, profissional autônoma Imagem: Getty Images

Diogo Cavalcante

Colaboração para o UOL, no Recife

23/10/2020 04h00Atualizada em 23/10/2020 14h43

Uma professora de 38 anos ganhou na Justiça Federal o direito de tirar licença-maternidade para acompanhar sua companheira, profissional autônoma que estava grávida e deu à luz ao filho do casal. O caso da docente, que trabalha na Univasf (Universidade Federal do Vale do São Francisco), de Petrolina, cidade do Sertão de Pernambuco, é um dos primeiros do Brasil na esfera judiciária federal.

Na decisão, o juiz federal Arthur Napoleão Teixeira Filho ressalta que é preciso "ser resguardado o direito da criança de ser por ela acompanhada e cuidada". A professora tentou conseguir benefício dentro da própria universidade, que foi negado por falta de "amparo legal" em seu caso — de mãe não-gestante em união estável homoafetiva.

Ela estava preocupada com a situação, tendo em vista que sua companheira é profissional autônoma e precisa trabalhar. Foi aí que o caso foi judicializado, com um mandado de segurança impetrado pelos advogados Micael Benaic e Ariana Andrade de Carvalho. Em um primeiro momento, a Justiça Federal indeferiu o pedido liminar. Ao final do processo, porém, mudou de entendimento e reconheceu o direito da professora.

O juiz em questão mencionou em seu texto que a Constituição "impôs como dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade" diversos direitos, como à vida e à dignidade, "além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

Outro ponto citado pelo magistrado é que "mesmo que a impetrante (a professora) não seja a gestante, há que ser resguardado o direito da criança de ser por ela acompanhada e cuidada" e que é "inadmissível discriminar-se a mãe gestante daquela não gestante".

A professora e a profissional autônoma não quiseram dar entrevista por estarem ocupadas com o bebê, nascido no último dia 15. Mas, segundo seus advogados, foi um momento de grande felicidade.

"Foi uma surpresa, porque já estávamos desanimados por causa da primeira decisão, que tinha sido negativa. Quando elas nos procuraram, ninguém acreditava no direito delas pela falta do amparo legal. Baseamos nossa tese em princípios da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, sobre proteção integral à criança", contou o advogado Micael.

Já a advogada Ariana espera que a decisão abra precedentes. "Que isso possa sensibilizar o Poder Judiciário, que abra portas para as novas famílias, traga o direito delas de serem felizes, de ter dignidade, criar seus filhos. E que essas pessoas tenham muita felicidade", disse.

No STF

No final de 2019, o STF (Supremo Tribunal Federal) admitiu a possibilidade de conceder licença-maternidade a mãe não-gestante em união homoafetiva, após análise de um recurso extraordinário impetrado pelo município de São Bernardo do Campo (SP). Nesse caso em questão, semelhante ao da professora de Petrolina, a Justiça de São Paulo concedeu o benefício a uma servidora municipal, cuja companheira é profissional autônoma.

O município recorreu, mas o ministro Luiz Fux, relator do recurso, reconheceu que, sim, a licença pode ser concedida. "O reconhecimento da condição de mãe à mulher não-gestante, em união homoafetiva, no âmbito da concessão da licença-maternidade, tem o condão de fortalecer o direito à igualdade material e, simbolicamente, de exteriorizar o respeito estatal às diversas escolhas de vida e configuração familiares existentes", afirmou em seu voto, seguido pela maioria da corte.

Em setembro deste ano, a Justiça do Ceará direito à licença-maternidade para uma servidora do município de Morada Nova. Em entrevista ao UOL, a mulher explicou que foi uma luta desgastante. "Essa decisão tem um significado enorme porque em nenhum momento, desde que decidimos que seríamos mães, me vi em uma posição diferente da minha esposa", disse.

A reportagem tentou entrar em contato com a Univasf. Em nota, a reitoria da instituição informou que "por tratar-se de decisão judicial, aguardará manifestação da Procuradoria Federal junto à Univasf sobre a referida sentença".