Topo

Existe moda para lésbicas? Elas dizem que sim e contam por quê

Camisetas da marca voltada para mulheres lésbicas Fanchonas - Reprodução/Instagram
Camisetas da marca voltada para mulheres lésbicas Fanchonas
Imagem: Reprodução/Instagram

Letícia Sepúlveda

Colaboração para Universa

23/10/2020 04h00

Existe um estilo de roupa para mulheres que gostam de mulheres? Cansadas da constante ausência de roupas e acessórios que as representassem, Gabriela, Karoline, Beatriz, Wendy e Maria, entre outras, decidiram aderir à moda militante e criaram suas próprias marcas. Essas histórias são de orgulho lésbico e bissexual, de mulheres que escolheram vestir a camisa pelas causas em que acreditam, literalmente.

Em comum, as marcas apostam em peças com diversidade maior de numeração, conforto e elementos que representem o orgulho de ser quem são —muitas vezes rindo de símbolos usados para estereotipar a orientação sexual ou tratando do desenho do órgão sexual feminino com naturalidade.

"Essas peças são ferramentas para você se mostrar, para bater o pé e falar que é uma mulher sapatona nos lugares em que frequenta, são símbolos de empoderamento. Acho que quanto mais nos colocarmos com orgulho, mais seremos vistas e menos seremos ignoradas", afirma Gabriela França, 25, criadora da loja "Not Your Babe", para mulheres que amam mulheres.

"Criei minha marca em 2016 e, na época, nem existiam com muita facilidade camisetas feministas, e é claro que também não existiam muitas camisetas para mulheres lésbicas e bissexuais. Então, decidi desenhar algumas peças, sempre com a vontade de trabalhar com produtos sustentáveis e que trouxessem algum retorno à comunidade", explica.

A empreendedora diz que não sentia representatividade em muitos espaços. "As lésbicas e bissexuais são constantemente excluídas das pautas da comunidade LGBT, porque o movimento é muito mais voltado a homens gays. Acho que as outras letras da comunidade começaram a se movimentar mais dentro dos seus próprios espaços. Rrecebo muitas mensagens das clientes em relação à representatividade, elas se sentem contempladas."

A busca por essa representatividade também fez com que o casal Karoline Camargo, 26, e Beatriz Menezes, 25, criassem a loja "VestSapatão". "Acho que é importante todo mundo ter o seu espaço e é importante podermos falar: 'sou uma mulher lésbica, bi ou pan'. Então com a marca, buscamos englobar muita gente, inclusive em relação aos tamanhos, porque não podemos vender um produto excludente", afirma Karoline.

Se moda é expressão, pode ser uma grande aliada em relação à busca pelo autoconhecimento e fonte de orgulho de ser quem é, como ela explica Karoline: "Conseguir usar algo que me representa é uma conquista, uma grande vitória. Além de estar me reafirmando, quando visto as camisetas da marca, me sinto livre e realizada por poder mostrar quem sou".

Moda contra a invisibilidade

"Como mulheres já somos pouco visíveis na sociedade e ser mulher lésbica é ser inviabilizada duas vezes", explica Wendy Mesquita, 27, criadora da marca "Fanchonas", ao lado de sua esposa Isabella Almeida, 25.

A loja existe desde 2017. O casal começou vendendo as roupas e os acessórios em um bairro universitário de Fortaleza e também participou de um edital da prefeitura da capital cearense voltado para mulheres empreendedoras.

"Acho que a moda acaba nos conectando. Quando vejo alguém que está usando alguma coisa que remeta ao que eu também sou, me sinto mais próxima dessa pessoa. Sentimos a necessidade de trabalhar com um produto que não encontrávamos em lugar nenhum, e também quisemos trazer o diferencial do conforto e da variedade de tamanhos", conta Wendy.

Para Gabriela França, esses diferenciais também estão nos necessários. "Por mais que minhas camisetas sejam voltadas ao público feminino, elas não são baby look e não têm uma modelagem pequena, são camisetas oversized. Existe essa questão de usar uma T-shirt simples com uma frase que está relacionada à liberdade de poder se inventar. Uma pessoa pode comprar um número maior e fazer um vestido, outra pode amarrar um nó, ou colocar por dentro da calça, há um mundo de possibilidades que conseguimos brincar."

Fagocitando o preconceito

As lojas também costumam ressignificar em suas peças alguns objetos que sempre foram associados às mulheres lésbicas e bissexuais de maneira negativa e preconceituosa, como sapatos grandes, tesouras e caminhões.

Com a pandemia do novo coronavírus, a máscara se tornou um acessório indispensável no nosso dia a dia, e pode ser usada como uma ferramenta de empoderamento e visibilidade. No ativismo lésbico e bissexual não foi diferente.

"Passamos por um período difícil durante a pandemia, estávamos com poucas vendas e sem poder sair para vender os produtos. As máscaras nos ajudaram bastante e estamos fazendo as entregas por delivery", explica Wendy.

Ela não comprava roupas porque não se via nelas

"Eu não era uma pessoa que comprava muitas roupas, e achava que era porque eu não tinha vaidade. Mas eu não comprava porque sempre foi imposto a mim um padrão que eu deveria seguir como mulher, em que eu não me encontrava. Quando tive mais contato com o ativismo bissexual, comecei a querer me expressar mais. Comecei a comprar camisetas, bandeiras, bottons, canecas e bonés", conta Maria Freitas, 26, escritora e ativista bissexual, retratando um comportamento frequente entre mulheres lésbicas que recusam o padrão de estilo heteronormativo.

"Acho muito importante essas lojas militantes existirem Se esperarmos grandes lojas olharem para nós, que não seja só no mês do orgulho LGBT e só com as cores dessa bandeira, nunca teremos."

A digital influencer Teka Mafra, 23, usa a conta do Instagram para retratar seu cotidiano como mulher lésbica e sua rotina ao lado da namorada, a skatista Nayara Nishimuta, 26. "São poucos os casais lésbicos que se expõem na internet, então acho que por conta disso acabamos viralizando. Também são poucos perfis de influencers lésbicas e quase nenhuma é verificada pelo Instagram", aponta.

"Admiro as mulheres que criaram marcas para nos representar. Imagino que deve ser um grande desafio para elas, já que somos um público pequeno — não porque somos poucas, mas porque muitas de nós, infelizmente, não podem se mostrar da maneira que gostariam."