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Mais vendedores que clientes: como é fazer compra em 2 ruas famosas de SP

Mariana Gonzalez

De Universa

05/10/2020 04h00

O comércio de rua passou quase três meses completamente parado na capital paulista — lojas de rua foram obrigadas a baixar as portas em 24 de março e só puderam reabrir em 10 de junho. Neste período, muitos lojistas apelaram para as vendas online mas, para alguns, não houve desconto ou promoção que segurasse as contas —e a solução foi entregar o ponto e mudar para um lugar mais barato ou fechar de vez.

Dados da Fecomércio mostram que, na cidade de São Paulo, 11 mil estabelecimentos foram fechados e 85 mil pessoas perderam seus postos de trabalho em decorrência da crise. E quem frequenta o comércio de rua percebeu que esses números mudaram a paisagem de algumas regiões de São Paulo. Entre elas, dois endereços simbólicos do comércio de moda da cidade: a rua a José Paulino, no Bom Retiro, famosa pela variedade de roupas a preços baixos para atacado e varejo, e muito frequentada por lojistas que revendem peças em outros estados; e a Oscar Freire, nos Jardins, conhecida por reunir lojas de marcas de luxo, como Calvin Klein, Le Lis Blanc e Cavalera.

Universa visitou as duas vias três meses depois que a prefeitura autorizou a abertura as lojas de rua na cidade, e é fato: o comércio popular parece ter saído da pandemia de coronavírus com mais sequelas do que o comércio de luxo.

Lojas fechadas, ruas vazias

A reportagem entrou em contato com a Associação de Lojistas dos Jardins e com a Câmara de Dirigentes Lojistas do Bom Retiro — a primeira não respondeu, a segunda não deu dados concretos, afirmando que, das 1.200 lojas que funcionavam até março na região, todas voltaram a funcionar. Mas basta ir até o local para ver que não é bem assim.

Na primeira visita, feita numa segunda-feira à tarde, a reportagem percorreu os 890 metros de extensão da José Paulino e contou 31 lojas fechadas com placas de "aluga-se" e outras 20 fechadas sem nenhuma sinalização -era cerca de uma loja fechada a cada 15 abertas. Fazia frio e chovia, a movimentação era mínima, havia pouca gente na rua e os poucos que passavam não carregavam sacolas.

Em uma segunda visita, quando os termômetros marcaram 34ºC em uma quarta-feira pela manhã, e a região estava mais movimentada, inclusive com algumas poucas pessoas carregando as peças em grande quantidade, com a ajuda de carrinhos ou malas de rodinha, para revender para fora de São Paulo — mas nem de longe parecia o Bom Retiro anterior ao coronavírus.

É comum na José Paulino que vendedores saiam às ruas anunciando preços, como vestido de festa por R$ 100 - André Porto/UOL - André Porto/UOL
É comum na José Paulino que vendedores saiam às ruas anunciando promoções, como "vestido de festa a R$ 100"
Imagem: André Porto/UOL

"Nunca se acha onde estacionar na José Paulino, tem que procurar nas outras ruas ou pagar estacionamento, hoje foi fácil", conta Luciana de Ouro Preto, 54, que olhava vitrines com a filha em busca de calças jeans. "Na pandemia não tinha vindo ainda, e realmente sinto uma diferença muito grande. Eu estou vindo por uma necessidade, para comprar calça, mas a gente fica receosa de sair."

No mesmo dia de chuva e frio, às 16h30, visitamos a Oscar Freire e percebemos 7 lojas disponíveis para aluguel e 4 com as portas baixas ao longo de pouco mais de 1 quilômetro — números bem menores que os da José Paulino, apesar de a rua dos Jardins ser pouco mais extensa.

Por lá, a movimentação de clientes era tímida também em dia de sol, pela manhã. Durante as duas visitas, havia mais vendedores do que clientes em todas as lojas, inclusive nas mais populares da região, a Renner e a Riachuelo.

Yuli Fernandes, dona de uma kombi azul que estaciona todos os dias na Oscar Freire para vender vasos de plantas, conta que a movimentação é outra aos finais de semana: "Em dia de semana tem muita gente passando, e o movimento é esse aqui [fraco], mas de final de semana parece que nem existe corona". Funcionários de lojas e uma moradora da região confirmaram que, aos sábados e domingos, a rua ganha outra cara.

A maranhense que abriu as portas da kombi para o comércio em fevereiro, um mês antes que a quarentena fosse decretada pela prefeitura, conta que o negócio só não fechou de vez graças às vendas on-line. A mesma saída teve a loja de acessórios Miss Mott, que fica dentro da Galeria Jardins, na Oscar Freire. Antes da pandemia, as vendas pela internet eram quase insignificantes, mas hoje representam uma parcela muito maior de faturamento em relação à loja física, mesmo três meses após a reabertura do comércio.

Yuli Fernandes Oscar Freire - André Porto/UOL - André Porto/UOL
A maranhense Yuli Fernandes estaciona a kombi azul todos os dias, na Oscar Freire, para vender plantas
Imagem: André Porto/UOL

Angela Silva, uma das vendedoras, lembra que nos primeiros meses os clientes tinham medo de tocar nos produtos — anéis, brincos e pulseiras — mas diz que hoje o comportamento é oposto: "Quando a gente voltou, estava totalmente parada a rua, quase deserta, e quem vinha tinha medo de provar. Eu tinha que falar 'pode pegar, pode provar', agora é o contrário, eu tenho que falar 'olha, tem álcool em gel ali, viu', e o segurança tem que ir atrás de gente que entra sem máscara".

Muita cor e pouca promoção

O mundo da moda se adianta à estação seguinte, não importa se os preços das peças giram em torno de dois ou cinco dígitos. Portanto, tanto na José Paulino quanto na Oscar Freire, as vitrines de setembro mostram muita cor, dos tons pastéis aos mais vibrantes, sempre em roupas de verão.

O tie dye é protagonista de peso nas fachadas do Bom Retiro, mas quase não aparece nos Jardins, onde é mais difícil identificar um padrão do que é tendência, além das cores fortes que saltam aos olhos.

Nas duas regiões os vidros trazem indicativos de promoção — mas enquanto no comércio popular os termos que mais aparecem são "desconto" e "preço único", nas lojas de luxo lê-se com mais frequência as palavras em inglês "off" e "sale". Apesar dos anúncios indicando valores mais baixos que o normal, clientes disseram que os preços pouco mudaram na Oscar Freire e que estão mais altos na José Paulino.

Alessandra Gomes, José Paulino - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Imagem: André Porto/UOL

Alessandra Gomes, 45, por exemplo, veio de Belo Horizonte e passou uma das manhãs mais quentes do ano circulando pelo Bom Retiro, com carrinho de compras, escolhendo peças para revender em Minas Gerais. Ela diz que ainda vale a pena cumprir o deslocamento de 590 quilômetros entre as capitais mineira e paulista, mas que a José Paulino já teve preços mais baixos.

"É a primeira vez que venho depois da pandemia, mas antes vinha sempre, umas duas vezes no mês. Muitas lojas fecharam, o movimento está mais devagar, os preços estão altos, falta produto. Mas ainda vale a pena vir aqui", acredita.