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Mãe de suspeito de matar miss: "Não julgo meu filho; já estão fazendo isso"

Fátima Fernandez com o filho, o advogado Rafael, suspeito de matar a Miss Manicoré - Arquivo Pessoal
Fátima Fernandez com o filho, o advogado Rafael, suspeito de matar a Miss Manicoré Imagem: Arquivo Pessoal

Abinoan Santiago

Colaboração para Universa

05/06/2020 04h00

"Mãe, a senhora viu o que eu fiz?" Foi isso o que Maria de Fátima Fernandez, de 61 anos, ouviu de seu filho, o advogado Rafael Fernandez, na última vez em que se falaram, em 15 de maio. Para se comunicar com a mãe, ele usou a ligação telefônica a que tinha direito ao ser preso pela morte da Miss Manicoré (AM) e finalista do Miss Amazonas 2019, Kimberly Mota, 21.

Kimberly - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

Rafael foi detido na fronteira do Brasil com a Venezuela, para onde tentava fugir após o crime que aconteceu no apartamento dele, na madrugada de 11 de maio, em Manaus. Segundo a Polícia Civil do Amazonas, o único suspeito de assassinar a miss com três golpes de facas confessou o crime. A investigação aponta que o suspeito não teria aceitado o fim do relacionamento com a modelo, com quem ficou por dois meses.

Para Universa, a mãe Fátima descreve o perfil do filho: "Ele é uma pessoa calma, atenciosa, estudiosa e de quem todo mundo gostava desde criança. Todos ficaram surpresos". Fátima diz que o telefonema que recebeu do filho foi muito rápido. "Falei que iria até ele e que cuidaria de tudo. Ele se arrepende perdidamente, nem acredita que fez isso", conta.

"Nunca vou julgar ou massacrar meu filho porque já estão fazendo isso. Ele começou a pagar pelo erro que cometeu. É meu filho único. Não bebia, não fumava nem usava drogas, mas teve um amor avassalador e ficou cego."

"Nunca foi ciumento"

Fátima e Rafael - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Segundo a mãe, antes de conhecer Kimberly, em Manaus, Rafael namorou por oito anos com uma advogada em São Bernardo do Campo, cidade do ABC paulista onde nasceu. O relacionamento terminou após ele passar no concurso para analista judiciário no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 11ª Região Amazonas-Roraima, em 2017.

No Amazonas, Rafael conheceu uma mulher com quem casou após um namoro de apenas oito meses. Fátima afirma que em nenhum dos dois relacionamentos houve registro de brigas intensas ou agressões.

"Ele namorou oito anos em São Paulo com uma advogada e nunca foi controlador ou ciumento. Presenciei de perto esse relacionamento e ele nunca encostou a mão nela. Até comentava para ele sobre não ter ciúmes. A mulher dele, de Manaus, também nunca relatou nada", diz.

Fátima acrescenta que Rafael comentou com ela sobre Kimberly somente em uma ocasião, por telefone, declarando o sentimento dele pela modelo. "Ele dizia que estava perdidamente apaixonado. Mas nada além disso, porque um homem de 31 anos não conta os detalhes para a sua mãe, né? Se eu ficasse no pé dele, seria como tratar um bebezão. Nem eu gostava disso quando tinha essa idade", comenta.

A perda do pai após o crime

Apesar da proximidade com o filho, Fátima e Rafael não moravam juntos em São Paulo. O advogado passou a residir com o pai aos 14 anos, quando o casal se divorciou.

O pai, Nilton Rodrigues, teria sido primeiro familiar a saber do crime por meio do próprio filho, segundo a Polícia Civil. Ao ser preso, Rafael estava com o telefone dele anotado em um pedaço de papel no bolso. O advogado não sabia, contudo, que o pai havia morrido três dias depois do crime.

Nilton sofreu uma parada cardiorrespiratória durante uma cirurgia provocada por uma queda na linha do metrô na estação do Brás, em São Paulo. O trem o atingiu e o deixou gravemente ferido. Fátima não acredita na hipótese de tentativa de suicídio, apesar de o ex-companheiro ter ficado bastante abalado após o crime cometido pelo filho.

"Não foi suicídio. O pai dele tinha pressão muito alta e estava bastante nervoso. Com essa notícia, ele estava indo para Manaus, e acredito que passou mal perto da plataforma quando o trem estava perto. Ainda levaram ele para o hospital, fizeram uma cirurgia, mas ele não aguentou e teve uma parada cardiorrespiratória", explica.

"Meu filho não é assassino"

Rafael Fernandez OAB - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Aos 22, Rafael passou no exame da OAB
Imagem: Arquivo Pessoal

Três semanas após o crime, Fátima ainda é cética sobre a conduta do filho. Ela sustenta que ele "não é assassino" por causa do histórico de passividade de Rafael desde criança.

O advogado também não fumava nem ingeria bebida alcoólica, segundo a mãe. Era considerada uma pessoa estudiosa. Graduou-se em direito aos 22 anos e passou na primeira tentativa na prova para obter a carteira de advogado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

"Ele nunca brigou na rua ou na escola. Não teve nenhum registro de confusão. Todo mundo gostava dele. Era uma pessoa da paz. Ele não é um assassino. Digo isso porque ele não nasceu para isso, não praticou nada de errado até então. Tenho certeza que em sã consciência não faria nada disso. Quando soubemos, todo mundo ficou espantado", afirma Fátima.

A mãe conta que soube do caso ao ligar a televisão e ver um programa policial. "A ficha não caiu na hora porque a mãe é a que mais conhece o filho, porém a mente é uma terra em que ninguém anda."

"Devia estar desequilibrado"

Mesmo com certo sucesso na advocacia, Rafael decidiu estudar para concurso público. Durante três anos se preparou para ser aprovado no TRT da 11ª Região. Conseguiu entrar em uma das 63 vagas e a nomeação ocorreu em 25 de setembro de 2017.

"Ele estudou bastante, ficou quase incomunicável durante três anos em que se preparava. Prestou o concurso e passou. Tirava boas notas no colégio e na faculdade. Sempre foi assim. Imagino que a saúde mental dele não estava bem porque, para alguém com todo esse histórico fazer isso, não podia estar bem da cabeça. Deveria estar desequilibrado e fora de si", declarou a mãe.

Fátima agora pretende falar pessoalmente com o filho na penitenciária, em Manaus. Ele cumpre prisão preventiva enquanto não é julgado, mas continua como funcionário do TRT. O tribunal informou em que "acompanhará o desenrolar do caso para uma apuração célere e cuidadosa dos fatos".

A expectativa é de que mãe e filho se reencontrem apenas quando o governo do Amazonas autorizar novamente as visitas, suspensas desde março em razão da pandemia do novo coronavírus.

Mãe está com câncer de mama

Enquanto aguarda a autorização, Fátima diz que trava uma luta em outra batalha, contra o câncer de mama, algo que enfrenta desde 2019 com o apoio de Rafael, que a auxiliava financeiramente.

"Até agora não consegui falar com meu filho para saber o que, de fato, aconteceu. Sempre falei para não bater em mulher e não fazer nada. Não imagino o que tenha acontecido, mas, para fazer isso, deve ter ocorrido alguma coisa — o que, claro, não justifica."

Ela conta sobre seu desamparo. "Imagina a barra de aguentar isso sem apoio de outros parentes. Sou a mãe do homem que fez isso e nunca vou julgá-lo porque já tem muita gente condenando. Vou ficar dando apoio. Mãe é mãe", finalizou.

Defesa pede liberdade

É com base no histórico de Rafael que a defesa dele entrou com um pedido de liberdade para responder o crime fora da prisão, segundo conta a Universa o advogado Ricardo Lasmar, que atua no caso.

De acordo com ele, Rafael cumpre os requisitos para deixar a cadeia, como ter endereço fixo e trabalho e não contar com antecedentes criminais. "É claro que teve um clamor popular, mas ele cumpre o que está na lei", afirma.

O pedido ainda não obteve decisão da Justiça do Amazonas. Rafael está em uma cela especial sozinho à espera de uma definição sobre o requerimento de liberdade.

O feminicídio

Segundo a Polícia Civil do Amazonas, no dia 12 de maio, após Kimberly não responder aos chamados da família, uma amiga acionou um tio da miss, que indicou à Polícia Militar (PM) onde o ex-namorado da jovem mora, no centro de Manaus. Os militares arrombaram o imóvel e encontraram o corpo.

A amiga indicou o endereço porque Kimberly saíra no carro do suspeito do local onde as duas estavam. A faca supostamente usada no crime ainda estava na varanda do apartamento.

O suspeito, que é servidor da Justiça do Trabalho, estava escondido em uma cabana em uma região de mata em Pacaraima (RR), na fronteira com a Venezuela. A suspeita da polícia é de que ele estaria planejando fugir para a Espanha por meio de Caracas.

De acordo com a investigação, o servidor público entrou em Roraima em 11 de maio, um dia depois do registro do desaparecimento de Kimberly. Os investigadores descobriram que o suspeito estava naquela cidade após o registro de sua entrada no estado na barreira sanitária montada na divisa com o Amazonas e depois da localização do carro dele, encontrado capotado na BR-174, em território roraimense.

Rafael seguiu viagem após o acidente ao pegar carona com um caminhoneiro. Em Boa Vista, ele foi até Pacaraima com um taxista, informou a Delegacia Especializada em Homicídios e Sequestros. A hipótese da fuga para a Espanha surgiu após a polícia apurar que o ex-namorado da modelo tem parentes no país europeu.

Após ser conduzido para Manaus, o Tribunal de Justiça do Amazonas converteu a prisão temporária em preventiva a pedido da Polícia Civil. Assim, Rafael deverá responder pelo crime na cadeia. O inquérito tem 30 dias para ser concluído.

Parentes e amigos ouvidos por Universa contaram que a atual miss Manicoré virou orgulho e referência na cidade de 55 mil habitantes, depois de levar o nome do município à final do Miss Amazonas 2019.

Ela também vivia um sonho antigo, segundo a mãe. De família humilde, a miss tinha entrado na faculdade de odontologia depois de concluir o curso de técnico em enfermagem.